terça-feira, 23 de agosto de 2011

CONTO


CONTO: O dia a dia.      
  Dante chutou umas pedrinhas do monte de brita da construção da reforma do canteiro central da Avenida Frei Serafim feito pela prefeitura. Lia os outdoors espalhado na avenida com seus grandes letreiros. Ele pensava no poder de persuasão das palavras do mundo publicitário incitando as pessoas ao consumismo. Nada na vida parecia ter sentido no momento ao menos a imagem de uma garota que povoava a mente do adolescente.
         Não parava de pensar em Ísis, sem saber se ele a veria novamente ou se aquele anjo negro era apenas um retrato da mente cansada da viagem assim que veio de Barras a Teresina. Alguns metros à frente, o ônibus coletivo parou ruidosamente em seu ponto. Dante levantou os olhos. O ônibus lançando um turbilhão de fumaça pesada e cinzenta. Vários coletivos soluçavam majestosamente na Avenida Frei Serafim entre os vários carros de passeio dividindo com as pessoas que atravessavam a avenida.
         As buzinas dos veículos e o som dos motores misturavam-se com a fumaça dos ônibus, dissolvendo-se também no ar cálido com muitos ruídos irritados que por alguns minutos, rompiam a inquietude da capital. Depois do som abafado do metrô que passava pela estação no encontro da Avenida Frei Serafim com a Avenida Miguel Rosa rumo à estação da praça da bandeira. Um som de vida surgia para o jovem Dante sob a cúpula luminosa do céu daquela manhã sem nuvens. As portas do metrô vomitavam uma chusma de gente que desciam e desapareciam em instantes, além de outros nas janelas.
         Tinha rostos cansados, pessoas impacientes que largavam intrépidos e velozes sobre as escadas do subsolo da estação emergindo para avenida. As portas do metrô se abriram e umas pessoas saiam um a um.
         -Vamos, afaste-se! Gritou um homem gigante.
         Ele saia empurrando as pessoas, movendo-se por entre um grupo de pessoas que se amontoavam. Os trabalhadores abriram espaço. O Golias assumiu o controle da situação, dando um pequeno show de falta de educação.
         - Idiota! Bradou um dos homens com o gigante mal educado.
        Os outros o acompanharam gritando também com o homem. O sujeito olhou para o grupo de pessoas e manteve um silêncio extasiado, como um mero espectador abobado com a situação constrangedora. Dante pôde vê-lo totalmente sem graça e ficou a imaginar o ritmo acelerado que a cidade grande impõe nas pessoas, castrando a gentileza e as cordialidades do ser humano. Foi só no momento que Dante realmente percebeu a dramaticidade da cidade e seus aforismos. A euforia do momento pareceu tomar conta de todos ao mesmo tempo, e o grupo ali reunido irrompeu em assobios e aplausos.
         Até mesmo Dante emocionado deu uma tapinha nas costas dos homens e mulheres que enfrentaram o Golias mal educado. Ele seguiu a passos largos e com bastante pressa também, pensando no “carão” que a tia deu na prima Judite pelo uso exagerado de leite em pó no café da manhã. Quando de repente ecoou em seus ouvidos o motor a diesel do ônibus coletivo que voltou a roncar, mas, quando o ônibus estava começando a acelerar para desenvolver velocidade, ele via três estudantes subirem vagarosamente no ponto.
         Pensou com ele que daria tempo alcançá-lo. Na outra parada da frente ao colégio das Irmãs, além de uns ficarem na frente de Dante gritando e gesticulando para outros que caminhavam para uma parada a espera de outro coletivo. O motorista parou e outros garotos subiram rapidamente. De onde estava Dante observou, pasmo e surpreendente. Seus olhos castanhos novamente focados, mas sua cabeça insistia que o que via era impossível. Poderia ser uma chance em um milhão. Pensou em está alucinado pela visão fantasmagórica. Quando as portas do ônibus se abriram, os rapazes passaram em torno da moça para subir. Dante olhou de novo e, desta vez, teve certeza. Caminhava sob a melancólica manhã de agosto de 2010, por trás de um pé de carnaúba, quando ao longe sua visão alongou-se até o momento de enxergar claramente à jovem, Ísis com os cadernos nas mãos após descer do coletivo.
        Os passageiros entraram no coletivo e fizeram com que ele a perdesse de vista e o motorista deu novamente a partida. O rapaz da pensão da tia lá no Monte Castelo saiu em disparada com a imagem fixada na mente. O coração parecia não obedecer às mesmas batidas de antes e acelerava na medida em que o motorista metia o pé no acelerador do ônibus. Ísis estava de batom preto, sombra escura em torno dos olhos e os cabelos escovados num vestido preto com botas até os joelhos e correntes de metais pelo pescoço, ela gostava do estilo gótico. Ela vinha de um preparatório de cursinhos de pré-vestibular.
