sexta-feira, 28 de setembro de 2012

NA ESSÊNCIA DA ALMA POÉTICA - 2009 - POESIAS GÓTICAS


INFECÇÃO DO AMAR

Na infecção impura da matéria negra do amar,
Somos patologia descentralizada do coração,
Que na mascara do orgulho é fase da paixão,
No espelho do oculto débil do sentido no gostar,

O amar é eficiente fulgor que exprime elos de vicio,
Em sentimentos de fluxo do sofrer e torna preso,
Os impulsos de emoção na secreção do desprezo,
Fazendo das lágrimas ruínas cadentes de difícil,

Compreensão e de ermos naufrágios da desilusão,
No colapso da separação de amantes escravizados,
Na disfunção dos abalos da magia e consagrado,

Pela dor esquizofrênica regressada no lamento,
Da rebeldia dilacerada pela manipulação e velada,
Na histeria turbulenta do disfarce do firmamento.

VALE A PENA LER DE NOVO
NOVELA BARRENSE
JOGO BAIXO


X
Na prisão

— Depois disso tudo, nós estamos aqui presos: o silêncio da cela antes de você chegar durava horas; a cela escura; agora as horas passam e
nem se ver o horário das três horas. Falou La marque. Antes de ser preso eu disse a Glória que papai a odiava: levantei-me junto dela na sala grande da Fazenda, segurei-lhe as mãos, rasguei seu vestido. Ela voltou à face perto de mim: eu disse com desdém:

—Então Glória satisfeita.

Ela permaneceu com o rosto voltado para Juliana.

— Adeus!

— O que me resta aqui nessa Fazenda?

Eu disse adeus e partir para longe. Talvez, o Pará, então eu posso chorar sem remorso preso aqui. Juliana ainda abraçou-me e beijou-me. Ela deixou o batom dos lábios em meu rosto. Quando ergui a cabeça, eu vi Glória debulhada em lágrimas nos ombros de Juliana.

— Tchau! Tchau!

La marque convidou Caçoleta ao banho de sol. Ambos se levantaram e o soldado Sousa abriu a grade da cela. Caçoleta na verdade chamava-se Lauro tinha cabelos grisalhos, uma tez negra, uma daquelas criaturas reumáticas que a coluna trava e só pode mesmo sentir dor, mas uma dor sem fim. Sempre com a barba por fazer e mãos negras de veias grossas, calejadas pelas intempéries do tempo, da roça, do trabalho duro no interior de Barras.

— Sabe La marque, no nosso caso, há sempre damas para nos levar a perdição.

— É a verdade Caçoleta.

Barras é a cidade do futuro e do progresso. O bar das Estrelas é uma alcova da perdição em pleno centro da terra de marataoan. Helena é uma sacerdotisa do amor. Os homens gostam dela como uma amásia, uma amante de aluguel. É ótimo requisitar o gozo dos serviços amorosos, da convulsão do amor pago, o beijo lascivo por uns minutos.

— Já pensou que ela poderia ter assassinado Samantha.

— Não! Não pensei nisso.

A face daquela mulher na noite que encontrei Samantha morta estava pálida, Helena parecia nervosa. Pelas faces dela, rolavam fios de lágrimas falseados. O céu frio, o frescor das águas da chuva exalava pela biqueira das telhas como suspiro do marataoan em época de cheia. A noite ia bela até encontrar Samantha. Eu caminhava a sós pela rua são José perto de onze e meia da noite.

As luzes dos portes elétricos se apagaram, sabe basta chover em Barras para faltar luz, as ruas para o lado da rodoviária estavam ermas, e o céu com nuvens carregadas. Com o sereno da noite que caia eu vi, mas não tenho certeza se era um vulto de mulher entrando solitária para os fundos do Bar das Estrelas na escuridão.

O que vi estava de branco, acho que seda branca. Encostei-me perto de um porte para urinar. A visão do vulto desapareceu no escuro da rua. Do bar das Estrelas só uma voz melodiosa de Berenice que já adormecia perto da sinuca. Depois a voz de Berenice calou-se e nem viu quando passei perto dela.

Do quarto de Helena apareceu uma fresta de luz pela porta. Parecia espreitar e alguém observava. Não vi ninguém no pátio que divide os quartos das meninas para o salão principal do bar das Estrelas. Eu segui até o quarto de Samantha e você já sabe o que aconteceu. Lembro que naquela noite do céu caía uma chuva com gotas pesadas, gotas que eu sentia nas faces caírem como grossas lágrimas.

Andei por longo tempo pelas ruas alagadas: enfim a polícia me parou: Estava preso. Aqui, ali, eram somente comentários do povo nas esquinas, no mercado. Naquela noite preso não sei se adormeci: sei apenas que quando amanheceu achei-me só nessa cela. Contudo a visão de Samantha pálida, debruçada sobe a cama não foi ilusão. O frio da noite numa cela de cadeia causava-me febre. No meu delírio eu via Samantha passar e passar várias vezes perto da grade da cela. 

