quinta-feira, 1 de março de 2012






Esta série de contos é uma obra de ficção, sendo de livre criação artística e foi baseada na obra homônima do escritor carioca Sérgio Porto. 
Os personagens e diálogos, foram criados a partir da imaginação do autor e não são baseados em fatos reais.Os nomes dos bairros são verdadeiros e estão situados em Barras. 
Qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas, vivas ou mortas, é tão e somente uma mera coincidência.


CONTO I

A NOIVA DA VILA ESPERANÇA


Naquela tarde daquele sábado, Barras via a bola de fogo de o sol descer rapidamente para o lado do bairro Boa vista. Lilith sentou-se ao la­do da janela ensolarada com as últimas réstias de luz a fim de esperar por Chicó. A mulher praticamente havia se enfeitado toda para receber o noivo, sem dúvida, ela pretendia ouvir da boca dele um pedido de casamento depois de dez anos de namoro. A família toda estava na expectativa daquilo acontecer.
Porém, ela ainda não sabia o que responder. Não adiantava negar, a idade avançara mais do que ela queria, o tempo passa, o tempo voa... No fundo ela sabia que o homem seria o último cartucho para firmar o casamento, desde que che­gou do Mocambo para morar na cidade, há exatamente um mês atrás, Lilith espera­va, a qualquer hora do dia, que Chicó surgisse pela estrada de piçarra vindo da casa dele, lá do bairro santinho pedalando a bicicleta monark e viesse ani­mado, feliz avisar que já tinha colocado os nomes e o padre José de Deus da paróquia santa Luzia tivesse dispensado o curso de noivos.
Quem aparecera naquele fim de tarde para uma visita inesperada foi a vizinha e uma das mais fofoqueiras do lugar, Dona Arcanja. Dona Arcanja compa­receu na casinha de taipa na Vila Esperança na companhia do neto Edgar. A velha senhora havia esperado, e temido, encontrar o noivo de Lilith. Ele não estava em casa. Dona Arcanja sentiu um alívio por não o encontrar. Minutos mais tarde, a velha contava para Lilith tudo o que Chicó estava fazendo quando ela ainda morava no Mocambo.
              Por fim, ela concluíra que seria impossível o casamento. Chicó a enganara e com o assunto proseado pela vizinha dona Arcanja, a mulher descobriria que ele estava de caso com a vizinha dela, a Eva do Aderaldo. Quando ficou sabendo do assunto da conversa, Lilith desejava vê-lo para matá-lo na hora, mas sem antes não despejar seu ódio em Eva pela traição.

              Assim, à medida que as horas foram se passando e o desespero aumentando dentro do coração da mulher, ela fora visitar primeiramente a prima Lúcia, mesmo temendo encontrar a casa vazia. Felizmente, Lúcia estava lá. Mas o que Lilith dissera havia de ser algo tão arrasador, quan­to à humilhação sofrida pelo noivo Chicó. Não quis ouvir os conselhos da prima. Voltou para a casa disposta a armar um barraco e dos grandes, se não quebrar a cara de Eva, para todo mundo ver.
De acordo com muitos na vila Esperança, Chicó estava de fato cortejando a mulher de Aderaldo. Lilith soubera que Aderaldo estava morando em São Paulo com outra mulher. Quando entrou na cancela da casa, já veio interrogando a Eva do caso amoroso e mesmo a contragosto, Eva res­pondera a todas as perguntas cordialmente dizendo ser verdade.
Não demorou muito e Lilith torna­ra-se uma louca desvairada e atracou-se com a mulher em agarro, socos e pontapés. Claro que Eva sabia que Chicó tinha uma noiva, só não contava que uma mulher das valentes, como era Lilith. Se ela não tivesse debochado da cara de Lilith, a mulher não partiria para esganá-la. Eva já tinha a intenção daquilo.
Ela somente havia prometido conversar, mas a rebeldia de mulher traída falou mais alto. Lilith não duvidava da intensa paixão dos dois mancebos, e até esta­va certa de que, caso ela não tivesse se oferecido com as insinuações e vestidos decotados, Chicó não se veria seduzido e a começar com o caso proibido.
Contudo, Chicó desde que chegaram para morar no bairro Santinho, nunca mais falou do amor que sentia, tampouco do casamento que prometera e como falava dos momentos felizes na zona rural de Barras. Na cabeça de Lilith  só ima­ginação dos momentos felizes. A mulher não conseguiria abandonar o profun­do amor, ainda tinha esperanças por Chicó se arrepender e trocar aquela aventura efêmera, por uma coisa mais sólida, mas real e assim voltar tudo como era antes.
Assim que voltou para a casa, Lilith escutou murmúrios pelo pé da porta, alguém encostava uma bicicleta e abria a cancela da porta. Sério, ele se dirigiu a Lilith.

