Esta série de contos é uma obra de ficção, sendo de livre criação artística e foi baseada na obra homônima do escritor carioca Sérgio Porto.
Os personagens e diálogos, foram criados a partir da imaginação do autor e não são baseados em fatos reais.Os nomes dos bairros são verdadeiros e estão situados em Barras.
Qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas, vivas ou mortas, é tão e somente uma mera coincidência.
CONTO I
A NOIVA DA VILA ESPERANÇA
Naquela
tarde daquele sábado, Barras via a bola de fogo de o sol descer rapidamente
para o lado do bairro Boa vista. Lilith sentou-se ao lado da janela ensolarada
com as últimas réstias de luz a fim de esperar por Chicó. A mulher praticamente
havia se enfeitado toda para receber o noivo, sem dúvida, ela pretendia ouvir
da boca dele um pedido de casamento depois de dez anos de namoro. A família
toda estava na expectativa daquilo acontecer.
Porém, ela
ainda não sabia o que responder. Não adiantava negar, a idade avançara mais do
que ela queria, o tempo passa, o tempo voa... No fundo ela sabia que o homem
seria o último cartucho para firmar o casamento, desde que chegou do Mocambo
para morar na cidade, há exatamente um mês atrás, Lilith esperava, a qualquer
hora do dia, que Chicó surgisse pela estrada de piçarra vindo da casa dele, lá
do bairro santinho pedalando a bicicleta monark e viesse animado, feliz avisar
que já tinha colocado os nomes e o padre José de Deus da paróquia santa Luzia
tivesse dispensado o curso de noivos.
Quem
aparecera naquele fim de tarde para uma visita inesperada foi a vizinha e uma
das mais fofoqueiras do lugar, Dona Arcanja. Dona Arcanja compareceu na
casinha de taipa na Vila Esperança na companhia do neto Edgar. A velha senhora
havia esperado, e temido, encontrar o noivo de Lilith. Ele não estava em casa.
Dona Arcanja sentiu um alívio por não o encontrar. Minutos mais tarde, a velha
contava para Lilith tudo o que Chicó estava fazendo quando ela ainda morava no
Mocambo.
Por fim, ela concluíra que seria
impossível o casamento. Chicó a enganara e com o assunto proseado pela vizinha
dona Arcanja, a mulher descobriria que ele estava de caso com a vizinha dela, a
Eva do Aderaldo. Quando ficou sabendo do assunto da conversa, Lilith desejava
vê-lo para matá-lo na hora, mas sem antes não despejar seu ódio em Eva pela
traição.
Assim, à medida que as horas
foram se passando e o desespero aumentando dentro do coração da mulher, ela
fora visitar primeiramente a prima Lúcia, mesmo temendo encontrar a casa vazia.
Felizmente, Lúcia estava lá. Mas o que Lilith dissera havia de ser algo tão
arrasador, quanto à humilhação sofrida pelo noivo Chicó. Não quis ouvir os
conselhos da prima. Voltou para a casa disposta a armar um barraco e dos grandes, se não quebrar a cara de Eva, para todo mundo ver.
De acordo
com muitos na vila Esperança, Chicó estava de fato cortejando a mulher de
Aderaldo. Lilith soubera que Aderaldo estava morando em São Paulo com outra
mulher. Quando entrou na cancela da casa, já veio interrogando a Eva do caso
amoroso e mesmo a contragosto, Eva respondera a todas as perguntas
cordialmente dizendo ser verdade.
Não demorou
muito e Lilith tornara-se uma louca desvairada e atracou-se com a mulher em
agarro, socos e pontapés. Claro que Eva sabia que Chicó tinha uma noiva, só não
contava que uma mulher das valentes, como era Lilith. Se ela não tivesse
debochado da cara de Lilith, a mulher não partiria para esganá-la. Eva já tinha
a intenção daquilo.
Ela somente
havia prometido conversar, mas a rebeldia de mulher traída falou mais alto.
Lilith não duvidava da intensa paixão dos dois mancebos, e até estava certa de
que, caso ela não tivesse se oferecido com as insinuações e vestidos decotados,
Chicó não se veria seduzido e a começar com o caso proibido.
