quarta-feira, 21 de março de 2012


AS BARRENSES

IV CONTO

A SANTINHA DO CENTRO DE BARRAS

Durante semanas Mirela imaginava mesmo estar grá­vida, só que aquela gravidez não poderia ser sabida pela mãe, e nem tão pouco pelo noivo, o jogador de futebol amador do time do Atlético Barrense, Cardosinho. Ela queria muito ter um filho dele, mas a possibilidade de ocultar a criança que estava esperando para o homem fazia-se presente na mente. Era um jogo vencido.
Talvez, nem em confissão ao sacerdote da igreja de nossa Senhora da Conceição ela dizia, imagine para o homem que não seria o pai da criança, o jogador Cardosinho, mas para o verdadeiro pai, o vendedor Ricardo Paçoquinha, ela fazia questão de dizer. O homem ideal para ser marido dela segundo a família tradicional do centro de Barras seria o moço Ricardo Paçoquinha que fo­ra um amigo leal durante os estudos de ensino médio na Unidade Escolar Gervásio Costa.
Ele, um rapaz honesto, vendedor numa loja de sapatos da rua Gervásio Pires e, com modéstia que expressava o desejo de ganhar sua afeição e como ganhou, ganhou e ganhou várias vezes até nos banhos dos domingos na beira rio ou até mesmo no Flutuante. Um sujeito conhecido lá da rua da Tripa, moço calmo, seguro e respeitável, com uma lábia que mulher nenhuma do centro de Barras não caísse ao debater-se com ele.
Já Cardosinho, um sujeito metido a rico lá da rua Fileto Pires Ferreira, um companheiro que iria ajudá-la a criar um legado que não era seu e de tão abobalhado que recebia o título de todos de um ma­rido gentil. Um sujeito bom de ser enrolado com as coisas e que seria carinhoso com o filho que a futura mulher trazia no ventre, só não sabia que de outro.
Ele era um homem que também lhe proporcionava paixão, mas não tão tóxica quan­to à que experimentara com... outra pessoa, com o Ricardo Paçoquinha. De repente, de frente a igreja de Nossa Senhora da Conceição ocorreu-lhe que a dúvida de quem ela deveria contar sobre a gravidez ao sacerdote da igreja bateu-lhe na mente novamente como um dilema, uma doença mal curada.
Não precisaria da ajuda do padre naquela ocasião, nem tão pouco de confissão. Tampouco tinha somente de esperar passivamente para que o homem com o passar do tempo acreditasse na estória. Mirela só podia mesmo ocultar aos maliciosos do centro da Terra dos Governadores, principalmente aqueles que passavam o dia todo na praça senador Joaquim Pires esperando por notícias, fofocas ou mesmo o disse me disse das esquinas. O tema sobre Política, o preferido, seguido do futebol barrense, com a decepção do prefeito não apoiar o time profisisonal, mas o que rendiam ibope na discussão era saber quem iria ganhar as eleições de 2012, uns já até sabiam.
--- Tem um tal de capote, mas é fraquinho, ou tá fraco, tá fraco...
--- Esse prefeito que tá aí, eu acho que não ganha mais. Diziam alguns.
Já outros na roda de debates políticos digladiavam-se com outros comentários.
--- É mais esse prefeito aí, é que nem o Elias França, está investindo mesmo é em Educação. Argumentava outros.
Claro que esses atentos comentaristas não deixaria transparecer nos semblantes, nos lábios trêmulos dada tamanha e delicada manha de saber constituir a vida da pobre dama do centro de Barras, a jovem Mirela, pois ela teria de privar-se de caminhar por perto deles, durante o curso de noivos na igreja.
Assim que chegou à igreja pela praça da matriz, a jovem veria se nas cinzas de seu coração, era capaz de reconstruir o novo relacionamento com o noivo Cardosinho. Talvez, a distância ou mesmo intrigar-se com o amigo e ex-namorado Ricardo Paçoquinha, rapaz de respeito mútuo e de paciência pudesse ajudar parar com os falatórios na cidade de Barras. Ela não queria vê-lo nunca mais depois do casamento com Cardosinho.
Dez minutos depois na praça da matriz da terra dos poetas chegava de moto Ricardo Paçoquinha, ele sentou-se na última fileira do banco da igreja e confortavelmente falou nos seus ouvidos, tentando entusiasmar-se com o fim daquela loucura que aconteceria naquele fim de mês de março de 2012. O furor social da festa de casamento no centro de Barras seria na Associação Recreativa Barrense, se esta não estivesse em ruínas. Logo, a família dela arranjou outro local perto da rua Taumaturgo de Azevedo.
Desde o início na cidade de Barras havia aumentado bastante os falatórios sobre a moça e o engraçado, pensou Ricardo Paçoquinha, ver que sua condição de ex-namorado haveria de desaparecer por causa do casamento dias à frente. Aquilo não podia acontecer e sem mais chamar atenção, ele tentaria carregar a jovem Mirela para a beira do rio marataoan e arquitetar que Cardosinho lhes encontrasse em situações comprometedoras.
