ROMANCE TERRA DE MARATAOAN
CAPÍTULO 09
Quando amanheceu Maria da Conceição riu, olhando para dependurado na parede, o quadro de nossa senhora da Conceição com o menino Jesus nos braços. Chegava de bicicleta na estrada, a prima Maria com as cabaças para encher de água no poço da casa do quitandeiro Flor.
- Mas, Conceição, eu tenho tanta pena da barraquinha de café! Como é que tu vai viver nas Barras?
A voz dolente da prima Maria novamente se erguia de consolações. A mulher levantou-se cedo para acordar o menino tampinha que acordou meio com preguiça.
- É madrugada ainda mãe.
- Quem cedo madruga, Deus ajuda!
Passarinhos desafinados, no mandacaru espinhento do terreiro, cantavam uma canção alegre e repetitiva. A barra do dia foi avermelhando-se no céu. As galinhas começavam a comer uns poucos grãos de milho guardados dentro de um litro de óleo dureino.
A mulher enfiou o corpo numa saia e uma blusa do vereador Rui Rosas e foi cuidar do café. O menino tampinha deitado na rede, sentado, com as mãos pendentes, descansando os pulsos nos joelhos, o pensamento vagando numa confusa visão de boa ventura e fortuna.
- Te levanta tampa ruim! Aproveita e vai lá no poço do senhor Flor com a Maria para encher as cabaças d’água.
Pouco a pouco, porém, com a luz do dia que entrava pelas frestas da janela, foi-se o menino sonolento, ainda, esfregando os olhos, espreguiçando-se em bocejos rasgados. O dia com a máscara sórdida das trapaças da noite anunciava-se com a face torcida e de esquisito aspecto com nevoeiros crispado e feroz circunspecto por todos os lados.
Oculto por detrás do semblante que faz a mente reter, a magnífica beleza que embriaga a alma, os raios do sol jorrando luzes no romper da aurora submetiam-se na tumultuosa luta do defloramento das névoas. Quando passou pela porteira do curral, gritou ao Raimundinho do João Tomaz:
- Cadê meu litro de leite Raimundinho!
O vaqueiro respondeu:
- Ah, sim, Tampinha traz a vasilha...
O dia começava frio, o nevoeiro quase se dissipando. Raimundinho do João Tomaz abriu a porteira e tangeu as reses, que saíram devagarzinho. O homem montado na garupa do cavalo manga larga, o famoso Raio do Norte, saia a galope baixo levantando poeira dos cascos do animal atalhando o gado e levando-os para o riacho. O vaqueiro batia no lombo do animal com o chicote que na teimosia se encolhia todo. Segurando o cabresto, e, voltando-se para o menino com olhar de soslaio, já quase perto do poço:
-Deixei o litro separado em cima da porteira!
Na casa de Tampinha, a chaleira em cima do fogareiro fervia a água para coar o café. O cheiro do cuscuz feito de milho ganhava os ares. O leite doado pelo vaqueiro Raimundinho do João Tomaz levantava na vasilha e derramava pelas beiradas. Maria da Conceição com a trouxa de roupa na cabeça se dirigia a quitanda do senhor Flor para entregá-las goma das.
Na entrada da quitanda de batente alto com três degraus salientes, o cheiro de fumo e cuspida das pingas de cachaça pelo chão batido exalava um cheiro esquisito, um cheiro envelhecido. As bicicletas apoiadas nas cercas outras encostadas na sombra do grande pé de juazeiro com folhas secas, nos fundos do cercado de arame defronte a solta da quitanda com uma foice afiada dos cabras bom de serviço, Zé Lustosa ia pouco a pouco mutilando os pés secos de milhos para levar para forrageira e moer para dar ao gado.
Gritando do outro lado do variante vinha tocando as poucas cabeças de gado, o vaqueiro Raimundinho do João Tomaz. Cavalgando em cima do Raio do Norte, cavalo afamado das vaquejadas da região do santo Antonio, lá em Nossa Senhora dos Remédios, tinha conquistado o último campeonato de vaquejada do Peixe, como conheciam o lugar.
Ele tangia as poucas reses magras, com grandes ossos pontiagudos furando o couro das ancas. Algumas até paravam para comer o capim perto do campo dos meninos jogarem bola e comia debaixo da trave velha do goleiro Bernardo, o pouco oásis de capim espalhado no chão.
Maria da Conceição entrava na casa do quitandeiro. Acertava o dinheiro do gomado com dona Mara Rúbia e falava para a patroa que era rara e alarmante, em janeiro, ainda o senhor Flor lutar com o pouco gado. Raimundinho do João Tomaz apeava na porta do curral. Contava ele ao patrão de longe no cercado sobre mais uma rês que morrera perto do cemitério da entrada da Boca da Mata e a cada dia iria morrer mais se continuasse daquele jeito.
O pasto seco, também a água do riacho da entrada da Boca da Mata secando e cada vez mais fina, no barranco amarelado do barro com uma camada esverdeada não servia mais para o gado. Fechando a última estaca da porteira do curral, Raimundinho gritava ao menino Tampinha que quebrava uns cocos babaçus perto do poço, a fim de comer o gongo para ele tanger a vaca que entrava na outra solta.
- Eh! Tampinha, olha a vaca malhada! Tange ela pra cá!
O menino corria com o cavalo feito de carnaúba e olhava para o animal que se encurralava na cerca de arame que dava para a casa da farinhada.
- Eh vaca. Eh vaca! Vaca veia!
- Largua essa vaca menino! Deixa de caçar a tentação!tu já encheu as cabaças? Dizia a mãe do menino lá da cancela da cozinha.