sábado, 31 de dezembro de 2011

Romance Terra de Marataoan


CAPÍTULO 34

Os três dias de apuração dos votos das eleições iam se humanizando na Associação Recreativa Barrense. O vestido engomado harmonizava com as chinelas alpargatas nos pés da mulher. Os saracoteios da colher de pau na panela, uma valsa inquietante e harmônica da dona da banca. Netinho, o caçula de Conceição, que, assombrado com tanta gente comendo e foguetes nos céus, o menino chorava deitado debaixo da mesa da cozinha.
Uns homens troçavam a galinha com os dentes.
- Hein, minha comadre! Bota mais aqui no prato...
Debaixo da banca de lona nova doado pelo candidato Zé de Lauro, todos os fregueses se arranchava para ouvir o fim da contagem dos votos. A lua, no céu, marcava sete horas. Quando Zé de Lauro, com seu grupo vitorioso, apontou na Rua Santo Antonio saindo da Associação Recreativa Barrense, os homens esfolavam os foguetes para o alto. O foguetório com fachos de luz na cadência das efemeridades da escuridão dos céus. A bela exaustão dos rasgos de luz no escuro dançava como serpente no alto bastão da claridade.
Homens com braços estendido para o alto e a fronte infanta se inclinando vagarosamente no fixo olhar do fósforo acendendo ao foguete e o corpo pendendo e aguçado para fazer estourar o barulho da vitória. Debaixo dos braços de outros, os frementes litros de álcool na boca imunda de dentes encardidos na arcada misturando a bebida ao líquido da saliva.
Em toda a extensão da vista de quem olhava para os lados viam-se partidário do candidato vitorioso, logo outro foguete urgia fachos de luzes nos céus das Barras. Calados pelo pé dos muros, os partidários de Mundico Goma na bela noite radiante se curvavam procurando um atalho nas conversas feito carniças repugnantes.
Um bêbado de pernas para cima, qual homem lascivo transpirava em miasmas e humores segurando o litro de cortezano nas mãos. Ele abria e bebia desleixado e repulsivo na boca do litro com o ventre prenhe de cachaça. O homem ardia a lua naquela pútrida torpeza do ser humano. E o céu olhava do alto a esplêndida carcaça dos fogos clareando a terra de marataoan.
Do lado da praça monsenhor Bozon saíam bandos de larvas comemorando a vitória de Zé de Lauro. Saia com semblante triste e entalado sem palavras Mundico Goma por entre trapos nefandos de bajuladores e tudo isso ia e vinha, ao modo de uns derrotados.
Por trás da janela do F100 da prefeitura, Mundico Goma olhava irrequieto fixando o olhar zangado para o povo.
- Então, querida, dizem que à carne se arruína. Falava o prefeito.
- Esses vermes que te beija o rosto. Respondia a esposa.
Aproximava-se o vice Rui Rosas.
- Temos que prosear!





sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Romance Terra de Marataoan


CAPÍTULO 33

Enfim caiu a primeira chuva de fevereiro. Da barraca no mercado público, agarrada ao terço de nossa senhora da Conceição, de mãos postas, suplicava a santa padroeira de Barras do marataoan que aquilo fosse um bom começo para os irmãos que ficaram no Mocambo.
Ela olhava para o menino tampinha, comovido, pálido, de lábios apertados, com a testa encostada ao pau da barraca com a lona cheia de goteira. O céu azulado para o nascente e o menino acompanhando a queda da água no calçamento de paralelepípedos e as telhas do mercado público no lento gotejar das biqueiras de jacaré do prédio. Naquele momento, nenhum dos dois se movia nem falava. Só a mulher, com a panela de pressão chiando com a galinha caipira no fogo que se acocorando a um canto perto do fogareiro para abanar.
- Que inverno bonito!
Barras sentia a chuva fresca e alegre que tamborilava cantando na terra de marataoan e corria nas biqueiras empoeiradas das casas do centro da cidade e se embebia depressa nos bairros.
Um pequeno grupo de pessoas se amontoava na entrada do mercado, o vigia corria e escancarava as portas rapidamente para o povo não se molhar.
Aquela gente saraivava de flanco as reses mortas vinda no interior da carroça, o homem se encolhia trêmulo, erguendo olhos de assombrado espanto para o céu escuro no lado do Fórum.
Os pingos de água batendo-lhes nos lombo da burra e respingando no rosto do homem que chicoteava o animal que fazia um esforço para se movimentar.
Sofregamente, o rapaz parava perto do portão do mercado. Levantou a lona que cobria a carne e abriu os lábios chamando o magarefe dono do boi. E longamente ali ficou sorvendo o cheiro forte que vinha do calçamento molhado, impregnado de calor e frio.
Depois da chuva o mercado público com muitos fregueses passava o furor do apetite na banca de comida de Conceição. O cardápio de galinha caipira com baião de arroz fazia os fregueses gemer e engolirem cada pedaço de galinha. Alguns lambiam os dedos entretendo com o doce sedento do guaraná simba.
Pacientemente, a mulher atendia a todos:
- Esperem aí, ainda tem galinha e já vem mais...
Em meia hora, realmente, outra galinhada da terra de marataoan chegava quente. Não sobrava nada. O cheiro da comida nos ares dava para ser sentida a um quilômetro de distância.
O delegado Ribamar peito de aço era o que mais mastigava e mais comia, correu para o rumo do soldado Sousa, tomou-lhe a vasilha das mãos e colando às bordas a boca sôfrega, em sorvos lentos, deliciados, sugou o caldo com moelas e fígados tão esperado.
Rosa Clarice, mas os outros, avançando, arrebatando-lhe a galinhada mais famosa de Barras.
Aflita, Gonçala interveio:
- Seus desesperados!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Romance Terra de Marataoan