Contudo,
Chicó desde que chegaram para morar no bairro Santinho, nunca mais falou do amor
que sentia, tampouco do casamento que prometera e como falava dos momentos
felizes na zona rural de Barras. Na cabeça de Lilith só imaginação dos momentos felizes. A
mulher não conseguiria abandonar o profundo amor, ainda tinha esperanças por Chicó
se arrepender e trocar aquela aventura efêmera, por uma coisa mais sólida, mas
real e assim voltar tudo como era antes.
Assim que
voltou para a casa, Lilith escutou murmúrios pelo pé da porta, alguém encostava
uma bicicleta e abria a cancela da porta. Sério, ele
se dirigiu a Lilith.
— Espero que saiba por que estou
aqui hoje. Não é surpresa que...
— Por favor, Chicó, não prossiga! —
ela exclamou. — Eu perdoou sua traição, mas queira me pedir em casamento. Eu lhe
imploro que faça.
— Acha que é tão fácil assim? —
Chicó perguntou, chocado. — Mas pensou...
— Não é nada disso! Gosto muito de você.
No entanto, não sei se retribuirei seus sentimentos com a intensidade que
merece. Durante algum tempo, eu... me envolvi em um relacionamento, do qual ainda
não estou recuperado.
Lilith o encarou, com semblante
sério.
— Entendo. Acha que Eva te quer? Acha
que ela não vai te trair como também fez com o esposo dela?
— Não! Fui eu que agi como tolo.
— Eu tenho sentimentos. — Ele riu.
— É verdade. Lamentável você.
— Lilith, acha que podemos ser
amigos?
— É impossível.
— Está correto ao assumir que deseja
entregar seu coração à Eva que vai escolhê-la como esposa, mas, enquanto eu
houver vida em cima da terra, ficarei com toda força infernizando vocês dois.
Chicó tocou-lhe o queixo
rispidamente e apertando-o.
— Me solta infeliz. Estou disposta a
acabar com vocês. Vai embora infeliz — ela murmurou com lábios trêmulos,
fitando os olhos escuros nos dele.
E então ela chorou, ofegava e
tremia.
— Sim, estou muito disposto a acabar o noivado com você — Chicó falou.
Por sua vez, Lilith não tinha
certeza de que estaria disposta a aceitar aquilo de graça. O fato de Chicó lhe
trair fora desagradável, desleal, mas ela o amava muito, amava com todas as
forças do coração de uma mulher aos trinta e três anos, já tinha atirado na
macaca muitas vezes.
— Já vou para o bairro Santinho — Ele disse.
No fundo, Lilith tinha esperança de que ele
pudesse mudar de opção e lhe dissesse uma coisa favorável que pudesse levá-lo a
desistir de tal loucura, tal insanidade. De qualquer forma ficou calada,
choramingando pelos cantos, gostaria que Chicó ficasse mais um pouco.
— Quer
ir? Ela perguntou.
Chicó ousou e pegou a bicicleta
encostada na parede de taipa. Lilith ainda perguntou-lhe pela última vez, se
ele não queria desistir. Contudo, se ele não preferiria um casamento seguro,
com uma mulher de família, respeitosa do que com uma mulher que enganava o
marido que estava no mundo.
— Quero não, dizia ele. Acho que vou
amá-la.
Lilith saiu para o terreiro e via
Chicó atravessar a rua enlameada, sem pavimentação para o lado do bairro
Santinho passando pela vila João Paulo. Ela não tentou chamá-lo novamente,
preferiu que ele entendesse que a partida fosse uma coisa amigável. Quando ele
sumiu das vistas, menos de cinco minutos iniciava-se uma correria, seguida de discussão
a respeito da briga de Lilith com Eva, quando um grito macabro foi dado lá do
escuro no fim da rua de piçarra.
Chicó tentava respirar. Mas antes de
falar ou mover-se, um homem de camisa preta e com o rosto coberto desferiu-lhe
uma facada acima do peito.
— Se mexa! — ele dizia.
Mantendo a faca apontada para ele,
Chicó só virava o rosto para o outro lado contorcendo-se de dor.
— Sempre quis fazer isso — informou
à outra pessoa.
Chicó só
gemia com uma voz abafada. Umas pessoas que moravam por perto saiam com as mãos
na cabeça e não faziam nada.
— Por favor, pare — Chicó implorou.
