CAPÍTULO 07
O povo se apinhava ás multidões na praça da matriz. O dinheiro corria nas barracas de confecções da rua Gervásio Pires que empatava o povo andar por ali dividindo o lugar com as mercadorias. As lembranças do menino tampinha lhe serviam de repasto, ele remoia no pensamento as misturas cinza dos bagaços que o tempo cruzou nos seus passos. No alto da igreja, os acólitos davam as derradeiras badaladas no sino.
As crianças na praça da matriz perambulavam aos gritos no corre-corre das brincadeiras do trisca. Os mais velhos nos ritos eclesiásticos com as folhinhas dos cânticos nas mãos entoadas por lábios trêmulos feitos os leques abanados de lá dos bancos de madeira da igreja pelas beatas.
A novena com muita emoção e os coroinhas de joelhos embebiam-se chacoalhando a campainha e absorvendo a fumaça do incenso. O povo usurpando e rindo destinando os cândidos louvores a padroeira das Barras de Marataoan. Quando o relógio anunciava as vinte e duas horas às lâmpadas dos portes do centro piscavam três vezes até faltar por completo. O rugido do motor de óleo diesel sendo ligado perto da barraca do leilão acelerava espargindo fracos focos de luz quase opaca das lâmpadas incandescentes tornando-as baça e triste, a cara afilada das meninas e meninos que queriam se enamorar nos bancos da praça até mais tarde. Uma das vantagens que o prefeito Mundico Goma fizera em toda a administração municipal foi à interligação elétrica a rede de Campo Maior, mas o maior problema estava na constante falta de energia elétrica.
Maria da Conceição num recanto mal iluminado segurava no braço de Tampinha e ele segurando o da irmã menor, o menino meio gordinho, desses roliços, de cabelos crespos e no meio da cara o nariz redondo e os dedos apertando forte a jóia arrematada pela mãe no leilão.
- Vamos, Marcos, caminha menino! Deixa de lerdeza.
- É cedo ainda mãe! A Esperança nem tá com sono!
- Temos que ir logo, sua tia Marieta dorme cedo. Não calcula que já está tarde não. Dizia Conceição,
- E tu não tem medo da puliça não?
- Eu tenho sim! Dizia a menina Esperança.
Ela puxava a mão do menino enquanto andavam apressados no rastro no rastro dentro do passo no passo. Tampinha se encolhia de medo.
- Você acha que eles prendem menino?
- Sim não está ouvindo, menino, é o camburão da puliça que tá passando.
- Fica velhaco no peito de aço não menino! Raiava Esperança para com o irmão.
Tampinha fazia uma cara de choro. E tomando o braço da mãe apressava o passo.
- Vamos indo, mãe. Parece até que daqui eu estou ouvindo os gritos dos meninos que a puliça prende no camburão...
- Eu não te disse, eu te disse! Falava Esperança.
Maria da Conceição ficou olhando pensativamente, afastando-se, graciosa, e feliz, segurando o braço do menino, levados ambos pela mesma passada, e movida por uma só vontade de chegar a casa na rua Gervásio Pires.
A seu lado, o menino disse qualquer coisa. Despertando a cisma, Maria da Conceição voltou-se:
- O que tu falou?
- Perguntei qual o motivo da igreja não ser de frente pra o rio, mãe, a lá de Porto dos Marruás é a mesma padroeira daqui e é de frente pro rio Paraíba...
- Parnaíba, menino! É rio Parnaíba!
- Estou pensando que foi coisa do padre da época...
O menino calou-se e Maria da Conceição riu:
- Quem te disse isso?
O menino torceu o nariz com a mão, e levantou as sobrancelhas dos olhinhos graúdos.
- Oh! A professora leu no livro Morro da Casa Grande.
- Qual professora?
- Aquela mãe, a do grupo lá da entrada do Barro Preto... Ela leu pra mim e pra os outros alunos...
Maria da Conceição riu novamente:
- Eu nunca soube realmente porque foi.
Quando chegarão à casa, Tampinha ficou calado, afastou-se uns passos da mãe, conversando com Crispim que se aproximara e ainda estava acordado brincando com o fogo da vela e pingando a cera nas mãos. Maria da Conceição fitava-os lá da cozinha.
- Quem brinca com fogo mija na rede! Falou a mulher.
- Crispim é verdade que a puliça pega menino...
- Então, tu nunca viu, fica velhaco com o camburão do peito de aço...
O menino interrompeu a conversa com gargalhadas:
- Ora deixe de ser matuto, tu é mesmo do interior!... Essa história de puliça prender menino é conversa fiada, é pra te fazer medo.
- Tu tem certeza... Acho que é mesmo.
O dedo gordo do menino Tampinha coçava os olhos de sono. Ele correu até uma bacia de água lavou os pés, tomou a benção a mãe e deitou na rede. Estranhou a rede nova que a tia lhe trouxe e armou na sala.
- Eu gosto é da minha redinha ensebada.
O primo Crispim antes de deitar foi á cozinha.
- Olhe, tia Conceição o Marquinhos já se deitou. Ele tá reclamando porque a rede é nova.
A mulher deu uns passos em direção a rede do menino e encolheu os ombros.
- Tá tarde Crispim, deixe pra brincar amanhã!
Lembrando da conversa que teve com o primo, tampinha lembrou que os mais velhos dizem cada besteira.