CAPÍTULO 32

Com as primeiras chuvas no começo de fevereiro, o quitandeiro Florindo e o vaqueiro Raimundinho do João Tomaz viam adiante dos olhos, lá da beira da estrada, o pasto na solta velha se enramando, e o verde cada vez mais verde com o capim macio, se estendendo no chão até perder-se de vista.
Os capins da solta velha despontavam todos com folhas verdes.  E tudo era verde, e até no céu, periquitos verdes esvoaçavam gritando para o rumo do são Francisco. O cinzento do verão no Mocambo vestira-se todo de esperança.
Chegava então o dia da vaquejada, uma triste realidade duramente atazanava Raimundinho do João Tomaz ainda recordava o resultado que a seca produziu ao patrão, dívidas. Passo a passo, na babugem macia do parque de vaquejada dos Mimosos, vaqueiros chegava com os cavalos nas carrocerias dos F100 com as carcaças sujas maculando de fezes dos animais a verdura.
O curral preparado para receber o gado, com reses famintas, esquálidas, magoava o focinho nos tablados áspero do corredor do curral para o lado da pista de vaquejada. E à porta do curral, o locutor anunciava as pareias de vaqueiros que brincavam e acorriam aos olhares curiosos do imenso público.
- Sairá carros da localidade Paissandu passando pelo Barro Preto, Corredores, Estreito... falava o locutor da rádio Difusora...
À medida que os vaqueiros avançavam, Raimundinho do João Tomaz informava-se com outro vaqueiro sobre o homem forte que disparava na liderança isolada do campeonato e que sucedera ele no ranking do primeiro dia.
O homem com quem o vaqueiro do senhor Florindo conversava só aludia ao locutor anunciando à próxima pareia. Quando o locutor anunciou à última pareia, Raimundinho estava a um ponto da vitória.
O oponente sentia os gados fortes na reta final. O vaqueiro do senhor Florindo conseguia marcar mais dois pontos. Empatado o campeonato. O locutor anunciava o temido garrote negreiro. O vaqueiro montou o cavalo raio do norte que fungava muito de cansado.
Preparou marcha e partiu atrás do garrote no pego não pega, assim que se aproximava as duas linhas, Raimundinho do João Tomaz agarrou o rabo do garrote com força, apoiou as mãos, inclinou  o ombro e forçou para baixo derrubando o bicho na pista.
- Valeu boi, valeu boi! Gritou o locutor.
O oponente fez marcha para correr atrás do outro garrote, mas não deu o cavalo desequilibrou e eles foram ao chão deixando o animal sair livremente pelo grande corredor da pista. Derrota.
Dos olhos embasados de areia, o vaqueiro fazia as lágrimas descer inconformado. O outro apressado com alegria de ganhar o campeonato para o patrão e assim poder casar. Raimundinho do João Tomaz não o reconheceu:
- Quem é você?
- Sou o Pedro Peba da fazenda do coronel Regilberto!
O homem agarrou-se à rédea do cavalo, e gemeu tristemente:
- Você não me conhece? Eu sou Raimundinho do João Tomaz da quitanda do Florindo, no Mocambo...
O suor descia do rosto do homem que levou as mãos ao rosto sujo com areia, num espanto desolado:
Encostando a cabeça à porteira do curral, o homem entrou num choro solto e desesperado, que se quebrava todo em soluços. E murmurou entrecortadamente, arrancando as palavras do pobre peito emagrecido, que a força do choro abalava.
- Desgraça! Faltava derrubar só o garrote relâmpago para poder ganhar.
Raimundinho do João Tomaz, comovido demais, não sabia o que dizer:
- E você quer voltar para sua terra?
O homem levantou tristemente os olhos:
- Pra que? Coronel Regilberto não me solta não! Quem é que vai ter pena de mim?
O vaqueiro olhando o outro confidenciou que ao receber o premio daria cinco notas de 50 cruzeiros:
- Pois, meu amigo, se você quiser ir pro seu interior,  eu lhe ajudo no que puder, para você endireitar sua vida...
O homem recebeu com a mão trêmula e beijou o terço que trazia.
- Deus lhe pague, Deus lhe pague! Nossa Senhora da Conceição lhe dê tudo quanto deseja!
- Tome isto! Tenho que lhe dar! Adeus, adeus!
O que mais deixava Raimundinho do João Tomaz com raiva era saber que Maria Luzia fazia com a noiva Glória do Viveiro. Maria Luzia descia glória do Viveiro aos subterrâneos na língua ferina.
Logo que a moça deixou o óbolo do antigo noivo no altar na igreja de Barras, que o nome virou chacota nos falatórios lá no Mocambo. Como Raimundinho do João Tomaz, um vaqueiro de olhar frio nutria desde a infância paixão pela mulher, com a cara vingativa agarrou Glória do Viveiro para juntar as trouxas de roupas após o casamento. A mulher com seios flácidos e enormes sempre se vestia com roupas entreabertas e muito sensuais. As outras do interior se torciam quando ela passava pela estrada vinda dos babaçuais. Qual uma ovelha vitima de um rebanho vil, a pobre moça era a preferida da Maria Luzia nas prosas e ofertada aos maus comentários.
Atrás de Raimundinho do João Tomaz rosnava o atroz lamento de que Jorge do Esaú roubara a virgindade da moça e ria pelas quitandas do interior. Enquanto, erguendo o dedo, apontava Maria Luzia para jovem que nas margens da estrada deambulava com o vaqueiro audaz de mãos dadas e feliz.
- Esse pessoal Raimundinho fala muito dos outros! Dizia Glória.
- Eu não tou nem aí pra conversa desse povinho! Respondia o vaqueiro.
Em seu álgido, Clotilde, irmã de Conceição ainda casta e esguia, apaixonada por Raimundinho do João Tomaz, ela conformava-se como uma amante de outrora do vaqueiro e ás vezes parecia exigir-lhe uma última alegria, o fim do casamento dele com a Glória do Viveiro. Ereto na couraça do cavalo raio do norte, um homem pétreo e imenso, ele golpeava o lombo do cavalo com o prêmio da vaquejada nos bolsos e feliz pela realização do casamento em dezembro na igreja de nossa senhora da Conceição.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Romance Terra de Marataoan


