PELOS OLHOS DA MINHA RUA, AS BRUMAS PLÁCIDAS
A
bela cidade de Barras despedia-se assustada e majestosa do verão ao sentir que
cairia os primeiros pingos da água da chuva no entardecer. A cidade dos poetas
e intelectuais recolhia-se bem inclinada, rente e vagarosa, feito as ondas do
rio Marataoan que corria numa correnteza muito tímida e macilenta.

A
correnteza do rio lançava uma onda mais forte num generoso suicídio contra as
pedras das lavadoras de roupas e, as gotas espalhavam-se, depois do poético e
rimado sacrifício, elas lambiam a areia da ilha do amor que sentia a sensação
de estar viva. O Marataoan com ondas encrespadas balançava e roncava ondulante
batendo contra as pedras das lavadoras de roupas no ritmo intermitente das
águas. Os pescadores e mulheres que lavavam roupas na beira rio pareciam serem
acelerados pelos ventos alísios do início do inverno.
Apressavam-se para guardar e apanhar as roupas estendidas e
protegerem-se da chuva. O vento enfunava a canoa do pescador que sangrava o Marataoan
rumo a Porto do fio no fim de tarde já com o céu nublado. O pobre pescador
fingia resistir às irresistíveis correntezas das ondas do rio. Ele fazia um
sacrifício tremendo que exalava cada vez mais um suor nas mangas das camisas, o
que parecia um esforço solene para não parar de remar.
O
pescador preocupado com o vento e o volume das águas se enchia com determinação
e leveza sobre a superfície espelhada das águas translúcidas do Marataoan.
Barras sob o invólucro do fim do espetáculo do crepúsculo exaltavam-se da
glória episcopal da linda imagem produzida pelas águas plácidas do rio.
A
terra dos governadores enchia-se de orgulho e dava alegria a seus moradores que
ficavam inertes na beira do rio para assistir a transição do verão para o
inverno. Atrás das lavadoras de roupas agigantava-se a imensa sombra cinzenta e
o vento entrecortado varria as folhas secas e desfolhava os pés de carnaúba e
de vez enquanto levantava sacolas plásticas e papéis pela rua da tripa no
redemoinho dos ventos.
O
céu nublado no nascente antecedia a despedida das últimas réstias de luz do sol
que atravessavam as nuvens carregadas no céu do lado da Boa Vista para as
Pedrinhas. Nuvens tão lentas e pesadas conduzindo para o fim do verão e
mergulhava Barras nas brumas do inverno. As narinas dos moradores que passavam pelo
balão da Zuleide absorviam com prazer o odor da umidade dos primeiros pingos da
chuva caindo no asfalto da avenida São José e exalado na poeira da ruas de paralelepípedos,
a Valter Miranda.
Com o firmamento sendo dilacerada
pelos relâmpagos, Barras contorcia-se toda, ora vasta sob a luz forte e
irradiante do sol com seus trinta e nove graus, ora se contraía, quando
mergulhada no escurecido nascente e apavorava-se sobre o manto cinzento das
nuvens que pairavam carregadas no céu.
As luzes convidativas das lâmpadas na
noite apareciam timidamente atrás de uma massa compacta da chuva inclemente que
apagava todas as distâncias desfalecidas de pavor, de frio e de uma imprecisa
sensação de medo para os moradores ribeirinhos do bairro Prainha ou um fio de
esperança para os agricultores da zona rural do município com suas plantações. O
nascente azulado combinava com a impressionante capacidade de ouvir os trovões
e um sussurro delicado noutros momentos com apenas um reboar timidamente
imperativo bracejando do lado do Curujal.
Quase sempre o silêncio da tarde era
enfurecido com os estrondos que se mostrava encapelado, lançando sons furibundos
e fuzil ante no nascente azulado. Quem saia do balão da Zuleide rumo ao Mercado
Velho podia-se ver os camelôs correndo quase sem fôlego rente a outras pessoas,
sempre olhando pela imensidão azulada da rua Valter Miranda para a enorme massa
cinzenta suspensa nos céus para o lado do Curujal.
Com a noite chuvosa, a ventania sacudia os cabelos esvoaçantes e arremessava os fios sob a testa dos homens e
mulheres que trabalhavam na pedra do Mercado Velho. Com medo do vento uivando
sob seus ouvidos, eles colocavam as mãos no rosto para não ser arremessado grãos
de areia dentro dos olhos.
A sombra deles sob a luz
incandescente dos portes desenhava-se torta, estranha e a cada passagem pela luz traduzia-se sem forma e
indefinida. No nascente azulado por entre o
prédio do Mercado Velho e o prédio do Fórum, os trovões explodiam seguidos de
relâmpagos, como que perseguindo os moradores, talvez, querendo transmitir
alguma mensagem muito importante pelos olhos de minha rua, as brumas plácidas
do inverno.
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