sábado, 11 de fevereiro de 2012


SÁBADO DO CONTO: 

O HOMEM E O ÁLCOOL

Noite de sexta-feira dentro do quarto de Dante. O texto no world recebia as alterações do romance. Um vento forte assanhava os cabelos do jovem, a janela aberta com o frio cortante da madrugada. Cães ladravam para uns lados. Felinos andavam por cima dos muros. No clima de mistério da noite, ele sentia um tropel esfuziante e quente de sombras inquietas e errantes. 
Diante do texto, seus impulsos transbordavam em um cálix buscando na consciência ou imaginação o desenrolar dos fatos narrados na ficção. Escolhido os personagens centrais, Dante começaria pelo fim da vida do protagonista do romance. O personagem que Dante escrevera era um rapaz travestido de um sentimento de desejos na eterna inquietação do amor pela namorada Ísis. O jovem com ambição vaga até no fechar dos olhos e a vaga esperança de casar com a moça.
Dante na noite, enquanto escrevia umas páginas subia-lhe uma ânsia cansada de não mais escrever; o cérebro do escritor de tão esvaído se lamentava, no eterno não saber lamentar. Tumultuárias idéias e mistas acerca do romance surgiam e desapareciam sem deixar rastos à imaginação do autor. O silêncio deslumbrado e vão da noite figurava-se incoerente e amargo.
O escritor na ação do romance deixava-se envolver. O primeiro capítulo do romance seguia-se a outro e mais outro.
- Vem Morte! Sinto os passos! Sinto-te! Gritava Dante.
Dante inerte a beira do rio marataoan com o gélido da brisa arrepiando os pêlos do corpo. Ele havia bebido muito. Solitário e taciturno, o rapaz gritava em vãos delírios entorpecidos pelo álcool no sangue. Ébrio, o homem ouvia no silêncio da noite, o coração feito uma melodia estranha e vaga. O jovem escritor enleava-se caminhando a passos lentos sem sono, sem passar o sono que não vinha.
- Nada, nada... Vai-te, Vida!
Os gritos no silêncio da noite ecoavam levados pelos ventos alísios. Ele sentia o horror de morrer. Dante imaginava o mistério frente a frente. A morte ali sem poder evitá-la, sem poder adiá-la. Dez minutos no relógio gelava a idéia de morte na mente do escritor. O desenrolar do mistério face a face da morte prestes a conhecê-lo. Por mais mal que seja a morte, o homem pretendia descobrir o mistério de morrer.
O rio marataoan, com correntezas de ignorância d’água no inverno intenso que relampejava a idéia de que enfim tudo seria destruído e arrastado. Ele não sabia nadar por certo e jogando-se na água, a morte acabaria com ele e não faria mais nada. O vento ufanava e avançava mais anunciando a morte pálida e firme do nada. O tempo congelava ao ver aproximar-se a morte, pois apenas mudava com a presença da indesejada.
Dante escrevia mais e mais triplicando páginas e páginas do romance. Povoava a mente do escritor, um sentimento de mistério diante da morte. O mistério da morte esmagava a cabeça contra o muro da imaginação. Ele como escritor temia verdadeiramente a morte, pois a morte todos teme. Não adiantava muito fugir. Na vida, a morte tem sempre abrigo certo, uma maldita que é mal e ele poderia sentir.
-Ah, já chegada a hora!
O rapaz amaldiçoando o horror à morte, porque nela o mistério vem e nela se acaba. O homem caminha pela rua de aclive por detrás da igreja de nossa senhora da Conceição. Na rua de paralelepípedos com os passos lentos e cadenciados, ele olha a velha usina de sabão de coco babaçu. Um vulto nas sombras das paredes da velha usina arrasta-se macilentamente seguindo-o como uma espécie de espírito. Morcegos nos céus escuros dão vôos rasantes para o lado do auditório.
Dante tem o corpo viciado no álcool e adorado aos remorsos de um litro de vinho que ele sacia.  Como um mendigo e refém do vício, o rapaz exibe a sordidez de uma carcaça humana que se destrói. O jovem fiel ao pecado da carne vive uma prisão em que a confissão o amordaça os lábios. A sombra que o persegue impõe alto preço à infâmia das palavras confessadas no desvario das palavras lançadas ao vento e sem nexo.
A rua escura e deserta na meia noite tem lâmpadas apagadas nos portes elétricos e cachorros ganindo na rua de paralelepípedos e lodosa da noite gélida. Ele vive a ilusão de que o pranto e as nódoas da tristeza se disfarcem no litro de vinho que carrega debaixo dos braços. Quando entra no portão da casa e senta na almofada, o espírito de Satã esquenta-lhe o corpo.
Levanta-se e vai ao banheiro. O espelho do banheiro docemente o consola, a imagem de frente é reluzida no metal puro da vontade então de se matar. Tudo por obra do espírito que age sem ser visto. Ele sente que o Diabo se move e quer manusear a vontade. O rapaz repugna a jóia que é a vida dada por Deus. Hora após hora para o espírito que lhe conduz para o inferno, o sentimento de coragem não impõe medo algum ao jovem.
A lâmpada do banheiro apaga-se e no meio das trevas, ele sente náuseas e vomita no vaso sanitário.  Assim como um voraz devasso beija e suga a própria face no reflexo do espelho da água. A sombra bate na porta fechada do banheiro tentado abri-la. Dante olha para o lado e ouve as dobradiças de tão enferrujadas rangerem. Ele ver uma mulher de meia idade no reflexo do banheiro.
O decote do vestido dela mostra os seios murchos que lhe são ofertados. A vadia furta-lhe ao acaso uma carícia esguia e o faz os seios espremerem-se contra o rosto do jovem. O crânio de Dante é seduzido pelo demônio que abre suas grandes asas. Dante sente a respiração ofegante, os pulmões sentem o ar de morte descer o esôfago.
A água da pia é um rio invisível, com lamentos indistintos em que o rapaz se afoga. A falta de ar é veneno de uma paixão onde o estupro da morte é punhalada. As marcas dos dedos molhados na parede bordam com desenhos finos a trama vã do mísero destino.
- Tua alma arrisca por pouco ou quase nada! Brada a voz feminina.
No lodaçal dos vícios mortais e humano, Dante arrepende-se do ato insano e sente-se mais iníquo, mais imundo, o pior dos seres humanos. Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito, o rapaz num bocejo imenso que engoliria o mundo esquiva-se sem à mínima noção do ato que iria cometer contra a própria vida.

Ele sai a passos largos de dentro do banheiro cambaleando. Ouve do lado de fora da rua deserta patíbulos de cavalos baterem nos paralelepípedos trotando. Abri a janela e ver ao longe uma mulher de cavalo com um imenso cachimbo agarrado as mãos. Dante ver um monstro delicado de mulher cavalgando.

O rapaz recolhe-se ao leito com o ventre concebido do arrependimento da desgraça que iria fazer. Antes de dormir lembrou-se de pedir nas rezas para nossa senhora da Conceição dar força para livrar-se do vício do álcool. E finalmente dormiu.

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