Aquela mulher, minha amada parecia gemer em soluços e todo aquele devaneio se perdia quando o cabo Villaça chegou por volta das cinco da manhã e despejou uma balde de água gelada sobre mim...

— Não achas que foi Helena? Perguntou Caçoleta.

— Helena! Exclamou La marque.

— Sim pode ser uma mulher!... Por que não?

— Não pensei nisso...

— O que você teve com Helena?

— Eu nada, já Samantha!

— Elas eram amantes?

— Sim!

Horas depois que voltei do Pará, ainda no terminal rodoviário presenciou minha discussão com Samantha antes delas irem ao salão de cabelos. Eu vi quando Helena chegou os lábios na boca de Samantha cumprimentando-a. Por volta das três e meia da noite, Helena procurou-me por Samantha. Ela foi lá e propôs-lhe uma orgia. Helena deu um último olhar à forma nua e adormecida de Samantha e beijou-a com os seus lábios úmidos, dos gemidos de agonia na voluptuosidade do amor de amantes. Não sei como Helena chegou tão rápido ao bar das Estrelas; sei apenas que ela já estava lá com Samantha antes que eu chegasse.

— Quem sabia dos 30 mil cruzeiros? Interrogou Caçoleta.

— Eu, Samantha e Helena! Disse La marque.

Quando abri a porta do quarto de Samantha, digo que, ignoro que estavam fechadas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora da cama. Quando dei por mim já estava Helena caminhando no escuro. As nuvens corriam negras nos céus barrenses e uma luz de uma lâmpada no pátio
era acessa.

— Com quem estava o dinheiro?

— Eu disse que estava com Samantha!

— Tá na cara que foi Helena!

— Como assim?

— Não vê que ela fez isso pelo dinheiro. Foi ela! Foi ela!

— Será?

A luz sombria da noite os alumiava no aperto da cela, contudo, havia alguma coisa de estranho acontecendo para a sala do delegado. Minutos depois chegava o cabo Villaça com um homem algemado pelas mãos. O cabo deixava-o juntamente com os dois presos.

— Boa noite, senhores! Disse cabo Villaça. Um novo companheiro para vocês! William Pequi, amante da prostituta Berenice!

— Quem é William Pequi? Interrogou La marque.

— Que importa! Disse o militar. Quem pergunta nome de marido de prostituta?

Quando o cabo abriu a grade, ele entrou. O primeiro som que lhe saiu da boca foi um grito de medo na cela escura... Mal o militar fechou a grade, William Pequi bateu nela. Tinha ouvido seus companheiros sentados no fundo da cela. Reclamou para o homem abrir, mas tudo em
vão. Ele fechou a grade com o cadeado e saiu. Meia hora depois William Pequi conversava com os dois companheiros. 

A turvação da escuridão ocultava as faces dos dois homens presos ali. Quando entrou na cela viu os dois vultos sentados na parede e ocultos no fundo da cela, somente denunciados a presença por um cigarro fumado por um deles. Dez minutos foi o tempo que levou o amante de Berenice. William Pequi calado perto da grade da cela até interromper o silêncio e começar a prosear com os dois companheiros.

— Por que está preso William? Perguntou La marque.

— Cai no golpe de uma safada!

Uma mulher me fez ir até o bairro Boa Vista. Derrubei uns tijolos com uma picareta e cavei um buraco na parede do quarto. Tomei então uma
mala nos braços, apertei-a meu peito e olhei-a o que tinha dentro e entendi tudo o que ela queria. Estava cheia de dinheiro. Eu não sou bandido, mas desde que eu conheci aquela mulher coloquei meus pés na cova.

— Helena, o nome dela!

— Como sabe o nome dela? O cabo Villaça contou para vocês!

Um dos companheiros de cela se ergueu do chão com meia voz: O escuro da cela com a claridade da lâmpada no corredor da cadeia pública contrastava-lhe as faces do jovem moço com as rugas da fronte de La marque. Por entre os cabelos prateava-lhe o reflexo da luz da lâmpada incandescente. William Pequi falou: Helena já saiu daqui de Barras; ela foi embora do bar das Estrelas que trabalhava.

— Caçoleta! Tudo que disse foi sensato!

— La marque! Tudo isso não é um sonho!

— Que diabos vocês dois estão dizendo! Não estou entendendo nada! Por Deus? Disse William Pequi.

— Deus! Crer em Deus William Pequi? Perguntou La marque.

— Sim! E nos santos também. Disse.

— Eu também! Disse La marque. Então reze para nossa Senhora da Conceição livrá-lo da cadeia.

