quarta-feira, 21 de novembro de 2012

ROMANCE TERRA DE MARATAOAN

SUCESSO DA LITERATURA BARRENSE

CAPÍTULO 08

Quando fixou residência na beira da estrada, a primeira ideia de Maria da Conceição foi colocar uma banca de vender café para os viajantes que costumavam esperar o ônibus da Princesa do Sul vindo do Peixe e de Porto dos Marruás. Depois de se benzer segurando nas mãos, o rosário de nossa senhora da Conceição que comprou quando foi para os festejos em Barras, a mulher concluiu:

-Nossa senhora da Conceição é deu superar tudo isso. Amém.

Maria da Conceição, que fazia um penteado no cabelo da menina Esperança sentado na rede de tucum, interpelou-a:

- Quando vai chover Meu Deus? Já chegou o mês de janeiro, mês das chuvas... Nem dar para apanhar água na cacimba da entrada do Barreiro do Otávio.

O menino Tampinha amarrava a porta de esteira com embiras. Ele levantou e arregalou os olhos para o nascente com a vermelhidão do sol nos céus:

- Tenho fé que ainda chove!

Depois a mulher se dispôs a esticar umas roupas com o ferro de brasa quente, engomando umas peças de roupas da família do quitandeiro, o senhor Flor. Ela ordenava a menina Esperança para recolher as xícaras e o menino Tampinha para abanar o fogo e espiar se as brasas não iam apagar. O bule, sob o pequeno girau feito de talo de babaçu e outros trens secavam com as últimas réstias do sol morno.

- O café não tem leite e nem mistura. Falava os meninos.

- Mas tem farinha de puba. Dizia a mulher quando terminava o gomado da roupa. Ela levantou-se e pôs-se a passar mais café, calada, abstraída, imaginando não ter uma mistura na janta dos meninos. A menina Esperança ainda falou alguma coisa antes de comer, mas bebeu cada gole de café com o punhado de farinha de puba na vasilha de manteiga e foi se deitar no quarto.

-A bênção, mãe!

E Maria da Conceição, abastecendo de querosene a lamparina pendia o braço abençoando. Encaminhou-se para a cozinha amassar a goma do bolo e quebrar ovos para de manhã, vender na banca. Colocou a lamparina sobre o fogareiro, bem junto da panela com o pregado do arroz de meio dia. Encheu a panela para o resto de o pregado soltar e deixou de molho.

- Mês que entra vou ás Barras!

Ela pensava em comprar metros de fazenda de pano para fazer um vestido para a Esperança, a primeira comunhão da menina.

- Falta vender mais cinco quilos de coco para inteirar o dinheiro.

Depois de algum tempo foi à janela olhar se a Princesa do sul vinha na estrada. Seis e meia, o menino tampinha foi arrumar a banca de café a fim de guardar a garrafa de café com os copos. As palhas da casa balançavam com o sopro do vento frio do começo da noite que lhe arrepiava os braços. No decorrer da noite, ele deitou-se vestido, assim que a mãe terminou de fazer o bolo. Deitada na rede de tucum, Conceição levantou-se, foi novamente a janela olhar se o ônibus já vinha. E voltou a deitar, e ligando o rádio ABC para escutar ás notícias da voz do Brasil.

Mas, pouco a pouco, cansada da luta diária e deitada na rede de tucum, ela ficou a imaginar a vida. Deitada, vendo à luz vermelha da lamparina, que ia enegrecendo o alto do teto da casa com a fumaça preta do óleo diesel. A noite calma, enquanto ouvia vindo um pessoal das bandas do Lameirão, a mulher ouviu do quarto os gritos seguidos de gemidos altos; correu até a porta, achou um homem todo ensanguentado que chegava na garupa da bicicleta. O homem tinha sido furado de faca numa briga. Maria da Conceição queria saber da confusão, e correu à porta da casa mandando o homem sentar no tamborete para esperar o expresso da Princesa do Sul que vinha de Porto dos Marruás.

- Quero saber de uma coisa? Perguntou ela.

- Que é?

- Como aconteceu essa desgraça?

- O Zé Lopes furou o irmão por causa dos porcos que entraram na roça dele.

Neste momento compadecendo-se do homem, Conceição falou.

- Coitado! É sério?

- É sério.

- Que horas vem a Princesa do Sul?

- Já está quase passando.

- É a última, há das sete horas.

- Sim.

- Não, não precisa se preocupar, ele não vai morrer.

Depois que se preparam e embarcam no expresso. A missão, o hospital Leônidas Melo em Barras. Entrando na cidade, pareceu-lhes uma iluminação. Estavam mudados na física dos rostos e moralmente. As vinhetas decadentes dos gemidos do homem esfaqueado iam-se passando. As pálidas necroses dos portes faziam um enorme desafio de romper a escuridão das ruas. Retorcendo-se numa pose inusitada na poltrona do ônibus o pobre moribundo sentia os encantos da terra de marataoan ao gosto dos barrenses.

Era com certeza a dor e o remorso de terem se precipitado na confusão como forma de resolução dos problemas de terra. As lágrimas e as consolações vieram ao fim da viagem do mocambo a Barras.