CAPÍTULO 31

O dia da eleição tão esperado. A sociedade barrense luzida e numerosa enchia as urnas com o voto; o prefeito Mundico Goma, embora muito arredado, achou ali grande número de conhecidos e conhecidas. Votou; viu, conversou, riu um pouco e saiu. Acertara com o coronel Regiberto que o vereador Rui Rosas seria o vice na chapa.
O candidato Zé de Lauro após votar saia com o coração livre; ao sair trouxe um discurso, para falar a linguagem do povo barrense.
De justiça social? A falar a verdade não se pode dar este nome a causa dos políticos, mas experimentado por Zé de Lauro poderia acontecer; não era ainda o tema da campanha, mas bem pode ser que viesse a sê-la na prefeitura.
Por enquanto era um discurso de fascinação doce e brando; um homem que nem ele produzia ótima impressão ao povo. O político em questão não era um dos muitos que circulava na terra de marataoan; era um homem de trinta e dois anos, muito elegante e terno com as palavras. Zé de Lauro viu pela primeira vez seu nome atrelado ao de prefeito da Barras, após a apuração na Associação Recreativa Barrense; rio das feições de derrota do candidato Mundico Goma e Rui Rosas.
O candidato Mundico Goma conversou com o vice Rui Rosas durante meia hora, e tão desencantado ficou com as maneiras, a voz, a dureza de engolir a derrota, e os três meses de insônia do fim do mandato.
Como um verdadeiro corrupto do dinheiro público que era, sentia em si os sintomas da hipertrofia administrativa das finanças que se chamava déficit público e procurou combater demitindo prestadores de serviços da prefeitura. Leu algumas páginas de balancetes municipais, isto é, percorreu-as com os olhos, ele não sabia ler direito; porque apenas começava a ler com o espírito analfabeto que alheava apenas com os olhos.
O cansaço dos três meses do período eleitoral foi mais feliz para Zé de Lauro.  Sonhou com a prefeitura e a apertava em seus braços, perante a sociedade.
Quando acordou e lembrou-se do sonho, Zé de Lauro sorriu.
- Sou o prefeito da Terra de Marataoan! disse ele. Começou a vestir-se e sair para comemorar na praça da matriz. Estava Conceição sentada na banca no mercado, quando ouvia os foguetes ecoando lá da praça da matriz.
- Acredita no destino, meu irmão? Pensa que há um político do bem e um político do mal, em conflito travado sobre a política barrense?
- Política é honestidade, respondia Humberto. Cada homem faz o seu destino na política.
- Mas enfim não temos nada haver com a política daqui... Às vezes adivinhamos acontecimentos em que tomamos parte; não há um político benfazejo que nos agrade.
- Fala como Zé de Lauro; eu creio em tudo disso. Creio que nosso candidato vitorioso ajudará a matar o estômago vazio do povo de Barras, e o que melhor podemos fazer é acreditar aqui mesmo do mercado público que ele cumpra as promessas do palanque. Compreendera tudo.


terça-feira, 27 de dezembro de 2011

EXCLUSIVO: CAPÍTULO INÉDITO DO NOVO ROMANCE BARRENSE: JOGO BAIXO


I

COMEÇO DA HISTÓRIA

                Ele parecia não ter mais o que ler e fechou a ultima página do livro “Crime e Castigo” de Fiodor Dostoievski. Deu uma olhada no caderno de anotações e balançou a cabeça, contrariado. Assim, La marque eliminava os dias com os olhos fincados na leitura do livro. O homem e a leitura tinham certo sincronismo absolutamente perfeito e afortunado de conhecimentos.