— Danou-se! Tudo aquilo que Helena me disse é mentira! Ela fugiu com todo o dinheiro.

— Sim, William! Helena é uma mulher insensível e que domina os homens. Uma mulher da noite, uma mulher insana, falsa e esquiva, que ela mente e embriaga como um beijo de mulher.

— Bem! Muito bem! La marque! Falou Caçoleta.

— Ela roubou-me duas vezes!... Disse La marque.

— Como assim? Perguntou William.

— Roubou-me Samantha e tudo que consegui no garimpo!

Os três homens conversavam entre uma baforada de cigarro e outra.

— O primeiro que ela enganou fui eu. Eu sentia que a mulher me aturava. No começo fiquei temeroso. Helena era amiga de Samantha e inconsequentemente tomou-a nos braços por vinte anos. Tomou seu corpo;

— Uma história medonha, não, William?

quinta-feira, 27 de setembro de 2012


NA ESSÊNCIA DA ALMA POÉTICA - 2009 - POESIAS GÓTICAS

VELHO DIÁRIO

Letras escritas em folhas apagadas da apatia na desilusão,
Que bebem no pus dos versos o sabor na mente do pecado,
Agonizando a morte na vida do orgulho do sangue viciado,
De um fôlego vivente a descrever as magoas na decepção,

Os devaneios é hálito condutor de soluços na difamação,
Da boca a melancolia proferida na tristeza e anunciando,
O viver no passado que escraviza as lembranças da paixão,
De um presente estacionado na alma que deprime torturando,

O espírito delíquio no reino desfalecido da orgânica matéria,
No decompor dos sonhos indefesos e no vomito da fantasia,
A carne pútrida traduz a palavra no amargo da hipocrisia,

E no poema humilhado a transpiração da vaidade tão séria,
Despida no luto impuro das linhas riscadas e tão fecundas,
No prazer do velho diário de dor lançado em água profunda.

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NOVELA BARRENSE
JOGO BAIXO


IX
Morte do vaqueiro

O locutor anunciou o grande vencedor da V grande Vaquejada dos Mimosos. Correu-se por toda a região o nome de Pedro Malta como o vencedor. A última porta abria-se para nosso romance. O vaqueiro empolgou-se com o prêmio da competição. Ele dedicava-se as vaquejadas e fazia uma viagem atrás de outra.

— E não era perigoso? Perguntou Caçoleta.

— Sim, mas quando se ama, o perigo quase inexiste.

Logo, Pedro Malta adoecera. Ele foi retirar o cavalo de dentro da solta para competir e uma cascavel picou o homem, aliás, um dente de cascavel cravado na bota dele, se o dente estava ali e foi intencional ninguém prova. O vaqueiro chegou ao hospital Leônidas Melo já quase sem forças.

— Um de nós teria que dar lugar ao outro.

— E o que Samantha dizia de tudo isso? Interrogou Caçoleta.

— Ela tinha medo, medo de tudo e de todos no lugar.

— E com a morte do Pedro Malta?

— O que teve? Ah! Ela seria minha, sem precisar de um ter que matar o outro.

A notícia da morte dele chegou à Fazenda a meia-noite. Eu estava para ir à cidade.

— Pedro Malta morreu!

O destino foi quem escolheu com a ajuda de um dente da cascavel cravado na bota do homem.

— Agora vamos almoçar Caçoleta, esta estória me deu fome. Disse La marque.

— Espera, tenho mais uma pergunta. O que aconteceu depois disso.

Ajoelhei-me junto ao meu leito para rezar por ele e agradecer a Deus pelo presente. Quanto a minha amante, o seu amor se saciaria só do meu. Eu amava mais ainda a mulher. No velório chegamos a caminhar lado a lado no cortejo.

— E o povo não desconfiava?

— Não. Eu lá queria saber o que o povo iria pensar. Tive uma ideia: era uma boa hora de ajudar uma viúva.
Assim que terminavam o almoço, La marque contou a história do pai Chico Mafagafos.

— Eu não gosto de contar essa história, porque meu pai não é tão inocente.

— Sim, conte a história! Disse Caçoleta.

— Sim: a história é que meu velho pai Chico Mafagafos morreu de tuberculose. Sabe, Caçoleta, um filho desesperado e o que um filho não faria para salvar o seu herói. É certo que um erro não justifica outro, mas é preciso reparar ou amenizar o dano causado... É uma lembrança triste essa que vou revelar, porque é a história de meu pai, o velho Chico e de duas mulheres. 

Chico Mafagafos, um desses velhos coronéis donos de terra aqui em Barras. Recentemente tinha comprado uma casa no bairro Boa Vista para eu e minha irmã Glória estudar na cidade. O velho Chico Mafagafos depois que minha mãe dona Princesinha morreu, ele casou de novo com uma beleza de mulher beirando os dezenove anos. Diziam uns lá da Boa Vista que o casamento da jovem foi por interesse e que o velho não daria conta da beleza da moça.

