SÁBADO DO CONTO:
O
HOMEM E O ÁLCOOL
Noite de sexta-feira dentro do
quarto de Dante. O texto no world recebia as alterações do romance. Um vento
forte assanhava os cabelos do jovem, a janela aberta com o frio cortante da
madrugada. Cães ladravam para uns lados. Felinos andavam por cima dos muros. No
clima de mistério da noite, ele sentia um tropel esfuziante e quente de sombras
inquietas e errantes.
Diante do texto, seus impulsos
transbordavam em um cálix buscando na consciência ou imaginação o desenrolar
dos fatos narrados na ficção. Escolhido os personagens centrais, Dante
começaria pelo fim da vida do protagonista do romance. O personagem que Dante
escrevera era um rapaz travestido de um sentimento de desejos na eterna
inquietação do amor pela namorada Ísis. O jovem com ambição vaga até no fechar
dos olhos e a vaga esperança de casar com a moça.
Dante na noite, enquanto
escrevia umas páginas subia-lhe uma ânsia cansada de não mais escrever; o
cérebro do escritor de tão esvaído se lamentava, no eterno não saber lamentar.
Tumultuárias idéias e mistas acerca do romance surgiam e desapareciam sem
deixar rastos à imaginação do autor. O silêncio deslumbrado e vão da noite
figurava-se incoerente e amargo.
O escritor na ação do romance
deixava-se envolver. O primeiro capítulo do romance seguia-se a outro e mais
outro.
- Vem Morte! Sinto os passos!
Sinto-te! Gritava Dante.
Dante inerte a beira do rio
marataoan com o gélido da brisa arrepiando os pêlos do corpo. Ele havia bebido
muito. Solitário e taciturno, o rapaz gritava em vãos delírios entorpecidos
pelo álcool no sangue. Ébrio, o homem ouvia no silêncio da noite, o coração
feito uma melodia estranha e vaga. O jovem escritor enleava-se caminhando a
passos lentos sem sono, sem passar o sono que não vinha.
- Nada, nada... Vai-te, Vida!
Os gritos no silêncio da noite
ecoavam levados pelos ventos alísios. Ele sentia o horror de morrer. Dante
imaginava o mistério frente a frente. A morte ali sem poder evitá-la, sem poder
adiá-la. Dez minutos no relógio gelava a idéia de morte na mente do escritor. O
desenrolar do mistério face a face da morte prestes a conhecê-lo. Por mais mal
que seja a morte, o homem pretendia descobrir o mistério de morrer.
O rio marataoan, com
correntezas de ignorância d’água no inverno intenso que relampejava a idéia de
que enfim tudo seria destruído e arrastado. Ele não sabia nadar por certo e
jogando-se na água, a morte acabaria com ele e não faria mais nada. O vento
ufanava e avançava mais anunciando a morte pálida e firme do nada. O tempo
congelava ao ver aproximar-se a morte, pois apenas mudava com a presença da
indesejada.
Dante escrevia mais e mais
triplicando páginas e páginas do romance. Povoava a mente do escritor, um
sentimento de mistério diante da morte. O mistério da morte esmagava a cabeça contra
o muro da imaginação. Ele como escritor temia verdadeiramente a morte, pois a
morte todos teme. Não adiantava muito fugir. Na vida, a morte tem sempre abrigo
certo, uma maldita que é mal e ele poderia sentir.
-Ah, já chegada a hora!
O rapaz amaldiçoando o horror à
morte, porque nela o mistério vem e nela se acaba. O homem caminha pela rua de aclive por
detrás da igreja de nossa senhora da Conceição. Na rua de paralelepípedos com
os passos lentos e cadenciados, ele olha a velha usina de sabão de coco babaçu.
Um vulto nas sombras das paredes da velha usina arrasta-se macilentamente
seguindo-o como uma espécie de espírito. Morcegos nos céus escuros dão vôos rasantes para o lado
do auditório.
Dante tem o corpo viciado no álcool e adorado aos remorsos de um
litro de vinho que ele sacia. Como um mendigo e refém do vício, o rapaz exibe a sordidez de uma
carcaça humana que se destrói. O jovem fiel ao pecado da carne vive uma prisão em que a confissão o amordaça
os lábios. A sombra que o persegue impõe alto preço à infâmia das palavras
confessadas no desvario das palavras lançadas ao vento e sem nexo.
A rua escura e deserta na meia noite tem lâmpadas apagadas nos
portes elétricos e cachorros ganindo na rua de paralelepípedos e lodosa da
noite gélida. Ele vive a ilusão de
que o pranto e as nódoas da tristeza se disfarcem no litro de vinho que carrega
debaixo dos braços. Quando entra no
portão da casa e senta na almofada, o espírito de Satã esquenta-lhe o corpo.
Levanta-se e vai ao banheiro. O espelho do banheiro docemente o
consola, a imagem de frente é reluzida no metal puro da vontade então de se
matar. Tudo por obra do espírito que age sem ser visto. Ele sente que o Diabo
se move e quer manusear a vontade. O rapaz repugna a jóia que é a vida dada
por Deus. Hora após hora para o espírito que lhe conduz para o inferno, o
sentimento de coragem não impõe medo algum ao jovem.
A lâmpada do banheiro apaga-se e no meio das trevas, ele sente
náuseas e vomita no vaso sanitário.
Assim como um voraz devasso beija e suga a própria face no reflexo do
espelho da água. A sombra bate na porta fechada do banheiro tentado abri-la.
Dante olha para o lado e ouve as dobradiças de tão enferrujadas rangerem. Ele
ver uma mulher de meia idade no reflexo do banheiro.
O decote do vestido dela mostra os seios murchos que lhe são
ofertados. A vadia furta-lhe ao acaso uma carícia esguia e o faz os seios
espremerem-se contra o rosto do jovem. O crânio de Dante é seduzido pelo
demônio que abre suas grandes asas. Dante sente a respiração ofegante, os
pulmões sentem o ar de morte descer o esôfago.
A água da pia é um rio invisível, com lamentos indistintos em que
o rapaz se afoga. A falta de ar é veneno de uma paixão onde o estupro da morte
é punhalada. As marcas dos dedos molhados na parede bordam com desenhos finos a
trama vã do mísero destino.
- Tua alma arrisca por pouco ou quase
nada! Brada a voz feminina.
No lodaçal dos vícios mortais e humano,
Dante arrepende-se do ato insano e sente-se mais iníquo, mais imundo, o pior
dos seres humanos. Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito, o rapaz num
bocejo imenso que engoliria o mundo esquiva-se sem à mínima noção do ato que
iria cometer contra a própria vida.
Ele sai a passos largos de dentro do
banheiro cambaleando. Ouve do lado de fora da rua deserta patíbulos de cavalos
baterem nos paralelepípedos trotando. Abri a janela e ver ao longe uma mulher
de cavalo com um imenso cachimbo agarrado as mãos. Dante ver um monstro
delicado de mulher cavalgando.
O rapaz recolhe-se ao leito com o ventre
concebido do arrependimento da desgraça que iria fazer. Antes de dormir
lembrou-se de pedir nas rezas para nossa senhora da Conceição dar força para
livrar-se do vício do álcool. E finalmente dormiu.
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