— Espero que saiba por que estou aqui hoje. Não é surpresa que...
— Por favor, Chicó, não prossiga! — ela ex­clamou. — Eu perdoou sua traição, mas queira me pedir em casamento. Eu lhe imploro que faça.
— Acha que é tão fácil assim? — Chicó perguntou, chocado. — Mas pensou...
— Não é nada disso! Gosto muito de você. No entanto, não sei se retribuirei seus sentimentos com a intensidade que merece. Durante algum tempo, eu... me envolvi em um relacionamento, do qual ain­da não estou recuperado.
Lilith o encarou, com semblante sério.
— Entendo. Acha que Eva te quer? Acha que ela não vai te trair como também fez com o esposo dela?
— Não! Fui eu que agi como tolo.
— Eu tenho sentimentos. — Ele riu.
— É verdade. Lamentável você.
— Lilith, acha que podemos ser amigos?
— É impossível.
— Está correto ao assumir que deseja entregar seu coração à Eva que vai escolhê-la como esposa, mas, enquanto eu houver vida em cima da terra, ficarei com toda força infernizando vocês dois.
Chicó tocou-lhe o queixo rispidamente e apertando-o.
— Me solta infeliz. Estou disposta a acabar com vocês. Vai embora infeliz — ela murmurou com lábios trêmulos, fitando os olhos escuros nos dele.
E então ela chorou, ofegava e tremia.
— Sim, estou muito disposto a acabar o noivado com você — Chicó falou.
Por sua vez, Lilith não tinha certeza de que es­taria disposta a aceitar aquilo de graça. O fato de Chicó lhe trair fora desagradável, desleal, mas ela o amava muito, amava com todas as forças do coração de uma mulher aos trinta e três anos, já tinha atirado na macaca muitas vezes.
— Já vou para o bairro Santinho — Ele disse.
            No fundo, Lilith tinha esperança de que ele pudesse mudar de opção e lhe dissesse uma coisa favorável que pudesse levá-lo a desistir de tal loucura, tal insanidade. De qualquer forma ficou calada, choramingando pelos cantos, gostaria que Chicó ficasse mais um pouco.
            — Quer ir? Ela perguntou.
Chicó ousou e pegou a bicicleta encostada na parede de taipa. Lilith ainda perguntou-lhe pela última vez, se ele não queria desistir. Contudo, se ele não preferiria um casamento seguro, com uma mulher de família, respeitosa do que com uma mulher que enganava o marido que estava no mundo.
— Quero não, dizia ele. Acho que vou amá-la.
Lilith saiu para o terreiro e via Chicó atravessar a rua enlameada, sem pavimentação para o lado do bairro Santinho passando pela vila João Paulo. Ela não tentou chamá-lo novamente, preferiu que ele entendesse que a partida fosse uma coisa amigável. Quando ele sumiu das vistas, menos de cinco minutos iniciava-se uma correria, seguida de discussão a respeito da briga de Lilith com Eva, quan­do um grito macabro foi dado lá do escuro no fim da rua de piçarra.
Chicó tentava respirar. Mas antes de falar ou mover-se, um homem de camisa preta e com o rosto coberto desferiu-lhe uma facada acima do peito.
— Se mexa! — ele dizia.
Mantendo a faca apontada para ele, Chicó só virava o rosto para o outro lado contorcendo-se de dor.
— Sempre quis fazer isso — informou à outra pessoa.
           Chicó só gemia com uma voz abafada. Umas pessoas que moravam por perto saiam com as mãos na cabeça e não faziam nada.
— Por favor, pare — Chicó implorou.
— Vou sair, mas largue Eva ou eu te mato, cabra.
— Não se preocupe, não quero mais ela.
Chegando após o alvoroço do povo, os gritos de Lilith abafaram-se com o susto de ver Chicó todo ensangüentado caído no chão e a bicicleta para o outro lado.
— Meu Deus, quem fez um desgraça dessa?
— Coragem, Chicó! — dizia Lilith.
