quinta-feira, 10 de janeiro de 2013


CONTO II

Cantilena melancólica


Depois de anos nas ruas da capital piauiense, sabe-se que não se pode trabalhar sem a ajuda dos companheiros, em especial, alguém atento no serviço e isto pode salvar sua vida. Naquela triste cantilena noturna, esse fato estava para ser comprovado. 

Descia dos céus da capital Teresina numa noite fria do mês de janeiro, gota por gota de chuva.  E as gotas eram assim, gotas de encher a paciência. Deixa que se estivesse deitado numa rede era como pingo por pingo a cair dentro de uma bacia. É certo que causa uma raiva danada, uma impaciência. 

Todos os dias na ronda pelas avenidas da cidade verde é que como policiais nos deparamos constantemente desde as pequenas ás grandes mazelas sociais que degeneram de toda a sorte, a vida de pessoas que lutam para ganhar o pão de cada dia.  Desde a uma simples briga de casal até uma reintegração de posse daqueles terrenos especulados pelo setor imobiliário teresinense. Nessas ocorrências é que vemos a arrogância dos grandes latifundiários urbanos e o ódio do povo contra a polícia.

Era janeiro de 2005, as gotas que caiam do suspenso firmamento, mais pareciam lágrimas triste de uma cantilena melancólica. O rádio da viatura a copiar todas as ocorrências, ou melhor, nenhuma ocorrência em especial. O Troca Troca com alguns homens fumando, outros precavidos dos pingos da chuva e alguns homossexuais que vinham da praça da Cepisa. 

Seria o segundo serviço, depois do tão massacrante curso de Patrulhamento de Alto Risco e ações Táticas. Enquanto, muitos no natal e ano novo revigoravam-se no seio familiar, os homens do camuflado ralavam nas instruções militares de incursões noturnas, táticas e estratégias de guerra e muito Charles Michael nas corridinhas mixurucas. 

Fazer parte das operações especiais é o sonho de muitos, porém poucos têm coragem de entregar suas almas e corpos para o sacrifício. Depois de vestir o manto camuflado, aí sim tem suas regalias, uma vida entregue totalmente a briosa. Primeiro somos um corpo só e cada companheiro, um irmão para toda eternidade.

Depois de um ralado curso, ministrados pelos homens de preto, os faca na caveira, e de exaustivas e longas marchas a pé por estradas de barro, pela BR 343 e matos da região, de fuzis nas mãos, além das malditas instruções pela madrugada adentro, o prêmio de todo o esforço, compensava-se nos malfadados bancos rasgado das péssimas viaturas, dos poucos coletes amarelados de suor, dos contados cartuchos que o governo destina aos Batalhões de polícia.  

Com a chuva, depois de cair aos prantos durante o começo da noite, a viatura com o aquecedor quebrado, o frio da noite arrepiava os pelos do braço e o porta malas da NERO 08, o território perfeito das muriçocas. O frio da madrugada a entrar pela janela da viatura era como a sensação de uma lâmina cortante.

Distanciamos do centro da cidade, depois de rodearmos pela praça da bandeira. Tudo quieto, na noite silenciosa de uma segunda-feira, até o Copom sem sinal de vida no rádio, tudo calado, nada de ocorrências, exceto a da favela Pantanal e o tiroteio com dois dos maiores traficantes da zona Norte e só a chiadeira do rádio comunicador. 

O barulho dos pneus a deslizar o asfalto morno da avenida Maranhão e de vez enquanto, a passar por uma poça de lama, dos muitos buracos da avenida. A NERO 08 entrava taciturna e sorrateiramente nas vielas de uma favela perto do centro administrativo, o coração do governo estadual. 

O pessoal da PM convencional dificilmente entraria sozinhos na favela, sem levar chumbo dos traficantes da área. O fuzil, a carabina e no coldre uma .40 Imbel, fieis companheiros e ardilosos cartões de visita dos homens do camuflado a marginalidade. O primeiro que afrontasse o Estado personificado, ouviria a espoleta rachar, poderia ser mandado para baixo, para o vale de Hades e ser companheiro eterno de Morfeu.