         O ônibus começou a se mover rumo à Praça da Bandeira, enquanto Dante corria alucinadamente pela avenida, ficando envolta de uma nuvem densa e escura de monóxido de carbono que saia do escapamento do velho ônibus coletivo.
         - Espera! Gritou.
         Os sapatos bico fino do rapaz escorregavam no asfalto da avenida em um grande toque e toque barulhento e insistente. Infelizmente, parecia ter perdido a incrível habilidade de correr que demonstrava nas peladas de futebol quando jogava nos campos de areia da prainha em Barras nos fins de semana. Dante considerava-se com uma inteligência invejável mais para o momento a massa cinzenta dentro da cachola tinha problemas para controlar os pés. O rapaz se desequilibrou no meio fio da calçada e quase levou um tombo no canteiro da avenida que estava em reforma e com pedaços de construção por todos os lados.
         Ele amaldiçoou o motorista do coletivo que saiu em velocidade com o ônibus, parecendo fazer de propósito quando enxergava um passageiro correndo e atrasado para a parada. O ônibus era um dos velhos modelos a diesel ainda em circulação em Teresina e para sorte de Dante, a primeira marcha entrava com um sacrifício demorado e penoso para o motor. Dante sentiu que estava se aproximando e pensava que sempre havia uma coincidência quando alguém se aproximava de uma parada era justamente que o coletivo resolvia chegar ou começar a sair do local.
         Ele tinha que alcançar o ônibus antes que o motorista dobrasse a esquina para o lado da praça do Fripisa. Deu sorte pelo sinal vermelho do semáforo fechar perto do colégio das Irmãs. O semáforo abriu com o verde, antes de dobrar o Colégio das Irmãs, o rapaz alcançou quase na segunda parada. Teve sorte porque umas pessoas pediram a parada, pois o contrário seu primeiro dia de trabalho seria arruinado e a tia, dona da pensão arrancar-lhe-ia o couro.
         Dante apressou-se e corria buscando nos fôlegos o ar que precisava até conseguir alcançá-lo e desaparecer entre os vários estudantes que desciam na parada da Praça do Fripisa, sem dizer uma palavra, ele entrou e sentou-se na cadeira perto do cobrador. Entretanto, a porta do ônibus fechava-se ao fundo de par em par e por ela, alguns policiais militares entravam no ônibus coletivo.         
          Somavam-se aquelas muitas caras cínicas, homens e umas mulheres com roupões desabotoados, outras com vestidos indecentes e tão leves, e também alguns estudante em algazarra com os livros nas mãos. Os estudantes riam com grandes gritos até o momento de fazerem um completo silêncio no ônibus, é que tentava entrar numa parada da Rua Sete de Setembro, um mendigo que arrastava um saco sujo nos ombros.
         Gritou para o motorista que aquilo que trazia nas costas era seu guarda-roupa ambulante e o motorista quase não parou. O homem entrou na porta traseira e sentou-se no fundo do ônibus. Pessoas olhavam com um olhar discriminatório e de nojo. De parada em parada começavam alguns descerem até um instante que novamente o silêncio foi quebrado por um grito estarrecedor de uma idosa querendo pegar o coletivo na segunda parada da Praça da Bandeira em frente ao Museu Público.
         Lançada pela própria sorte a pobre idosa vinha entrecortando outros passageiros na parada e aos berros com o motorista. O cano de descarga cuspiu uma nuvem densa de fumaça quando o motorista acelerou, preparando-se para colocar a primeira marcha.  A velhinha tentou correr mais rápido. Quando estava quase tocando o pára-choque traseiro, moveu-se para a direita, ficando ao lado do ônibus. Agora ela podia ver as portas traseiras. Como em quase todos os ônibus de Teresina estavam abertas para policiais entrarem. A idosa fixou os olhos na porta e ignorou a sensação de queimação nas pernas.
        Os pneus estavam ao seu lado, girando cada vez mais rápido e pessoas batiam na lateral do ônibus. Tentou agarrar a barra de segurança da porta, mas errou e quase caiu. Correu um pouco mais rápido batendo na lateral do ônibus. Dava-se para ouvir o barulho da caixa de marchas sendo acionada. Mas, quando o giro do motor caiu enquanto a embreagem era pressionada, o ônibus perdeu um pouco de velocidade ao desviar de outro parado o motorista a viu pelo retrovisor. Ele parou.
         O motorista soltou a embreagem pouco depois de ela ter subido e segurado na barra de dentro do ônibus, ela quase foi deslocada contra o painel do ônibus quando o motor tomou força novamente. Ela foi jogada de uma vez para dentro do ônibus. A idosa quase se atirava no chão do ônibus. A senhora sentia dores nas pernas e no ombro. Com dificuldade ficou de pé e começou a andar dentro do ônibus procurando um lugar nas cadeiras prioritárias que já estavam sentadas por uns estudantes que pareciam ignorar a presença daquela senhora. Dante ficou só imaginando como os idosos são maltratados na cidade grande.

