ROMANCE TERRA DE MARATAOAN
SUCESSOS DE LEITURAS
CAPÍTULO 06
Conceição retornando depois do meio dia do babaçual trazia na cangalha do jumento Salomão, dois jacás cheios de cocos para quebrar e o machado nas pequenas mãos do menino tampinha. O jumento já bastante velho parecia arrastar-se macilentamente pelo caminho de areia desenhado pelos rastros dos pneus das bicicletas.
Os jacás pêndulos balançavam de um lado para o outro. A mobília da casa de Maria da Conceição já sem brilho. E em tudo o que ela via a cada instante havia um gosto de ranço e de néctar amargado pelo estado de extrema pobreza. Às nuvens espalhando-se no céu e os ventos desafiando a via-sacra dos cabelos das carnaúbas entre os matos na brisa que percorria em festa o entardecer do dia sobre as palhas das casinhas de taipa com o espírito grandioso do astro rei vagueando na romaria do tempo.
O coração de Conceição chorava de tristeza ao ver as aves nos fundos da casa disputando o nada de alimento no meio do terreiro de areia e pedras. O cercado da casa da mulher com uns pés de milho já com a palha toda seca e espigas sem caroços, os pés de batata e feijão com folhas amareladas e secas morriam por falta de água.
Sentada na banca de café, Maria da Conceição olhava do batente as poucas galinhas no terreiro. De vez enquanto, ela levantava a mão de pilão com arroz para pisar e pedia ao menino Tampinha, o filho para ir à quitanda comprar fiado o óleo para as lamparinas.
- Mãe, o senhor Flor disse que a senhora ainda não pagou o óleo da semana que estão anotados no caderno.
- Pois diga a ele pra descontar do gomado!
- O Raimundinho me entregou essa carne que dona Mara mandou. Falava Tampinha.
O banco de angico na latada, a bancada que o povo sentava para esperar a Princesa do Sul vindo de Porto dos Marruás. O machado com a foice e uma enxada servia de mobília na casa da mulher. O velho rádio ABC, o único luxo e vaidade com a antena envolvida com buchas de Bombril e sintonizada no programa das cinco da tarde na rádio Difusora de Barras.
Com o nevoeiro das fumaças das caeiras da Maria Luzia na estrada dissipando-se e o galo no poleiro da casa de dona Mara Rúbia, o único seresteiro grátis que se esforçava na orquestra perfeita com o simples aboio do vaqueiro Raimundinho do João Tomaz tocando o gado para dentro do curral, Conceição preparava o jantar.
O rádio ligado na faixa da Difusora de Barras, ás seis e meia da noite e catando os grãos de feijão do quibane, enquanto olhava para o céu, ela ouvia uma música de Roberto Carlos, mas a música comum da região que fazia a alegria maior era o trovão estrondar no início de janeiro. O menino sentado perto do pilão via a mãe catar o feijão e aproveitava enquanto pisava o arroz no pilão, ele emendou uma lembrança de quando foi aos festejos de Barras no começo de dezembro.
- Mãe, a senhora lembra quando nós fomos para os festejos das Barras.
- Sim!
... Já chegara o mês dos festejos da padroeira nossa Senhora da Conceição... A chuva na terra de marataoan não vinha depois de um mês de novembro quente e seco. A bandinha de música Lira Barrense atacou os derradeiros compassos do dobrado após encerrar os leilões do festejo da padroeira no coreto da praça da matriz para o lado do auditório monsenhor Bozon guardar os instrumentos musicais.
Da barraca dos leilões saíam pessoas felizes com as jóias arrematadas nas mãos, levando para casa. Outras vendiam pipocas, sorvetes, sacos de seriguelas, cajás e também muitas circulavam apressadas entre as barracas.
- Fulano, aposta no numeral cinco... Se der um duque ganha em dobro.
- Vê se sacode este caipira direito!
A terra de marataoan, uma poesia quando se encerrava aos olhos nas noites ardentes dos festejos da padroeira. Na praça da matriz cheia de fieis e o respiro ao fundo do marataoan com fogosas correntezas de água refletindo o luar e as estrelas de uma noite de dezembro. Diante das águas turvas do marataoan na noite via-se o longo litoral radioso para o lado da Boa Vista no reflexo do luar sob
as águas plácidas.
As poucas casas na noite escura tingiam-se por luzes monótonas e dolentes dos portes com lâmpadas incandescentes parecendo velas acesas. A ilha dos amores inerte no meio do rio para o lado do porto do fio dava-se para contemplá-la com a lembrança meio preguiçosa trazida à mente nas reminiscências dos banhos saborosos dos fins de tarde.
O circo montado para o lado da fábrica velha de sabão na rua da Tripa com homens de corpos nus, esguios, vigorosos e suados amarrando as derradeiras cordas e os assustadores leões nas jaulas rugindo e o mau cheiro azedo de suas enormes jubas. Na praça da matriz lindas mulheres de cujo olhar saia faísca a frente de tão belas no caminhar todo faceiro que seduzia o mais romântico boêmio.
Barras nessa época guiava-se pelos perfumes das paisagens belas da praça da matriz e o conjunto arquitetônico das casas em construções de estilo barroco. O porto do fio, com a beira rio lotada aos domingos nos banhos, um porto a ondular de mastros e de velas as navegantes fantasias do menino Tampinha. Já fazia tempo que não havia, em Barras, festejos tão animados como aquele do final de dezembro de 1981.
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