segunda-feira, 12 de novembro de 2012




ROMANCE TERRA DE MARATAOAN
RELEITURA

CAPÍTULO 03

O sol subindo aos céus benditos do Mocambo, depois de mergulhar nas infinitas noites trazia mais um dia de estio do seco mês de outubro em que o mandacaru verdinho e solitário coloria a paisagem cinzenta na beira da estrada de piçarra. A barra do dia avermelhava-se no nascente e o galo no poleiro da casa de dona Mara Rúbia cantava o último fio da teia das cantigas matinais.

O vaqueiro Raimundinho do João Tomaz encostado ao mourão da porteira de paus corridos do curral aboiava dolorosamente vendo o gado sair de par em par. As poucas reses deixavam as marcas dos cascos na areia fina do caminho tortuoso descendo o morro à procura por pastos lá para a entrada do Barreiro do Otávio. Os rastros ornamentavam juntamente com os capins a lapidação do desenho serpenteado feito pelos pneus das bicicletas. 

As poucas vacas do quitandeiro Florindo caminhavam lentamente, bois mansos com passos cadenciados, passos devagarzinho e macilentos com o mais espirituoso da fazenda saindo arrogante, o enorme garrote gladiador de grande cupim no lombo e empurrando as magras vacas de cria e espalhando os esqueléticos bois pé duro, atropelando-os com o som assustador e temível do chocalho no pescoço.

Assim que o garrote transpôs a porteira e passou junto de Raimundinho do João Tomaz, o homem o afagou com as mãos, o enorme cupim no lombo e as ancas em um gesto de carinho e de despedida, pois o garrote iria ser abatido minutos mais tarde pelo machado impiedoso e afiado do Zé Lustosa. O vaqueiro com a companhia de Zé Lustosa laçava o garrote gladiador e o prendiam ao pé do mourão.

A seca de 1982, uma inimiga que incomodava os pobres e necessitados do interior e de grande valia aos poderosos da terra de marataoan que lucravam com os recursos da emergência do governo federal. Quanto mais dias se arrastavam pelo calendário da Shell pregado na parede de taipa da casa de Conceição, mas gente escapava-se discretamente, e quando não dava mais para resistir à fome e as dificuldades vinham o longo martírio na vida dos retirantes na fuga para cidade buscando por melhorias. Da bancada feita de pau de angico, na frente da casinha de taipa e em pé vendendo uns cafés, Conceição conversava com uns fregueses do são Domingos sobre a falta de chuva no Mocambo.

- Para chover aqui, só mesmo roubando um santo lá da igreja das Barras, isso se padre Rodolfo não ver. Dizia a moradora Maria da Conceição.

Os mais velhos no interior acreditavam e diziam que roubando um santo da igreja, no lugar chovia. Maria da Conceição sabia juntar muita coragem, crença e rir das dificuldades naquela época de dificuldades aos interioranos. Acrescentava-se também que a longa e pitoresca seca vinha ano após ano trazendo nas algibeiras, a falta de chuvas e anexando as dificuldades no campo tão irrigadas ás promessas dos políticos, os desvios dos recursos do governo federal como as cestas básicas e outras coisas.

- A seca, dizia Maria da Conceição, eu sei que é além de uma palavra de quatro letras, um tanto eufônica, é verdade, mas cheia de prenuncia de lutas e desgraças.

Olhando-se para o céu sem nuvens dava para se ter uma ideia da situação de caos no interior de Barras. A linguagem constante na vida da mulher e do povo que vivia no interior da terra de marataoan traduzia-se no único assunto popular, a seca e suas conseqüências.

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