terça-feira, 16 de agosto de 2011



Conto: Barras, uma idéia poética do marataoan.
Barras de formas e idéias, em que os amantes da poesia bebem o mistério desse mundo marataoan. Terra que os cabelos das carnaúbas silentemente é leque profundo no eterno jogo da brisa leve a varrer os céus. Cidade cujas ruas têm nome e as casas de uma arquitetura inenarrável é uma arte.
Saudade desse torrão natal. O mudo silêncio da distância é inestável e suspiro que não se apaga com o silêncio infindo da nostalgia. O marataoan é rio acorrer vago em mim e se vai esvaindo nas pedras das lavadeiras.
O céu azulino é amplo pavilhão na eternidade da minha memória. Abre-me o sonho de barrense na praça senador Joaquim Pires Ferreira. Os dias de criança foram loucura tenebrosa por entre os bancos mornos da praça. A treva negra dos que viveram momentos infinitos. O descanso do poeta é o desvario, sem poesia.
A igreja é sentir, viver e ter o mundo sonhado nos laços de compreensão da saudade. O sino no alto da torre é alma gelada. O poeta é supremo adorando o Cristo negro sob mistério tornado carne. Orgulho barrense é atro que me diz inconscientemente que sou humano.
O som do grilo nos jardins por trás da igreja é mais real que o mundo, na existência enorme, do amontoar de coisas vistas na minha terra. Barras é uma santa devota do meu mundo, porque o que eu sou e que não sei sentir que sou, ela conhece desde tempos remotos.
O azul, vermelho e branco da bandeira é ufanismo e consciência. É orgulho consciente, é um símbolo encarnando na fria pele, no pedaço da alma de barrense.  Minha terra é arremessada para o mundo. É saudade pávida da pátria.
É um sistema dentro de outro sistema e metido no universo piauiense. Os olhos da cidade não se desviam de mim. São olhos da cidade na inumana alma de um ser personificado. Cada vez sinto mais como se eu vivesse esse amor ufanista, onde o sonho é o que menos importa para uma consciência alerta que apenas sonha mais profundo que o romance, a fantasia, o irreal.
As matas de minha terra é a diversidade, do tudo sendo. É o mistério do mundo no verde das árvores, no íntimo das águas. A simplicidade do meu povo é possuída nos inocentes. Na simplicidade vácua imensurável dessa gente em que o pensamento friamente ocupa-se do tudo.
Tremo de medo de não mais voltar ali. É o segredo aberto de uma pessoa confidente. De um qualquer, desse ser que a distancia é um problema e que perturba a mente demais. Sem Barras, é um sem existir. É um mundo que não existiria dentro de mim.
Não é a dor que eu me queixo. É a dor que me oprime, não a de não saber, mas apenas a que doe completamente. Beirando as águas do marataoan onde o mistério é visto de frente a frente. Ilha do amor é compreendida na infinidade de mistério do verde e da passarada. O centro é alheio para eu ser e admirá-lo.  Há entre mim e o real véu da cidade uma própria concepção impenetrável da saudade.
Não me concebo amando Barras sem combater os outros vivendo com os outros. Há, em mim, uma possibilidade da cidade existir e ter alma. Alma exterior a minha. As tardes barrenses adivinham poder e segredo no mistério ilúcido do sol com as ultimas réstias de luz. Poucos de sua gente admiram esta emoção. Os pássaros recolhendo-se é vaga esperança quase amarga da sensação que dás.
Que importa na cidade? Tudo é o mesmo. De manhã inda d'orvalho arrepiada na pele nua. Meio dia é ligeiro o sol, com pesado em nuvens. Na noite misteriosa, e tudo, se nela penso, só me amarga e me angustia o mistério.
Barras acorda, abre os olhos. Barras vive! Barras é viva ainda! Sob as luzes incandescentes dos portes torno a ver-te, sob a luz pálida, fluorescente e silente da luz dos portes. Essa terra é onde estive. É onde estarei um dia.
Hoje ferve em mim, a vontade, a inquietação indefinida da volta ao seio natal. Da mente ociosa um eco de tumultos e de sombras urbanas. Um poviléu de fantasmas gritantes com suas buzinas, com os portes e luzes, com os cantos dos carros, com os gritos da violência, com os desejos pueris, com as lágrimas dos filhos pátrios sem pátria, com as chamas sem corpos.
O ritmo referve e é tumulto misturado ao caos. O ritmo diário é esvaído na confusão noturna da cidade que adormece. Na falta de piedade e sem visões futuras. O esforço da mente para recordar o passado é como ressuscitar fantasmas ou vagas lembranças.