Nas horas mortas da noite, um grupo de vagabundos reimosos para a sociedade, entre eles, duas mulheres, umas prostitutas de beira de esquina, daquelas que trazem um menu de doenças venéreas na testa, a fazer seus baseados, de cujas fumaças ao longe pareciam mais caeira da velha Maria Luzia no mocambo. 

Via-se de longe, toda a ação. Deixando a viatura com o 02, a incursão seria no ponta a ponta até os infelizes. Uns dos três infelizes levantou-se surpreso, intimidado com a ameaça dos fuzis na face. 

- Somos bandidos não, senhor! aqui só tem cidadão!

Acredito que se fosse noutro horário haveria resistência ao cumprimento do artigo 240 do CPP. 

- Somos cidadãos, senhor! Dizia um mais exaltado e resistente. 

Este ainda argumentou que era estudante de Direito e filho de juiz de Direito na capital, mas para os homens do camuflado, os adereços dele ter nascido numa familiar de alta sociedade não interessavam frente ao interesse prevalecente do coletivo, da sociedade. Poderia ser filho do cão, aquela hora, naquele lugar. 

Era o mais alto, meio bombado do tipo que as academias prometem milagres em poucos meses, daqueles playboys da zona Leste, filho de burgueses empresários opressores do povo e lutador de jiu jitsu da capital, que pensa que pelo tamanho pode afrontar os representantes do Estado. 

Ele tentou oferecer uma resistência ao ser abordado, mas não foi preciso ser mais enérgico com ele, entendeu o que a Força Pública pedia, ou melhor, mandava. Com certeza não queria ser tatuado no meio do lombo, acima das vértebras lombares, o nome PM escrito na tonfa. 

Os outros devidamente disciplinados, já sabiam o que deviam fazer, encostavam-se de frente á parede e mãos estendidas. Um chegou a levantar-se devagar do chão, talvez receando com dúvidas. O cérebro pareciam não comandar o resto do corpo, de tanta maconha no bulbo. Enquanto, efetuava-se a revista, uma das prostitutas soltava uma cantada ao 01, depois que a pfem terminou o procedimento com ela.  

Aquilo pareceu mexer com o narcisismo do homem, pois o mesmo vinha de uma separação e o processo corria na justiça, mas aquilo se tinha todo dia, devia ser por causa da farda e era. O 01 manteve a compostura e despertou no momento da canção da sereia.

Quando numa das vielas escuras da favela, um estampido seco de tiro ecoou no silêncio da noite e não foi de nossos fuzis ou pistolas. E sim de um disparo efetuado por um elemento embriagado que vinha da outra ruazinha, naquela ocasião parecia procurar uma atitude de nossos armamentos, mas não foi preciso, se bem que as pistolas gostariam de vomitar munição. 

Só se viu foi o 03 preparado e antecipando-se, ao fato e a fazer o elemento deitar no chão, de preferência de cabeça defronte ao chão molhado. É nessa hora que precisamos de um bom companheiro de serviço. Nem se ouviu mais o descontentamento dos vagabundos por serem importunados pelo Estado, seus semblantes, esfriou. 

Não tem limites para a malandragem que se faz refém do próprio vício da droga, uma vez que experimentou o entorpecente, vira refém. Encontrado o revolver com o elemento, os outros nada de droga, exceto o que consumiram, pois já tinham consumido tudo, a reunião foi desfeita e para manter a ordem pública, cada um dos viciados dar nas canelas, botar o esqueleto para correr destino. 

A ronda tranquila acabava de ganhar contornos de uma adrenalina que ainda durariam horas. O destino da NERO 08, a central de flagrante na vila Maria, zona Leste. A hora de cada um é a hora de cada um. O vagabundo dentro do camburão estrebuchando e embriagado, ás brigas com as muriçocas. 