Embora relutante, ele obedeceu e logo um carro chegava para levá-lo para o hospital Leônidas. Minutos depois chegava três PM armados numa viatura a procura do acusado. Meia hora de ronda, eles acharam o acusado bebendo em um bar próximo e prenderam-no. Logo, a PM descia na delegacia com um ho­mem, cuja camisa preta estava manchada de sangue e ele esmur­rando a cela da viatura.  Negão do Zé Pitomba estonteado, esbofeteado e ainda com as mãos sujas do sangue de Chicó.
Um dos soldados armados mirou o revólver em sua cabeça, forçando-o a calar-se e ficar quieto para sair da viatura. Nesse ínterim, o soldado tirou as algemas do pulso de Negão do Zé Pitomba e o retirou do carro. Em seguida, o soldado chamou os outros, que fechou o porta mala e levou-o sem as algemas para dentro da delegacia.
— Eu não fiz nada! — ele esbravejava.
 O soldado então carregou o preso, jogou-o den­tro da cela, fechou com o cadeado e o trancou.
Revoltado, ele chutava e debatia-se na cela da delegacia. Lilith foi à delegacia reconhecer o homem. O soldado em seguida disse-lhe:
— Volte para o hospital para saber se o homem escapa.
 Então, a mulher voltou para o hospital. Depois de deixá-lo numa enfermaria do SUS, onde o ventilador do teto era uma via sacra para dar um giro de 360 graus, Chicó ainda falou que conhecia quem era o autor do atentado. Os soldados pegaram o depoimento dele e voltaram para a delegacia para fazer o TCO.
Furioso, Chicó mordeu-lhe os lábios com dor, após passar a anestesia.
— Ei! — ele exclamou.
— Quando ficar bom, eu vou matá-lo!
— Ah, sabia que ele é irmão do marido da Eva.
           Por um instante Chicó ficou pensativo.
            — O que deu nele para me furar em uma via pública? Tomara que ele seja processado!
— Ora, homem tu teve foi sorte.
— Não é de sua conta, Lilith.
— Como não? Não lhe pedi para ficar?
Depois de horas no hospital, ele teve a notícia de que Negão do Zé Pitomba foi solto. E quando soube que Chicó estava se recuperando, ele fugiu. Chicó , então falou do casamento para Lilith.
— Ah, Lilith, meu amor, sinto muito... Depois que quase te perdia, e hoje sei que você me aceitou, tornou-se evidente que minha reputação podia ser salva, eu só pensava em voltar para você. Mas, de repente, comecei a du­vidar de mim mesmo.
Lilith o encarou, comovida.
— A única pessoa foi você que me ofereceu respeito, aceitação e parecia acreditar em meu cará­ter, eu retribuí seduzindo a Eva e traindo sua con­fiança. Achei que a fraqueza dentro de mim pudesse, no futuro, prejudicá-la e... eu não queria enfrentar esse risco.
— Oh, Chicó eu quero você!
— Agora eu acredito nisso. Dizia ele.
Pela expressão do rosto e o tom de voz, Lilith pôde ver como aquele fato era significativo para ele.
— Fico feliz por você, Chicó.
— Sei que será um bom marido.
— Vamos, Lilith temos que marcar o casamento!
— Pode ser — ela disse. — Mas tenho algumas exigências: uma casa noutro bairro e muitos filhos.
— Lilith, seu lar é aqui. — Ele levou a mão ao peito.
Antes que ela pudesse impedi-lo, Chicó desceu da maca e ajoelhou-se.
— Minha adorada Lilith, deseja se casar co­migo? Podemos fazer uma viagem de lua-de-mel.
— Para o Mocambo?
— Sim. Talvez um pouco mais além, para o lado de Porto dos Marruás.
— Bem, se está preparado para oferecer tudo isso, como posso recusar?
Então, Chicó na tentativa de transmitir a paixão que sentia, mostrou a Lilith, em pleno hospital Leônidas Melo, quão radiante estava para se casar com ela e em seguida tudo voltou como era antes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário