AS BARRENSES
IV CONTO
A SANTINHA DO CENTRO DE BARRAS
Durante semanas Mirela imaginava mesmo
estar grávida, só que aquela gravidez não poderia ser sabida pela mãe, e nem
tão pouco pelo noivo, o jogador de futebol amador do time do Atlético Barrense,
Cardosinho. Ela queria muito ter um filho dele, mas a possibilidade de ocultar
a criança que estava esperando para o homem fazia-se presente na mente. Era um
jogo vencido.

Ele, um rapaz honesto, vendedor numa
loja de sapatos da rua Gervásio Pires e, com modéstia que expressava o desejo
de ganhar sua afeição e como ganhou, ganhou e ganhou várias vezes até nos
banhos dos domingos na beira rio ou até mesmo no Flutuante. Um sujeito conhecido
lá da rua da Tripa, moço calmo, seguro e respeitável, com uma lábia que mulher
nenhuma do centro de Barras não caísse ao debater-se com ele.
Já Cardosinho, um sujeito metido a
rico lá da rua Fileto Pires Ferreira, um companheiro que iria ajudá-la a criar um
legado que não era seu e de tão abobalhado que recebia o título de todos de um
marido gentil. Um sujeito bom de ser enrolado com as coisas e que seria
carinhoso com o filho que a futura mulher trazia no ventre, só não sabia que de
outro.
Ele era um homem que também lhe
proporcionava paixão, mas não tão tóxica quanto à que experimentara com...
outra pessoa, com o Ricardo Paçoquinha. De repente, de frente a igreja de Nossa
Senhora da Conceição ocorreu-lhe que a dúvida de quem ela deveria contar sobre
a gravidez ao sacerdote da igreja bateu-lhe na mente novamente como um dilema,
uma doença mal curada.
Não precisaria da ajuda do padre
naquela ocasião, nem tão pouco de confissão. Tampouco tinha somente de esperar
passivamente para que o homem com o passar do tempo acreditasse na estória. Mirela
só podia mesmo ocultar aos maliciosos do centro da Terra dos Governadores,
principalmente aqueles que passavam o dia todo na praça senador Joaquim Pires
esperando por notícias, fofocas ou mesmo o disse me disse das esquinas. O tema
sobre Política, o preferido, seguido do futebol barrense, com a decepção do
prefeito não apoiar o time profisisonal, mas o que rendiam ibope na discussão
era saber quem iria ganhar as eleições de 2012, uns já até sabiam.
--- Esse prefeito que tá aí, eu acho
que não ganha mais. Diziam alguns.
Já outros na roda de debates
políticos digladiavam-se com outros comentários.
--- É mais esse prefeito aí, é que
nem o Elias França, está investindo mesmo é em Educação. Argumentava outros.
Claro que esses atentos
comentaristas não deixaria transparecer nos semblantes, nos lábios trêmulos dada
tamanha e delicada manha de saber constituir a vida da pobre dama do centro de
Barras, a jovem Mirela, pois ela teria de privar-se de caminhar por perto deles,
durante o curso de noivos na igreja.
Assim que chegou à igreja pela praça
da matriz, a jovem veria se nas cinzas de seu coração, era
capaz de reconstruir o novo relacionamento com o noivo Cardosinho. Talvez, a
distância ou mesmo intrigar-se com o amigo e ex-namorado Ricardo Paçoquinha, rapaz
de respeito mútuo e de paciência pudesse ajudar parar com os falatórios na
cidade de Barras.
Ela não queria vê-lo nunca mais depois do casamento com Cardosinho.

Desde o início na cidade de Barras havia
aumentado bastante os falatórios sobre a moça e o engraçado, pensou Ricardo
Paçoquinha, ver que sua condição de ex-namorado haveria de desaparecer por causa
do casamento dias à frente. Aquilo não podia acontecer e sem mais chamar
atenção, ele tentaria carregar a jovem Mirela para a beira do rio marataoan e
arquitetar que Cardosinho lhes encontrasse em situações comprometedoras.
E tal disparate que movido pela paixão
passara os últimas minutos desvencilhando-se da futura mãe do seu filho, cuja
honra não mais estava intacta. Embora
tivesse pena de Cardosinho, sua simpatia terminou antes que o homem consumisse
o casamento com sua paixão dos tempos de colégio. O contraste entre o tímido
jovem e a dependência do seu amor por Mirela era evidente.
Mirela passava a imagem para todos
do centro como uma moça de casa para a igreja, uma santinha como muitos diziam
nas esquinas de Barras, ela um tanto misteriosa que todas as noites de missa e a
cada manhã de oração, as pessoas até frustravam-se se não encontrassem-na no
canto do último banco da igreja do centro. Devido à firmeza de sua devoção, almejava
rezar para a alma de ela ser absorvida dos fogos do inferno, quando partisse ao
são José no bairro pequizeiro depois de sua morte. Se ao menos pudesse banir as
dúvidas que lhe afligiam e que a assombravam.
A imagem de uma jovem sofrendo sozinha,
uma mulher com o corpo já quase de mãe e o rosto de menina, e na mente o eterno
dilema de confessar, quem era o pai da criança que carregava no ventre representava,
tornava-se seu maior pesadelo. Mirela já havia traído a confiança de Cardosinho
outras vezes pelo período de carnaval em Barras, quando se apoderou de um abadá
do bloco Dinamite, lembrando-se da expressão desolada de Ricardo Paçoquinha que
não comprou abadá e saiu na pipoca e no fim do percurso fugiram os dois para um
local ermo.
Ricardo Paçoquinha tinha a garantia
do amor da moça e de que ela faria outra vez, podia ser que ela fosse ao seu
encontro na beira do rio marataoan. Afinal, era idêntico ao dia em que ficou
olhando-a atrás do trio elétrico na avenida. Desesperada, Mirela agarrou com
força o terço que trazia nas mãos. Precisava decidir logo, antes que
envergonhasse sua família ou perdesse o futuro esposo Cardosinho.
Assustou-se ao escutar a voz de
Ricardo Paçoquinha falando baixinho atrás do banco de madeira dentro da igreja.
— ei, Mirela, Mirelaaa. Dizia ele
Ela olhou, segurando o terço nas
mãos.
— Enquanto debulhava as pedras do
rosário e murmurava com os lábios trêmulos pedaços de reza emudecidos.
Ela olhou de soslaio para Ricardo e disse.
— Que diabo tu quer aqui! Tu não
sabe que não podemos nos falar.
— É algo que sempre quis lhe dizer,
mas esqueci. Ele respondeu.
Curioso, Mirela aproximou-se dele.
— O médico marcou minha cirurgia e
depois disse que poderei ter filho.
— O quê? Repete o que tu disse?
— Eu disse que o problema de
Varicocele vai ser resolvido e poderei ter filhos.
Mirela não
sabia ao certo se queria aceitar aquilo que o ex-namorado dizia, mas poderia
ser mesmo verdade, afinal foram cinco anos de namoro e com Cardosinho foi
somente três meses, logo aparecera grávida.
— Tenho
que terminar minhas rezas. Tchau! Até mais.
Ela o olhou
e Ricardo Paçoquinha saiu. A jovem Mirela levantou e fitou de longe, vendo
quando ele montou na moto.
Agora, ela estava quase certa de que o filho era mesmo de Cardosinho, seu
noivo. Mas, quando pegou a lembrar do homem do qual sabia tão pouco, ela
hesitou. Voltou a sentar-se no banco da igreja e começou a rezar novamente,
desta vez para agradecer a nossa senhora que lhe clareou a mente e retirou um
grande fardo que levaria por toda a vida nos ombros.
Desde então,
durante o curso de noivos Mirela expressava o amor como uma forma de agradar o
abismo moral que a separava do grande amor da juventude. E quando os pais dela
ameaçaram terminar o romance casando-a com o pretendente mais aceitável,
Cardosinho ela encontrou o que tanto procurava na vida. Coragem.
Para iniciar
uma nova vida, onde ninguém condenaria a união entre ela e Ricardo Paçoquinha,
Mirela ainda segurando o boquê de flores, permaneceu imóvel no altar, enquanto
assimilava as reais implicações daquilo que iria suceder-se. Uma loucura de
grandes proporções, assim como o Barras Futebol club ficar fora do campeonato
piauiense. Cuidadosa, ela dobrou os joelhos no chão, pediu perdão a Deus e
retirou- se para fora da igreja, correu para os braços de quem ela
verdadeiramente amara, pois com Ricardo Paçoquinha não precisava mais temer o
futuro e sabia que mesmo o filho não sendo dele, ele jamais abandonaria.
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