A pobre moça vivia de servir o velho e era tratada como uma escrava. O fato é que ele a tratava mesmo como escrava. Juliana era a única filha do senhor Romeu com dona Judite. Uma menina linda como uma rosa e loira como um anjo. Senhor Romeu devia a renda de uns hectares de terra plantada quando das últimas roças feitas. Juliana era aprendiz de costureira na fazenda Rio Doce. Ela era linda aos dezoito anos com os cabelos e as faces joviais. 

Depois que mamãe morreu, meu pai Chico Mafagafos cobrou a dívida do senhor Romeu. Chico Mafagafos era um tipo de mancebo que andava sempre pensativo e melancólico depois da morte da esposa. Ele tratou de cobrar a dívida ao homem. Ele não tinha como pagar e ofereceu a filha quase da idade de Glória, minha irmã. Juliana completara dezenove e Glória tinha vinte anos. Mas lá se foi à filha de senhor Romeu no auge dos dezenove anos. 

Com o tempo Juliana passou a amar papai: eu sei que não era um sentir tão puro! Era um sentimento solitário. Como eu o disse: minha única irmã, Glória. Glória sempre foi uma moça pálida, de cabelos castanhos e olhos azulados; sua pele era branca, a face rosada. Juliana a queria como uma irmã, não como madrasta. Seus risos, seus beijos de mulher aos vinte anos, não eram sós de irmã, era algo a mais que Glória queria.

À noite, antes do velho Chico se deitar, Juliana ao passar pelo quarto de Glória para dar boa noite, a lâmpada se apagava e um beijo pousava os lábios de Juliana nas trevas. Muitas noites foram assim, até o velho Chico Mafagafos descobri tudo entre elas. Uma noite — papai fingia dormir — Juliana saiu do quarto deles e foi até o quarto de Glória, quando Juliana entrou no quarto e fechou a porta: deitou-se ao lado da minha irmã e adormeceu nos braços dela.

O fogo dos dezenove anos, a primeira perca virginal da beleza, ainda inocente, o seio seminu de uma moça a bater sobre o de outra mulher, isso tudo... Ao despertar dos sonhos na alta madrugada. Papai enlouqueceu com o que estava acontecendo... Todas as noites Juliana iam ao quarto de Glória. Três meses passaram-se assim. Um dia entrou ele no quarto e disse:

— É isso que vocês fazem!

— É preciso que não conte a ninguém, papai. Disse Glória.

—Calem-se. Há quanto tempo são amantes?

Juliana calou. Glória disse:

— Desde que Juliana chegou aqui!

E caiu em choros e soluços. Chico Mafagafos carregou-a assim frio e fora de si para seu quarto. Que havia de eu fazer? Contar tudo ao povo ou ficar em silêncio? Foi uma loucura para o velho... Ele a mataria e Glória pelo menos seria expulsa de casa. Juliana e Glória não se falaram mais. Papai levantava toda a noite e saia no escuro. Já não dormia por causa da próstata. Eu, contudo não me esquecia do mal que fiz a minha irmã Glória, nem ela se esquecia de mim e do que fiz.

O amor de Glória por ela era o mesmo: quando papai dormia, Juliana e Glória tinham noites de esperança e sede de se amarem. Mas às vezes o sono de papai passava e o encontro delas dissipava-se como névoas. Um dia, ele me confidenciou tudo... Foi horrível. Preferia ver Glória morrer a ser uma amante de outra mulher. Ele já tinha planos para matar Juliana. Não sei o que fiz com papai, mas dei um remédio para curar a tuberculose dele, e minutos depois ele ardia em febre e murmurava palavras desconexas que ninguém podia entender de tão apressadas e confusas.

Entrei no quarto dele: disseram-me que estava muito doente. Papai ergueu a cabeça com a grande barba grisalha, a face úmida de um suor, chamou-me. Sentei-me junto do leito dele. Apertou com força a minha mão em suas mãos frias e ele murmurou nos meus ouvidos:

— Perdoe-me pelo que te fiz!