E tal disparate que movido pela ­paixão passara os últimas minutos desvencilhando-se da futura mãe do seu filho, cuja honra não mais estava intacta. Embora tivesse pena de Cardosinho, sua simpatia terminou antes que o homem consumisse o casamento com sua paixão dos tempos de colégio. O contraste entre o tímido jovem e a dependência do seu amor por Mirela era evidente.
Mirela passava a imagem para todos do centro como uma moça de casa para a igreja, uma santinha como muitos diziam nas esquinas de Barras, ela um tanto misteriosa que todas as noites de missa e a cada manhã de oração, as pessoas até frustravam-se se não encontrassem-na no canto do último banco da igreja do centro. Devido à firmeza de sua devoção, al­mejava rezar para a alma de ela ser absorvida dos fogos do inferno, quando partisse ao são José no bairro pequizeiro depois de sua morte. Se ao menos pudesse banir as dúvidas que lhe afligiam e que a as­sombravam.
A imagem de uma jovem sofrendo sozinha, uma mulher com o corpo já quase de mãe e o rosto de menina, e na mente o eterno dilema de confessar, quem era o pai da criança que carregava no ventre representava, tornava-se seu maior pesadelo. Mirela já havia traído a confiança de Cardosinho outras vezes pelo período de carnaval em Barras, quando se apoderou de um abadá do bloco Dinamite, lembrando-se da expressão desolada de Ricardo Paçoquinha que não comprou abadá e saiu na pipoca e no fim do percurso fugiram os dois para um local ermo.
Ricardo Paçoquinha tinha a garantia do amor da moça e de que ela faria outra vez, podia ser que ela fosse ao seu encontro na beira do rio marataoan. Afinal, era idêntico ao dia em que ficou olhando-a atrás do trio elétrico na avenida. Desesperada, Mirela agarrou com força o terço que trazia nas mãos. Precisava decidir logo, antes que envergonhasse sua família ou perdesse o futuro esposo Cardosinho.
— O que faço minha nossa Senhora da Conceição?
Assustou-se ao escutar a voz de Ricardo Paçoquinha falando baixinho atrás do banco de madeira dentro da igreja.
— ei, Mirela, Mirelaaa. Dizia ele
Ela olhou, segurando o terço nas mãos.
— Enquanto debulhava as pedras do rosário e murmurava com os lábios trêmulos pedaços de reza emudecidos.
 Ela olhou de soslaio para Ricardo e disse.
— Que diabo tu quer aqui! Tu não sabe que não podemos nos falar.
— É algo que sempre quis lhe dizer, mas esqueci. Ele respondeu.
Curioso, Mirela aproximou-se dele.
— O médico marcou minha cirurgia e depois disse que poderei ter filho.
— O quê? Repete o que tu disse?
— Eu disse que o problema de Varicocele vai ser resolvido e poderei ter filhos.
Mirela não sabia ao certo se queria aceitar aquilo que o ex-namorado dizia, mas poderia ser mesmo verdade, afinal foram cinco anos de namoro e com Cardosinho foi somente três meses, logo aparecera grávida.
            — Tenho que terminar minhas rezas. Tchau! Até mais.
         Ela o olhou e Ricardo Paçoquinha saiu. A jovem Mirela levantou e fitou de longe, vendo quando ele montou na moto. Agora, ela estava quase certa de que o filho era mesmo de Cardosinho, seu noivo. Mas, quando pegou a lembrar do homem do qual sabia tão pouco, ela hesitou. Vol­tou a sentar-se no banco da igreja e começou a rezar novamente, desta vez para agradecer a nossa senhora que lhe clareou a mente e retirou um grande fardo que levaria por toda a vida nos ombros.
Desde então, durante o curso de noivos Mirela expressava o amor como uma forma de agradar o abismo moral que a separava do grande amor da juventude. E quando os pais dela ameaçaram ter­minar o romance casando-a com o pretendente mais aceitável, Cardosinho ela encontrou o que tanto procurava na vida. Coragem.
Para iniciar uma nova vida, onde ninguém condenaria a união entre ela e Ricardo Paçoquinha, Mirela ainda segurando o boquê de flores, permaneceu imó­vel no altar, enquanto assimilava as reais implicações daqui­lo que iria suceder-se. Uma loucura de grandes proporções, assim como o Barras Futebol club ficar fora do campeonato piauiense. Cuidadosa, ela dobrou os joelhos no chão, pediu perdão a Deus e retirou- se para fora da igreja, correu para os braços de quem ela verdadeiramente amara, pois com Ricardo Paçoquinha não precisava mais temer o futuro e sabia que mesmo o filho não sendo dele, ele jamais abandonaria.

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