Que diferença fazia para ele? Ele sabia que bastava contratar um desses porta de cadeia e no outro dia estaria de voltar a tocar o terror nas ruas da capital. Quando o camburão da NERO 08 abriu-se, o agente de plantão deu uma sacudida, mas sabe aquela velha sacudida que de uma vez só faz o sangue correr pelo corpo, não era tarefa nossa assistir aquilo, mas o pessoal da civil estavam no sossego, aquilo foi mais como uma punição extra oficial contra o elemento, de uma vez só o álcool no corpo do homem dava lugar a lucidez. 

O comandante fez todo o procedimento e a NERO 08 voltaria a garantir a paz pública do cidadão. Todo mundo sabe que a PM é o braço forte do Estado, é uma espécie de instrumento de limpeza da sociedade. O capitão, o 01 enxergava em minutos alguém com fundadas suspeitas, só pelo andar do elemento que sempre caminha a abanar a bunda. 

Nas ruas da zona Leste é bem mais diferente do que nas outras ruas e partes de Teresina. Edifícios e mansões ostentam o padrão de vida daquela gente. O olhar do oficial ao ver um elemento que fica rodeando como um espírito perdido por perto de uma churrascaria ou ponto de diversão feito alma penada, num eterno vai e revai, vai e vem, tem alguma coisa de errado. 

Muitos ignoram o som da viatura, das luzes do giroflex, acham que o silêncio da viatura espantam os infratores da lei, ledo engano, o serviço operacional da PM é prevenir que o crime não aconteça, ostensividade e é por isso que nossa viatura são caracterizadas e andamos fardados.

No caminho da NERO 08, depois de um silêncio importante do Copom, só que nesta feita perto de um terreno cheio de matos, um elemento com o fruto de um assalto, ele tentava se esconder. É certa, a zona tem o maior número de assaltos e para sonhar com uma promoção, o comandante do Batalhão da área tem uma grande oportunidade de chegar ao comando geral se desenvolver um ótimo trabalho. 

Talvez, é por isso que é uma das zonas mais policiada de Teresina e uma das zonas mais privilegiada da grande capital Teresina. Zona nobre como chamam alguns, que de nobre não tem nada, exceto o grande conglomerado de edifício em torno dos bairros como Fátima, Jockey, Horto Florestal e Ininga circundados por um bolsão de miséria, favelas e caos social. Para uns são, os dono do mundo e assim arrotam suas arrogâncias e prepotências.

Quando a viatura empreendeu velocidade na avenida Kennedy vindo da vila Maria e dobrou pela Dom Severino, o Copom repassou a ocorrência do assalto. A língua do comandante da viatura sendo mordida de lado representava bem o que poderia ser. O pé no coturno inquieto se via e se ouvia o barulho dos estalos dos dedos, naquele inquieto inconformismo. 

No pensamento dele, o que podia se esperar de um elemento com uma arma nas mãos. Nossos corações se aceleram, por mais controle emocional que somos treinados, mas somos humanos com sensações e medos, um filme então se passa na mente. O homem de baixa estatura, branco, calção vermelho e camisa do Vasco da gama que dentro do mato podia ser rasgado pelas unhas de gato. 

Assim que avistou a viatura, embrenhou-se no mato. A equipe desembarcou e  depois das instruções, todos calado e despachado, saímos na procura. A busca foi pouca e o homem entregou-se, porém escondeu a arma no mato. Sempre digo, esses elementos de ponta de rua, pensa que os homens do camuflado são bestas e por outro lado acham que somos os convencionais de batalhão de área, ledo engano, bastou uns conselhos de ensino para ele entregar o produto do roubo e a arma, um três oitão todo enferrujado e com três cartuchos, inclusive um deflagrado. 

O elemento deu um trabalho danado, porém da salve Rainha ao ato de contrição, ele mais pareciam um sacerdote de tão bom que ficou. É nessas horas que o cabra valente sem o três oitão nas mãos fica frouxo. E olhe que quando a NERO 08 entra numa favela ou num bairro qualquer, só pelo camuflado da viatura muito cabra corre de longe. O infeliz dizia que tinha mulher e filho, gemia como um coitado. 

O que é que se vai fazer? Necessidade não é motivo para roubar ninguém, e olhe que ele dizia que tinha parente das costas quente, das costa largas.

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