Deu um último grito, o último suspiro convulsivamente retorcendo-se no leito, lívido, frio, banhado de suor gelado, e arquejou. Dois meses se passou até Glória me arrumar o dinheiro para viajar ao Pará. Eu parecia endoidecido antes de ver papai morrer. Quando voltei fui preso. Aqui estou. Mas sei que todas as noites elas se fecham no quarto onde papai morreu. Juliana e Glória passam longas horas e no silêncio arfam-se com ânsia, afogando-se em gemidos de um amor proibido. Porém, sei que o alvará de soltura será despachado na próxima semana. Serei homem livre.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


NA ESSÊNCIA DA ALMA POÉTICA - 2009 - POESIAS GÓTICAS

DEBULHANDO IRONIAS

Aquela que debulha o rosário ocultando pensamentos,
Viaja na ignorância fecundando ilusórios estados,
Feito poeira no deserto bailando na dança do vento,
Em busca da luz no cárcere da treva, igual desgraçado,

Espalhando semens errantes e da boca risos de ironia,
Sentimento no saber de óvulos lascivos germinando,
Num espetáculo fugitivo do luto vaidoso e humilhando,
Venenos vermes malditos no furor triste da alegria,

A igreja seu cativeiro impuro na curva tão repentina,
Exalam de seus lábios frases de carniça no transpirar,
E em seu perfume da mente o fedor de uma sentina,

Tão escasso e vazio no coração as larvas da latrina,
Feito baile de moscas ressoando lindos cantos no ar,
Tão nefasta de náuseas na substância de uma libertina.

terça-feira, 25 de setembro de 2012


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NOVELA BARRENSE
JOGO BAIXO


VIII

Retorno á Barras

Quando retornei para Barras trazia a quantia de 30 mil cruzeiros e somente Samantha sabia disso, aliás ela e Helena. A riqueza que eu trouxe do garimpo, uma maldição que se anunciou no instante que cheguei ao terminal Toinho Carvalho e resolvi procurar por Samantha. Eu vinha para junto dos outros irmãos com o objetivo de vender a pouca herança deixada pelo velho meu pai. O crime que se sucedeu e que sou acusado começou por uma questão de amor. Na fazenda Rio Doce, o murmúrio que correu pelo povo do lugar foi que eu nunca viria buscar Samantha e a tinha deixado para trás.

Quando antes de viajar para o Pará, eu amei a mulher desde a primeira vez que vieram morar nas terras de meu pai. Ela um anjo negro quando usava lindos vestidos de cetim, em especial um escuro. Com um rosto vivo, um olhar ardente e penetrante entre os enormes cílios que enfeitavam o rosto, revelava uma Ísis egípcia de todo aquele mundo de terras interioranas. De cara, eu desejei o anjo negro de mulher. Samantha de uma beleza incomparável a nenhuma outra mulher da Fazenda. Ela uma mulher linda da cor da pele aos longos cabelos negros. Uma mulher de pele branca, com os olhos castanhos claros no rosto de faces coradas. 

Quando certo dia ao cair da noite perto do riacho da entrada da Boca da Mata, eu senti o fogo do nácar dos lábios finos dela nos meus, eu vi que mergulhara no paraíso da perdição de um homem.

— A paixão começou por um beijo? Perguntou Caçoleta rindo da estória, enquanto acendia outro cigarro Hollywood.

— Ri, pode ri Caçoleta! Mas daqueles lábios de Samantha nasceu verdadeiramente o amor.

Sob as águas gotejantes da chuva naquela noite de 13 de janeiro, no bar das Estrelas, alguém cometeu o maior dos atos insanos da humanidade. Nunca imaginei que o anjo negro de pele branca desbotou-se em sangue quando entrei no quarto e me deparei com a fatalidade que fez do meu amor por Samantha, uma infâmia e um crime.

— Você é inocente homem! Disse Caçoleta.

— Quem acredita em mim? Quem acredita em mim? Perguntava-se La marque.

— Eu acredito! Disse rispidamente Caçoleta.

— Para a justiça um cento de palavras sonoras e vãs que um pugilo de homem, assim pálido como eu, me entende, mesmo que eu tivesse uma escada de sons e vocábulos não convenceria ninguém da minha inocência.

O relógio marcava meia noite. O escuro da cela deixava nas duas almas, uma louca insônia. O silêncio do local clareava as idéias e lhes despertavam as ilusões. Com nuvens pesadas e escuras subindo aos céus barrenses pela janela que penetrava gotículas de águas no local exortando as sombras dos dois fantasmas no escuro da cela. La marque meio sonolento ensaiava os últimos trechos do romance narrado, com alto teor de delírio, paixão de uma estória incerta e vaga dominada por Morfeu.

— La marque! Sussurrou Caçoleta.

O cérebro do homem mergulhara no sono como o marataoan com as águas em repouso. Enfim, os dois dormiram depois da longa noite em claro contando as divagações da vida. Pela manhã o banho morno das nuvens brancas pairando com os raios do sol despertavam-nos. O chão da cela ainda fria de uma madrugada gélida que o calor do sol aquecia com a morte da noite no novo dia.

— Bom dia, Caçoleta! Não conte a ninguém o que te disse, entende.

Podem ser apenas palavras, são palavras e mais palavras. Os raios do sol subindo no horizonte dos ares barrense irisavam de mil cores o pavilhão dos céus da terra de marataoan com nuvens fada, outras nevoentas do período invernoso.