                La marque parecia que viajava e ao falar para o companheiro de cela sobre o conteúdo do livro, Caçoleta se virava para olhá-lo espantado com a aventura do protagonista da estória. Cabo Villaça o encarou com um olhar gélido lá do rancho.

                   Tome cuidado com o que conta, meliante.

               La marque não respondeu, apenas dirigiu-se para o fundo da cela. Os dois homens estavam sentados em silêncio dentro da cela. Do lado de fora, um vento gelado do nascente açoitava pela janela gradeada do lugar, como se quisesse arrancá-los. Barras mergulhara nas plumas plácidas dos líquidos cristalinos do inverno.

              Os homens pareciam não se importar com a chuva que caia dos ares barrenses. La marque era um homem musculoso e ágil, com um olhar tão desolado quanto à paisagem cinzenta lá de cima do pavilhão celeste. Examinou o horizonte azulino e como sempre, concentrou-se na escrita das cartas endereçadas a Berenice. La marque aprendera desde cedo com os livros e que o conhecimento manipula a mente dos mais fracos. Eles começavam a jogar damas.

               Então, como vai sua vida Caçoleta?
               Toda desmoronada.
                Ah, não vamos falar de nossas vidas.

               Caçoleta inclinou-se ligeiramente sobre o tablado do jogo de damas, baixando o tom de voz.
               Quero ver repetir essa jogada, La marque!

               La marque respirou fundo, já se controlando para não errar uma jogada em que comeria duas pedras e fazer uma dama, assim vencer o jogo. A manhã prometia ser longa dentro da cela.

               Você sabe mesmo.
           Você precisa encontrar tempo para raciocinar as coisas que realmente importam. Sem amor, tudo mais perde o sentido. Uma enorme quantidade de jogadas veio à sua mente, mas La marque preferiu se manter em silêncio.

          Eu não ganho mesmo de você! Mas, você disse que tinha algo de importante para me dizer.
                De fato sim.

                Caçoleta olhou para o rosto de La marque atentamente. La marque sentiu que poderia fazer sua defesa diante daquela minuciosa atenção do companheiro. Atenção do homem era a maior dádiva e grande o suficiente para levá-lo a acreditar na história.

          Seu domínio era tamanho que conseguia ficar com os olhos cheios de lágrimas quando desejava e, um instante depois, exibir um olhar límpido, como se estivesse abrindo uma janela para sua alma, fortalecendo seus laços de boa fé com os outros.

                Na vida Caçoleta confiança é tudo. Disse La marque
                Fim de jogo!
              O homem recolheu-se ao fundo da cela e começou a escrever mais uma carta para enviá-la a Berenice.

         "... Amiga Berenice. Escrevo estas poucas linhas somente para dizer que se a descoberta do assassino for confirmada por você, com certeza será uma das mais incríveis revelações sobre esse crime misterioso já feito por uma pessoa leiga, sem a ajuda da polícia, a revelação é tão vasta e impressionante que ultrapassa nossa imaginação de ser humano, e ela tem um nome, Helena...” assinado: La marque Mafagafos.



Correio do Marataoã.
Notícias:

AMANTE DE SAMANTHA É O PRINCIPAL SUSPEITO DE ASSASSINÁ-LA
14 de janeiro de 1988

            O amante da prostituta Samantha, La marque Mafagafos é preso como o principal suspeito de assassiná-la. A morte de Samantha, naquele lugar conhecido por todos na cidade de Barras, o “Bar das Estrelas”podia ter infinitas versões e nada poderia confirmar quem era realmente o assassino que decidiu um destino tão bárbaro quanto aquele para a vida da mulher.
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            Durante cinco anos La marque escreveu cartas e mais cartas para Berenice com objetivo de provar a inocência. Estranho, La marque pensou que Caçoleta pudesse decifrar uma linha do que estava escrito. Mas, logo ele o tranqüilizou dizendo não sabia ler. Caçoleta nunca havia freqüentado um banco de escola quando morava no interior de Barras. Os recursos para a área da educação eram desviados pelos políticos corruptos que o povo da terra de marataoan com freqüência elegia para o poder público e no interior que morava não havia escolas.
         
             — Tu nunca foi á escola? Perguntou La marque.
             — O grupo lá do São Domingos nunca saiu do papel e aí, papai me mandou para roça cedo. Disse Caçoleta
             — O que tu vai escrever La marque? – Perguntou o homem. Depois que desceu a vista no papel lotado de riscos, rabiscos e palavras.

          Minutos depois, soldado Sousa aproximou-se da grade da cela. Soldado Sousa todo vestido com uniforme militar impecável e um fuzil nos ombros. Ele caminhou na direção da cela dos homens com determinação. La marque ficou paralisado. Perplexo, La marque recebeu a marmita com a comida de dentro da cela.