— Vou sair, mas largue Eva ou eu te
mato, cabra.
— Não se preocupe, não quero mais
ela.
Chegando após o alvoroço do povo, os
gritos de Lilith abafaram-se com o susto de ver Chicó todo ensangüentado caído
no chão e a bicicleta para o outro lado.
— Meu Deus, quem fez um desgraça
dessa?
— Coragem, Chicó! — dizia Lilith.
Embora relutante, ele obedeceu e
logo um carro chegava para levá-lo para o hospital Leônidas. Minutos depois
chegava três PM armados numa viatura a procura do acusado. Meia hora de ronda,
eles acharam o acusado bebendo em um bar próximo e prenderam-no. Logo, a PM
descia na delegacia com um homem, cuja camisa preta estava manchada de sangue
e ele esmurrando a cela da viatura.
Negão do Zé Pitomba estonteado, esbofeteado e ainda com as mãos sujas do
sangue de Chicó.
Um dos soldados armados mirou o
revólver em sua cabeça, forçando-o a calar-se e ficar quieto para sair da
viatura. Nesse ínterim, o soldado tirou as algemas do pulso de Negão do Zé Pitomba
e o retirou do carro. Em seguida, o soldado chamou os outros, que fechou o
porta mala e levou-o sem as algemas para dentro da delegacia.
— Eu não fiz nada! — ele esbravejava.
O soldado então carregou o preso, jogou-o dentro
da cela, fechou com o cadeado e o trancou.
Revoltado, ele chutava e debatia-se na
cela da delegacia. Lilith foi à delegacia reconhecer o homem. O soldado em
seguida disse-lhe:
— Volte para o hospital para saber
se o homem escapa.
Então, a mulher voltou para o hospital. Depois
de deixá-lo numa enfermaria do SUS, onde o ventilador do teto era uma via sacra
para dar um giro de 360 graus, Chicó ainda falou que conhecia quem era o autor
do atentado. Os soldados pegaram o depoimento dele e voltaram para a delegacia
para fazer o TCO.
Furioso, Chicó mordeu-lhe os lábios
com dor, após passar a anestesia.
— Ei! — ele exclamou.
— Quando ficar bom, eu vou matá-lo!
— Ah, sabia que ele é irmão do
marido da Eva.
Por um
instante Chicó ficou pensativo.
— O que
deu nele para me furar em uma via pública? Tomara que ele seja processado!
— Ora, homem tu teve foi sorte.
— Não é de sua conta, Lilith.
— Como não? Não lhe pedi para ficar?
Depois de horas no hospital, ele
teve a notícia de que Negão do Zé Pitomba foi solto. E quando soube que Chicó
estava se recuperando, ele fugiu. Chicó , então falou do casamento para Lilith.
— Ah, Lilith, meu amor, sinto
muito... Depois que quase te perdia, e hoje sei que você me aceitou, tornou-se
evidente que minha reputação podia ser salva, eu só pensava em voltar para
você. Mas, de repente, comecei a duvidar de mim mesmo.
Lilith o
encarou, comovida.
— A única pessoa foi você que me
ofereceu respeito, aceitação e parecia acreditar em meu caráter, eu retribuí
seduzindo a Eva e traindo sua confiança. Achei que a fraqueza dentro de mim
pudesse, no futuro, prejudicá-la e... eu não queria enfrentar esse risco.
— Oh, Chicó eu quero você!
— Agora eu acredito nisso. Dizia
ele.
Pela expressão do rosto e o tom de
voz, Lilith pôde ver como aquele fato era significativo para ele.
— Fico feliz por você, Chicó.
— Sei que será um bom marido.
— Vamos, Lilith temos que marcar o
casamento!
— Pode ser — ela disse. — Mas tenho
algumas exigências: uma casa noutro bairro e muitos filhos.
— Lilith, seu lar é aqui. — Ele
levou a mão ao peito.
Antes que ela pudesse impedi-lo,
Chicó desceu da maca e ajoelhou-se.
— Minha adorada Lilith, deseja se
casar comigo? Podemos fazer uma viagem de lua-de-mel.
— Para o Mocambo?
— Sim. Talvez um pouco mais além,
para o lado de Porto dos Marruás.
— Bem, se está preparado para
oferecer tudo isso, como posso recusar?

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