— Que história! Que história! La marque.

— Pois bem, Caçoleta, eu te contarei o resto da história. No fim desse dia eu tenho terminado com toda a história.

No dia que cheguei do Pará eu a vi: disse-me que estaria no salão arrumando os cabelos para arrasar na noite no bar das Estrelas. Helena estava com ela. Não sei o que Samantha disse a Helena, não sei o que Helena ouviu, nem o que viu; sei só que conversaram alguma coisa sobre mim que eu não entendi, aliás, entendi tudo antes de se realizar o que planejavam. Cheguei depois das quatro horas, vi a lâmpada do quarto dela acender denunciando receber cliente... Depois...

Depois você já sabe o que aconteceu. É longo amigo esses cinco anos preso inocentemente! Sessenta meses de agonia e desejo anelante por justiça, sessenta meses de terror com a sede da justiça! Sessenta meses! Tempo longo que se arrasta lentamente! Quando entrei no quarto, achei que era demais Samantha já deitada esperando-me. Fiquei um tempo a contemplar, feliz em vê-la depois de anos no garimpo. Eu queria muito amá-la e sonhava com o momento: apertei suas mãos jurando que viria lhe buscar, o que eu não esperava era saber que tudo foi em vão e que a minha amada não vivia e que eu viveria sem ela para sempre. 

Naquela noite tudo dormia no bar das Estrelas. Dona Marieta, cansada do trabalho diário roncava lá para os fundos. A meretriz Berenice adormecia nas cadeiras perto da mesa da sinuca. Lindalva de dentro do quarto acendia uma lâmpada incandescente com uma luz clara no rosto molhado e pálido de um cliente que usava dos serviços amorosos. Um barulho vindo do quarto de Samantha agitou-se: na escuridão do pátio com os pingos da chuva que despencava dos céus e o nevoeiro que não dava para ver quase nada a dez metros, assim que eu caminhava para o quarto de Samantha senti a presença de alguém parado, absorto na escuridão.

O meu medo ou fraqueza foi covarde: e demais, quando esse homem abriu a chave do quarto e encontrei Samantha morta, a infâmia foi mortal. Esse homem jurava que naquela noite depois de muitos anos atrás gozaria novamente daquela mulher. Peguei e retirei o punhal que a feriu. Quando pedi socorro a primeira que chegou foi Helena e me viu com o punhal nas mãos. Dentro do quarto havia um copo e um litro de vinho pela metade.

Um copo pelo meio. Chegou-se Helena e dona Marieta, ergueu-a da cama com o vestido negro ensangüentado e desataram às sandálias dos pés, os cabelos soltos ainda molhados da chuva que caia lá fora, seus seios meio nus, dei-lhe um beijo. Eu fiquei de joelhos chorando muito, minhas mãos tremia e o semblante pálido após a longa noite. Tudo parecia acusar-me em torno do assassinato... Ela estava seminua: nem vestida, nem despida, só os longos cabelos que encobria o rosto angelical. Dona Marieta ergueu-me, afastou-se de mim e chamou a polícia. 

A lâmpada incandescente do quarto brilhou com mais força e apagou-se depois de um relâmpago que furtou a energia elétrica... Barras sempre foi assim, basta anunciar chuva no nascente, a energia elétrica apaga. Quando me levantei, peguei o guarda chuva e sai pela rua ainda chovendo muito. Queria ir até o hospital, mas estava ensandecido. Eu titubeava e o chão molhado era lúbrico para quem enlouquece de amor. Uma idéia, contudo me perseguia quem matara Samantha. Depois daquela mulher nada fazia mais sentido para mim. Quem ama uma vez nunca se inebria do amor por outra pessoa... O momento sugeria talvez, um suicídio como solução.

— Porque o suicídio? Perguntou Caçoleta.

— Olha Caçoleta, cinco anos passa-se assim: todas as noites preso nessa cela, eu sofria sem os lábios de Samantha. Um ano, dois anos preso e eu delirante por notícias sobre quem cometera o crime e eu sendo o principal suspeito. O suicídio seria ou não seria a solução? São noites e noites aqui nessa cela vendo entrar o frio da noite e a febre por justiça adormecendo quente, como faces de um fogo num jogo sem tabuleiro... um jogo de damas sem damas... sem jogadores.... Aconteceu um encontro que considero muito especial com Samantha.

Foi quando numa noite — uma festa junina com quadrilhas e boi lá para os Mimosos — eu esperei Samantha no local perto do curral da Fazenda Araçá. Eu estava escondido atrás do mourão da porteira. Quando a mulher vinha a meu encontro, com um copo cheio de cerveja. Ela ainda estava casada. Antes de ela oferecer o copo com cerveja, eu passei-lhe as mãos pelo rosto e dei-lhe um beijo. Eu tive sede, peguei o copo de Samantha e bebi alguns goles; ela tomou-lhe o copo, bebeu o resto. A mulher não poderia demorar muito. Samantha e Pedro Malta voltariam para a casinha de palha depois da Fazenda assim que a festa encerrasse. Eu os via assim: o esposo da mulher não era tão moço, mas ela, ela uma mulher tão bela.

— Um relacionamento proibido? Perguntou Caçoleta.

— Sim!

Tudo começou por um beijo. O beijo aconteceu inesperadamente e afogou nossas almas, depois da queda do cavalo manga larga no primeiro dia em que a vi. O que aconteceu... Foi que sonhei e muito com ela. Eles
eram pobres, um casal humilde, sem filhos, eu idealizei um dia para Pedro Malta que participasse da vaquejada nos Mimosos. Na minha visão, o amor podia ser vendido, dado, oferecido. O vaqueiro Pedro Malta rumou para a V grande Vaquejada dos Mimosos e Samantha ficou sozinha em casa. Quando assim que as últimas réstias de sol desparecerão no poente do Mocambo, eu rumei para a casa dos fundos da Fazenda. Samantha com os seios níveos e veiados de azul, os lábios trêmulos de desejo, e os longos cabelos negros penteados, foi quando nossos lábios arquejantes e o corpo palpitante na languidez do desalinho de amantes apaixonados.

Samantha tinha um corpo de beleza que se enchia de mais beleza, como uma rosa aberta ao sereno do orvalho das manhãs barrenses. O desejo era fortíssimo. Os lábios febris se abriam lânguidos, caindo um sob
o outro e as pálpebras fechando-se, nossos abraços apertando-se com força. Quando da sala íamos para a cama, eu carregando-a com suas roupas íntimas, suas formas arredondadas, os cabelos soltos úmidos de perfume e seus seios quentes. O amor consumou-se no prazer de dois corpos entregues ao delírio de amantes.

NA ESSÊNCIA DA ALMA POÉTICA -2009 - POESIAS GÓTICAS



INDECENTES AMANTES

Na pele as marcas de escoriações das tuas mãos,
Que se enroscavam deslizando cheias de desejo impuro,
Nas sombras de delírios e indecência de malicias, que juro,
Deturpam a luz que brilha nossos corpos em ação,

As curvas íngremes do teu ventre são o mesmo que sente,
O coração aflito e palpitante correndo no peito tremendo,
E os olhos feitos trilho deslizando pela tua face e não entendo,
Nossos lábios se enroscando em ardente apego e contente,

A boca saindo palavras ásperas que excita no ar a poeira,
No lodo do ato absurdo que oculta gemidos em delírios,
Dos lábios insaciáveis pelo beijo feito linda cachoeira,

Dos seios tentações assediados no olhares visionários e vis,
De uma visão indecente das pálpebras imunda e tão ligeira,
Numa magia de corpos tão fecundo feito á flor de lis.



VALE A PENA LER DE NOVO
NOVELA BARRENSE
JOGO BAIXO

VII

O sol áureo do norte

O sol dourado erguia a face desbotada, como uma meretriz cansada de uma noite de devassidão e orgias. O céu azul dentro do garimpo parecia zombar dos homens afundados na lama amarelada ao mercúrio e lutando naquelas horas de agonia, pelo ouro, pela liberdade, pela riqueza... De repente senti-me só, senti-me grande, senti-me único. Uma onda de lama me arrebatara cheia de pedras e por entre as pedras a liberdade. 



Eu vi boiar dourado por entre as pedras assim que a escuma das águas desciam, uma pepita de ouro lançado na peneira... Quantos anos, quantos meses passei naquela Sodoma e Gomorra nem eu sei... Quando encontrei o ouro, o que era para ser liberdade, virou um pesadelo, pois o homem era esperto demais e queria setenta por cento do valor.



— É um absurdo senhor Raimundo Dias.



— Ah! Gritou. Que tem? Tá achando alto filho?



A voz de escárnio dele me abafava, causava-me ojeriza. Eloá disse-me que eu estava ali pendente à morte se não fosse embora de lá. Duas opções de morte. Eu tinha que escolher entre a por suicídio ou ser assassinado por ele. Matar o dono do garimpo era impossível. Ele no auge dos cinqüenta e cinco anos ainda era robusto, a sua estatura alta, seus braços musculosos quebrar-me-iam e arrebentaria todo, além de ter muitos capatazes. Demais, ele só andava armado com uma pistola sete meia cinco de dezesseis tiros e dois carregadores lotados de cartuchos.



Raimundo Dias levou-me para dentro da floresta perto de onde seria explorado outro garimpo, com o objetivo de arrendar-me o local para exploração futura. Lá de cima do precipício de barro avermelhado, ele atirou-me covardemente á queima roupa. Cai no abismo profundo de uns dez metros mato adentro: tudo era negro, o vento gemia lá embaixo nos ramos desnudos dos castanhais ressequidos e a corrente de água de um riacho arrastou-me lá para o fundo só parando meu corpo perto de umas pedras. Eu tive medo, mas tinha Deus nas orações.  O tiro iria entrar no corpo como um espeto quente dilacerando a carne se não fosse à medalhinha de nossa senhora da Conceição dada por Samantha antes de eu partir.



— Estou pronto, disse.



Raimundo Dias com cinco capatazes riam dos lábios estalados de ganância. Só ouvi aquele riso... Depois foi uma vertigem… o ar que sufocava como um peso que me adormeceu, como naquelas anestesias gerais que se cai no sono profundo e se fica somente escutando as vozes das pessoas de longe, mas os olhos pesam, o corpo fraquejado, frio, inerte... Era horrível: ramo a ramo, folha por folha os arbustos me estalavam nas mãos, as raízes secas que saiam pelo despenhadeiro estalavam sobre meu peso e meu peito sangrava. A queda foi muito rápida… De repente não senti mais nada…



Quando acordei estava junto a uma cabana de índios Taparás que me tinham apanhado junto da corrente de água do rio preso a um tronco de castanheira que flutuava pelo rio Araguaia. Era depois de dois dias e uma noite de delírios que eu acordava. Logo que sarei do ferimento, uma ideia me veio: ir ter com o dono do garimpo. Ao ver-me salvo assim daquela morte horrível, pode ser que eu me vingasse. Parti para a vingança. A ideia de vingança por ele querer matar-me, por ele ter rido à minha agonia e eu havia de ir chorar-lhe ainda aos pés para ele repelir-me ainda, cuspir-lhe nas faces, e realizar a vingança de uma forma mais segura... Eu humilhado, mas não abatido!



Os cabelos arrepiavam-me na cabeça, e o suor frio rolava pelo rosto. Quando cheguei ao rancho tudo estava desmanchado e deserto, exceto por uma mulher com a face na mesa, e os cabelos caídos. Ergui os cabelos da mulher, levantei-lhe a cabeça...



— Uma meretriz!... Um cadáver de mulher, já desbotada pela podridão, pelas moscas assentando.



Raimundo Dias morto também estava apodrecido com um tiro no peito. Eu o vi da boca lhe corria uma escuma avermelhada, possivelmente bebera mercúrio utilizado no garimpo.



— Boa noite, La marque... Eu esperava por você há muito tempo.



Essa voz pareceu-me conhecida. Porém eu tinha a cabeça desvairada... Não respondi: o caso era singular. Continuei a caminhar pela floresta procurando uma saída do local. O vulto acompanhou-me. Quando cheguei mais um pouco a frente vi estrondar um tiro para o alto. O sinal para parar. Era um homem que me conhecia. Porventura ainda estamos vivos, ele dizia. O homem na verdade parecia ser conhecido. Meio baixo, fala mansa, ele não se identificou. Pelas atitudes teria sido o desconhecido quem matou todos no acampamento. O homem, uma espécie de moreno com franjas lisas, meio baixas e tinha mãos ágeis com um revólver. O cabelo longo e assanhado e os olhos ardente e de um olhar castanho penetrante, tomou-me pelas mãos... Senti-lhe as mãos úmidas de sangue... Do peito esquerdo saia muito sangue.



— Sangue!



O homem sacudiu os longos cabelos negros e riu-se. Sentamos em um tronco de castanheira. Eu iria buscar ajuda, e deixá-lo deitado ao chão. Procurei um lugar para deitá-lo, da boca um líquido espesso e meio coagulado.



— La marque, olhe no meu bolso esquerdo da calça.



— Meu Deus! A pepita de ouro está com você!



Foi uma vida insana naquele garimpo. Conheci o homem, na verdade uma mulher. Era Eloá. Eloá se vestira de homem e devolveu-me minha riqueza, minha liberdade, hoje minha prisão. Eloá partiu. Partiu. Mas a lembrança ficou como o fantasma de um anjo na minha mente fatigada. Depois dessa mulher a única saciedade era Samantha. De repente vindo pelo corredor da cadeia pública, um militar bastante apressado.



— La marque! Chamou o tenente Cláudio.



— Sim!



— Você é um homem livre! O juiz da comarca de Barras concedeu o alvará de soltura.



Há uma justiça que nunca falha. A justiça de Deus. Há uma justiça que julga o inocente e solta o acusado. Poderá haver dois erros. Um erro justifica outro. Poderá você ter-se convencido da inocência de La marque ou da culpabilidade dele. Muitos erram. Todos tentam consertá-los, porém poucos conseguem. Ás vezes usa-se o jogo baixo.