         Preciso que você entregue a minha irmã Glória com urgência.

         Ele não disse nada. La marque olhou, aterrorizado, com medo de o militar abrir a carta, mas ele podia confiar no homem. Em poucos instantes o soldado haviam sumido de vista. Caçoleta estava de pé, calado, quando o homem também o interrogou se não ia ter nenhum bilhete para mandar.
       



Romance Terra de Marataoan


CAPÍTULO 30

.Que lhe diria? Era a primeira vez que o padre achava-se em tais apuros. Há toda a razão para supor que padre Rodolfo naquele momento preferia estar a cem léguas distantes, e, contudo, por mais longe que estivesse os pensamentos pecaminosos estaria nela.
A mulher era excessivamente bela, embora mostrasse no rosto sinais de longo sofrimento com o casamento de aparências. Era alta, cheia, tinha um belíssimo colo, magníficos braços, olhos castanhos escuros e grandes, lábios com um tom de batom carregado no vermelho feito para ninho de amores e pecados. Naquele momento trajava um vestido branco dizia que por causa de uma promessa que fizera quando da primeira filha, passara o mês de outubro e estava no período dos festejos e o tom da roupa ia-lhe muito bem.
Padre Rodolfo contemplava aquela figura com amor e adoração; ouvia-a falar e sentia-se encantado e dominado por um sentimento que não podia explicar. Era um misto de amor e de receio. Ela mostrou-se muito delicada e solícita. Falou no merecimento de poder cantar na igreja e na sua nascente reputação, e instou com ele para que fosse algumas vezes visitá-lo.
Às dez horas serviu-se uma ceia na cozinha da casa paroquial. Marlene conservou-se lá até mais uma hora. Depois que terminou a ceia foi embora, precisava não levantar suspeitas. Caminhando para a barraca dos leilões ia ela formando projetos na mente: via-se casado com o pedreiro Paulo Genaro, causando inveja a todas as senhoras do bairro Matadouro, e mais que tudo infeliz no seu interior.
Quando chegou a barraca, Paulo Genaro havia arrematado um assado de galinha caipira. A mulher lembrou-se de que deveria escrever uma carta e mandar no dia seguinte a padre Rodolfo. Escreveu uma e rasgou-a.
Afinal redigiu um simples bilhete:
- Por que não escrevê-lo?
-Sim.
Começou o bilhete pelo seguinte teor: aconteceu-me um grande infortúnio; amei também, mas não encontrei no amor as doçuras e a dignidade do sentimento; enfim, é um drama íntimo de que não quero falar.
- Quando quiser eu serei sua amante... dizia Marlene no bilhete.
Padre Rodolfo não deu esperanças de amor à mulher. Considerava muito o fiel Paulo Genaro.
- Ah! é verdade. Vejo que o senhor é amigo dele.
- Somos amigos íntimos.
- Verdadeiros.
Marlene sorria; e como estava brincando com os cabelos do filho dava-lhe um beijo na testa. A criança riu alegremente e abraçou a mãe.
Padre Rodolfo interrompeu violentamente a leitura, o que se desgostou quando entraram na casa paroquial, à beata Catarina, aquelas que não têm hora de incomodar um homem santo. O pobre padre mal pôde balbuciar uma súplica; o homem mostrou-se surdo, e o mais que lhe concedeu foi ficar com o bilhete amassado para lê-lo depois.
Enfim saiu para rezar na igreja. Entretanto havia passado o tempo. Sob as escadas da igreja da matriz um punhado de senhora desdobrava-se em cenas contadas sobre a santa verdade do Bar das Estrelas. Elas debatiam a falta de vergonha das mulheres do local e cujo efeito, avivando-lhe as estranhas conversas e a prostituição do local.
Padre Rodolfo aquecia a voz com rigidez de sua austeridade nas palavras persuasivas de que na frente do templo não iria florescer os fuxicos, os disse me disse, os leva e traz.
Mais que um célebre monge, padre Rodolfo muito sério nas colocações. Minutos depois se desfaziam o grupo que tomando pelo cenário de horror das orgias que aconteciam na rua do Brega, cada uma entrava no templo e glorificando a Deus com simplicidade começavam os ritos sagrados. A alma de padre Rodolfo, um túmulo que desde sempre percorria o hábito solitário do enclaustro com Deus.
Marlene sempre fiel a igreja via no homem, um espetáculo vivo do triste olhar. A juventude da mulher não foi mais que um temporal.  Aqui e ali a mulher causava um dano tal ao homem santo, como um pomar que o fruto sazonado é proibido na realidade, mas degustado no pensamento do padre.





Romance Terra de Marataoan


CAPÍTULO 29

.-“Salve Rainha dos céus, salve a estrela da manhã, salve a padroeira de Barras do marataoan”. Cantavam os fieis durante a procissão do inicio dos festejos quando saiam da igreja de Santa Luzia no bairro Boa Vista para a matriz de nossa senhora da Conceição. Padre Rodolfo obrigado a missão religiosa de Barras. O homem lembrava-se das festas tão esperadas pelos barrenses na cidade tornavam-se o fio de esperança aos da zona rural e um grande acontecimento pessoal que sucedeu a sua pessoa.
Já no interior do município o cenário de alegria estava mudado por causa da física da natureza com a falta de chuvas. Aquilo com certeza a dor e o remorso que a seca trazia à população interiorana. Muitos vendido o pouco que tinha e viam suas rendas acabarem dia após dia. Outros enfrentavam esperando os recursos da emergência do governo federal.
Depois das lágrimas e as consolações, veio o fim da procissão, quando padre Rodolfo terminava o sermão.
- Vamos rogar por nossos irmãos do interior! Vamos cumprir nossa missão nesse fim de ano com muitas dificuldades. Dizia o sacerdote.
Os religiosos estremeceram; mas padre Rodolfo continuava nas duras palavras. À hora anunciada, o padre deixa o púlpito e o discurso religioso encerrava-se com a grande queima dos fogos de artifícios, após o homem desamarrar a ultima corda que sustentava o mastro com a bandeira de nossa senhora da Conceição. Metade do povo saia enaltecido do sermão. A razão simples. O povo ouvia com prazer a linguagem simples, branda, persuasiva, a que serviam lhes de modelo pelo líder religioso. Padre Rodolfo estava na igreja confessando os fieis. Eram nove horas e meia, dentro da igreja de nossa senhora da Conceição. Ele preparava-se para sair. Os coroinhas fechavam o último portão.
- Vim tarde demais? Perguntou à dona da casa.
- A senhora nunca vem cedo.
O padre inclinou-se.
Marlene continuou:
- Podemos conversar, sim disse o sacerdote. Estou indo agora para a casa paroquial.
- Ah, tenho um pouco de sorte no encontro.
- Ah! Sim percebi...
- Naturalmente; eu não lhe mandei dizer nada.
Era a primeira vez que eles conversavam; ela não queria por modo algum arredar da casa do homem tão distinto. As palavras de padre Rodolfo para a mulher não valiam coisa alguma, nem mesmo como desculpa, porque a desculpa era fraquíssima.
Marlene compreendeu logo que havia algum motivo oculto. Será que ele não teria amor no coração? Ela pensou, e doeu-se, porque, apesar de tudo, sonhara uma paixão mais reservada e menos precipitada. Queria, embora não lhe agradasse, ser objeto daquela preferência; e mais que tudo se achava embaraçadíssima diante de um homem da igreja a quem começava a amar em silêncio, e talvez ele não a amasse com amor carnal.



segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Romance Terra de Marataoan