- Aguenta firme rapaz!

- Estamos nas Barras.

- Chegamos nas Barras?

- Sim, na entrada da Boa Vista. Começo da rua.

Passando pelo DER. Balão do Sindicato. A rua grande.

-Vamos descer antes da agência dos ônibus da Leônidas Melo. Os dois homens estremeceram; mas o esfaqueado nada viu.

- Tu têm que da parte, dizia um dos homens.

- Será que o delegado chama ele na grande?

- Com certeza, com o peito de aço não tem conversa.

No dia seguinte, eles partiram de volta para o interior, não sem algumas advertências do delegado, o tenente
Ribamar, conhecido nas Barras como o Peito de Aço para que ficassem longe de brigas. Também eles não quiseram confrontá-lo falando em tal assunto com o boletim de ocorrência no bolso e o oficio para entregar ao acusado. O delegado Ribamar peito de aço fumava o cigarro de palha perto da janela gradeada da cadeia pública.

O leito de insônia e possessão que atazanava a vida do delegado centrava-se no infame e atado dos jogos de baralho. O quadro do mercado público recepcionava os jogadores com o baralho nas mãos que cheiravam à carniça no jogo da noite feita um parasita de destruição das famílias. Nos botecos para o lado do Fórum da Justiça com à garrafa debaixo do braço uns bebedores de cachaça suplicavam ao gládio veloz dos palpites sem nexos aos jogadores.

Onze horas, ele olhava a viatura estacionada na rua. Estava para começar a ronda. O soldado Sousa também fumava depressa não se esquecendo das horas. O céu cheio de estrelas que brilhando suspensa no alto demonstrava que as chuvas não viriam. Uma multidão de pessoas tumultuosas na praça da matriz com as estripulias do Chico Trem, o homem muito conhecido alvoroçava confusão no meio do povo. Ele tinha uma vontade obscura e incerta de ascender, de voar até a torre da igreja de nossa senhora da Conceição e abraçá-la no alto.

A guarnição da polícia tinha o desejo de se introduzir a grandes passos no camburão e atravessar as trevas da noite, na ronda e assegurar a harmonia e o sossego da comunidade. Depois que o ônibus da Princesa do Sul passava ás sete da noite, Maria da Conceição deitava-se comprimida numa rede sol a sol queria resolveu pender a perna contra a parede de taipa para balançar e não parava de imaginar a cena do homem ensanguentado que a pouco estivera ali. Lentamente olhava o teto de palha e a lamparina com o facho de luz aceso que exibia uma dança lenta e querendo se apagar. O teto escuro junto com a fumaça da lamparina em cima da mesa sumia quando o vento apagava a luz.

Deus não seria tão punitivo assim com a natureza humana: produzindo a seca, pensava a mulher. Já longe dali vindo da quitanda do seu Flor, vinha cambaleando sem sustentar as pernas um bêbado que foi recostando- se pela parede dianteira da casa. Para não tombar de vez o homem enganchou-se e na escuridão sem saída resolveu como um velho moribundo dormir ali. O sono da noite não foi o sono dos justos, podia se crer. O que irritava Maria da Conceição era a preocupação constante em que ela andava depois do acontecimento. Já não podia fugir inteiramente a preocupação. Parece que aquela mulher lia na alma e sabia apresentar-se no momento mais próprio a ocupar a imaginação com os problemas do outros.

Á noite exibiam a origem dos sonhos, uns pesadelos fecundos. Conceição sonhava com os filhos e via os em
encargos de trabalhos onerosos. Ela sabia que lugar de menino era na escola, qual uma loba fértil em anônimas ternuras acordava do sonho terrível. O menino menor acordava chorando para aleitar-se do universo de suas tetas duras do leite materno. A mulher nutria o menino robusto e esbelto no qual ela gabava-se dos traços de beleza que consagrava o filho. Netinho sentia a pele macia e tez que o convidava às mordidas e despertava a mãe sonolenta na madrugada fria cujo nevoeiro não se dissipava para ganhar os babaçuais do barreiro do Otávio. Quando terminava de se empenhar no mamar do menino, Conceição concebia na grandeza rara que ardiam outrora com o trabalho no amanhecer.

Tampinha deitado no palco da nudez inocente com os olhos ar remelados via a luz sem brio de a lamparina apagar-se e sentia o tenebroso calafrio das cinco horas da manhã na pele nua. Maria Luzia sentindo o tédio cruel da língua, logo pendia os dentes no subir e descer do jogo de se exercitar. A cada dia a língua da mulher sangrava para saber e criar novos assuntos. Os olhos cinzentos cuja luz recordava os lampejos rútilos da arrogância a salutar o monstro cego e surdo do disse me disse da vida dos outros. 

Ela apanhando água no poço, com a língua dançando dentro da boca era um monstro a deplorar os próprios trajes do ser humano. Dizia para dona Mara Rúbia que os meninos de Conceição estavam feitos troncos cômicos, de tão magros figuravam-se em espantalhos. A velha alfinetava que o menino Tampinha de gordinho tinha o corpo magro, flácido e inflamado de verme.

- Que Deus tenha piedade daqueles meninos.

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