CAPÍTULO 28

Rui Rosas sabia muito bem em ano de eleições  trocar o dia pela noite, dizia o vereador, é ganhar o pleito corrigindo o político sem dinheiro.
O vereador dizia que aos homens e mulheres barrenses que em vão descansam e dormiam ao passo que o frescor da noite não descia o suor de ganhar uma eleição no corpo a corpo, nas lutas sociais e a noite é a verdadeira estação em que um político deve fazer política.
Livre das ações da justiça eleitoral, não queria sujeitar-se à lei absurda que a sociedade os impõe: velava de noite, e dormia de dia nas sessões da Câmara.
Contrariamente a vários programas do prefeito Mundico Goma, Rui Rosas cumpria os deveres que o povo lhe concedeu com o escrúpulo digno de um grande sem consciência legislativa. A aurora para ele era o crepúsculo, o crepúsculo era a aurora e vice e versa.
Não lia jornais, gostava de ouvir as ondas sonoras da Rádio Difusora 630 kHz. Achava que o jornal era a coisa mais inútil do mundo, depois da câmara dos vereadores. Podia vir a ser um grande perverso; até então era apenas uma grande inutilidade de político.
Graças a fortuna do pai, o coronel Regilberto, dono da localidade Paquetá, o homem podia gozar a vida que levava, esquivando-se do trabalho entregue pelo povo. Ele mesmo dizia que na política quem mandava era as cédulas dos cruzeiros. Quando algum eleitor lhe pedisse ajuda ele respondia:
- Meu povo, eu nasci com a grande vantagem de ter uma coisa dentro do peito que é cachaça.
Coronel Regilberto acrescentava que a fortuna construída com as barragens do DNOCS suplantara a natureza, deitando-lhe no berço em que nasceu uma boa soma de contos de cruzeiros. Mas esquecia que a fortuna, apesar de generosa, é exigente, e quer da parte dos seus filhos não poderia ter esforço próprio.
- De alguns eleitores, bem sei.
Hoje, porém, o homem dizia que era indispensável que o povo lhe desse a honraria de chamá-lo de coronel. O capataz chegou à fazenda Paquetá com os títulos de muitos moradores. Apeou do cavalo, amarrou debaixo do pé de manga que fazia sombra no lado do curral dos animais.
Coronel Regilberto já o esperava. Depois que apeou, com indolência desajeitada, tirou o cabresto de baixo da capa da sela e pegou a boroca cheia dos documentos. Do alpendre da fazenda, coronel Regilberto olhava o homem. Ele balançava-se na rede de tucum, na mão esquerda o cigarro de palha feito de fumo saci.
- Boa tarde, coroné.
- Abanque-se homem!
O capataz sentou-se no grande banco de pau de angico, junto ao parapeito da fazenda.
- Eu trouxe os negócios...
- Então os moradores não falaram nada!
- Que hão de dizer coroné! Quem manda aqui é o sinhô!
O coronel não quis alongar a conversa tristemente.
- Meu filho Rui deve tá chegando das Barras!
- E, pelo que ouvi dizer, o Mundico Goma aceitou ele como vice dele!
O homem levantou a cabeça, olhou pensativo para a estrada. Depois, subitamente, fugindo à idéia que o preocupava:
- Quantos títulos tu trouxe?
- Uns trezentos!
O capataz levantou a boroca, derreou os documentos embaixo da rede, e coçou a nuca.
- Tá tudo aí!
O coronel Regilberto falou lentamente, no vaivém do balanço:
- É... Só falta o prefeito mandar as coisas.
- Tem gente que já até pediu pedalos de bicicleta e catraca também!
Quando o capataz contou novamente, ele falou:
- Não disse, tem trezentos!
- É nesse curral temos trezentos votos garantidos!
Lentamente o coronel Regilberto balançava-se na rede de tucum. O capataz saia a trote largo no cavalo. Ia levantando poeira da vereda, com a calça de couro na larga sela, de arção redondo.
O vereador Rui Rosas chegava de Barras e entrando na fazenda via o pai deitado se balançando. O homem se indagou do negócio e o pai principiou a contar o que tinha feito.
Débora o interrompeu:
- Que coisa feia vocês dois estão fazendo?
- Ora, irmã, nossa política é assim!
Além disso, o povo da nossa localidade vai se beneficiar nesse período de estiagem.
O coronel Regilberto, mexendo o café, falou:
- Essa menina veio de Teresina cheia de idéias democráticas.
- Fez bem, meu pai. Vamos vencer essa eleição!
- e o homem é de confiança!
- Sim é o Pedro Peba, homem perigoso. É o homem mais perigoso dessas bandas. Não sei. Dizem o povo que  já furou muitos na faca.
- Bem uns vintes?
- Ou até mais!
O coronel entregava-lhe os títulos dos eleitores da região, imediatamente a filha Débora repreendeu de novo o pai pelo ilícito a democracia. Débora uma recém formada no bacharelado de Ciências Sociais não aprovava os atos indecentes do pai, ato corriqueiro dos coronéis das Barras em época de eleição nos primeiros anos da década de oitenta.
A jovem Débora tinha vinte e quatro anos, e a sua beleza, no pleno desenvolvimento da sua mocidade, tinha em si o condão de fazer morrer de amores os homens da região. Ela era alta e bem proporcionada; tinha uma cabeça modelada pelo tipo de inteligência que todo homem sonhava; a testa era espaçosa e alta, os olhos rasgados e negros, o nariz levemente aquilino e uma boca com lábios carnudos. Quem a contemplava durante alguns momentos sentia que ela tinha todas as energias, a das paixões e a da vontade.
A luta da moça contra as injustiças sociais resultava de uma lembrança que era dolorosa para ela; Débora fora testemunha do massacre que sofreram os trabalhadores nas mãos da polícia de Barras nas terras da Boa Presença. Coronel Regilberto perguntou friamente:
- Que tem a minha filha que não se casa?
Débora já tinha a resposta para o pai
- Não está na hora.
O golpe foi tremendo ao velho coronel Regilberto, não tanto pela certeza que lhe dava de não ser amada, como pela circunstância de nem ao menos ficar-lhe o direito de estima. A confissão de Débora era um corpo de delito. Algumas más línguas do lugar diziam que a moça tendenciada a ser machona.
Quando a moça voltou da casa do tio Roniberto da capital Teresina, a moça achou-se em dolorosa situação; era obrigada a conviver com a separação da prima Letícia, a qual tinha o maior apreço. Pela sua parte, a prima também se achava acanhada, não porque lhe doessem as palavras que dissera um dia da viagem de volta a Barras, mas por causa da separação das duas.
A tia Lourdes soubera da paixão de Débora por Letícia sua filha e soube também da repulsa que tinham dos rapazes. Ela sabia que, pelo motivo de ser não poderem se amar, as moças se aborreciam facilmente. Letícia filha do irmão do coronel Regilberto, o senhor Roniberto, homem muito rico e igualmente excêntrico na capital Teresina, no comércio de couro de animais e palha de carnaúba, a fonte da riqueza. Letícia havia quatro anos cuidando da prima na capital entregue aos cuidados do pai.
Como o pai de Débora fizera muitas viagens pelo interior do Piauí e a mãe trabalhava no hospital Getúlio Vargas, parecia que gestou nela a maior parte da cuidar da prima Débora. Roniberto houve-se como pode na singular situação de pai não achar nada de estranho entre a sobrinha e a filha. Não conversava com a sobrinha; apenas trocava com ela as palavras estritamente necessárias para o bom relacionamento. A moça fazia o mesmo.
Certa noite, depois que chegou da Faculdade, Débora viu a prima e olhou séria para ela, pegou um lenço que pusera sobre o rádio ABC, e saiu sem dizer palavra.
Esta cena mostrou a Roniberto certa dificuldade das duas moças; mas ele confiava nelas, não porque se reconhecesse capaz de grandes energias, mas por espécie de esperança no relacionamento das primas.
- É difícil entender a juventude de hoje, disse ele, mas sabe-se.
Contudo as desilusões com a filha Letícia iam-se sucedendo, e o pai, se a não alentasse a idéia do convívio com a prima, teria abatido as armas.
Um dia lembrou-se de escrever-lhe uma carta para o irmão Regiberto em Barras. Lembrou-se de que era difícil expor-lhe de viva voz tudo quanto sentia; mas que uma carta, por muita notícia que ele lhe tivesse, sempre seria lida.
Lourdes expôs francamente o procedimento de Roniberto desde que ali entrara na casa. O homem ouviu atentamente a mulher, procurou desculpar a filha, mas no fundo ele acreditava que Letícia tinha um mau-caráter herdado pelo lado da esposa.



Romance Terra de Marataoan



CAPÍTULO 27

Rui Rosas levou nas vésperas da eleição um punhado de caboclos para o bar da Rosa Clarice.
Os criativos caboclos da terra de marataoan apelidaram a proprietária do bar da zona do meretrício de a índia da Brega, mas todos a conheciam por Rosa Clarice. O tal bar praticamente no centro de Barras, tão perto que os freqüentadores iam e vinham a pé. Naquele tempo carregar eleitores em caminhão não era proibido. O motorista enchia os carros de santinhos dos candidatos. Muitos eleitores mentiam que  votariam no prefeito Mundico Goma. Depois de deixarem os locais de votação iam a pé até o bar, em pleno meio dia.
Rosa Clarice recebia adiantando que cumpriria a lei eleitoral de não vender bebida alcoólica, mas chamava algumas de suas meninas para fazer companhia.  Tinha um dos eleitores que exímio sanfoneiro via um litro de são João da Barra na prateleira e pedia licença para experimentá-lo. Logo os homens no local contemplavam com uma cerveja, outra e mais outra.
Cervejas primeiras, depois a legislação eleitoral esquecida e o ambiente virava mesmo o bar que era de fato e direito. À noitinha eles arrumavam carona para voltar e tudo nos conformes. A circunstância da eleição de 1982 tornava necessária toda à discrição do prefeito. A transição municipal devia ser lenta. Cumpria ser o ritual no cenário nacional o período de transição da Ditadura Militar, assumia o governo do Estado Hugo Napoleão.
Os eleitores tinham visto que, apesar de certa argúcia da parte de Mundico Goma, não tinha ele a perfeita compreensão das coisas, da tal de “Diretas Já” lá em Brasília, e por outro lado o seu caráter era indeciso e variado. Tempo que o povo do Mocambo felizmente veria feito o tão sonhado asfalto da estrada de Barras para Porto dos Marruás promessas feita pelo candidato vitorioso Hugo Napoleão.
O prefeito hesitara em filiar-se ao PDS com Rui Rosas, quando o vereador lhe falou nisso, que era certo a vitória e eles viriam a obter mais votos do que o opositor Zé de Lauro. Dizia então que não tinha vocação de políticos de esquerda. A situação agora era a mesma; aceitava uma coligação mediante um conclave na prefeitura.
É verdade que se esta solução era contrária à idéia do prefeito, podia ter causa o envolvimento demais de Mundico Goma com a política dos coronéis que lhe ia conduzindo a vitória. Além de que, desta vez, o adversário não se fazia de fraco: era um homem com idéias da esquerda, metido ao recém criado Partido dos Trabalhadores.
- Três mil cruzeiros pensavam o prefeito, é quanto bastava para a coligação. O que não hão de dizer os outros partidos!
Antevendo uma felicidade que era certa para ele, Rui Rosas começou o assédio aos eleitores na praça Santa Luzia na Boa Vista, aliás praça rendida ao curral do prefeito.
Já o homem da Câmara procurava os eleitores, já os encontrando, já lhes pedia aquilo que acusara até então, o voto deles. Quando, à multidão, com as suas mãos se encontravam aplaudindo os candidatos, o prefeito Mundico Goma tinha o cuidado de demorar nos discursos, e se a multidão retirava as  mãos terminado as palmas, o candidato  nem por isso desanimava. Quando se encontrava discursando, fingia ser contra a corrupção, antes dirigia algumas palavras, a que Rui Rosas respondia com fria polidez.
- Quer vender seu voto, eu não compro voto como faz o meu adversário.
Uma vez no comício no Porto do Fio, o candidato Mundico Goma atreveu-se a mais. Disse que Zé de Lauro trocava o voto do povo por um quilo de arroz. Quando o comício terminava, o povo ia trás dele.
- Que lindo! Dizia alguns eleitores.