quinta-feira, 29 de março de 2012



 AS BARRENSES

CONTO V: 

A SOLTEIRONA DO SÃO CRISTÓVÃO


Isaura saiu da sala de costura da casa de sua mãe, dona Dorotéia e pediu um momento de privacidade na sua vida, após escutar por dez minutos, a mãe falar-lhe que ela devia casar. A mulher entrou e deitou na cama. Furiosa, Isaura dispensou toda aquela conversa armada e esperou que ela entrasse no quarto.
— Por que você não se casa logo minha filha?
— Isso é para se pensar mais tarde na vida, mãe.
No momento, Isaura precisava avaliar se poderia deixar de acompanhá-la nas missas da capela de são Cristóvão aos domingos pela manhã e dedicar-se exclusivamente a um marido. Ela sabia que não podia deixar de sair da casa da mãe, onde tinha tudo o que queria.
— Porque a senhora tem tanta pressa?
— Sabia que Juarez é um belíssimo rapaz! E ele é neto do fale­cido Pedro Tamanca lá do Exú.
O sorriso maravilhado de Isaura desapareceu. Juarez era um moço que já estava alto na idade, ele tinha a fama no bairro são Cristóvão de galanteador. Juarez sabia a arte da sedução com as mulheres, só que nunca arrastou asa para Isaura que também estava no auge dos quarenta anos.
— O Juarez? Mãe! — repetiu, chocada. — Quer dizer que a senhora faz vista boa e bom caso para aquele mulherengo!
— Sim! É um ótimo rapaz — Dona Dorotéia afirmou, sentin­do a felicidade dominá-la. — Aliás, se tiver sorte, eu o trarei aqui um dia para apresentá-lo.
— Não faça isso pelo amor de Deus.
— Estou enganada, ou você desapontou-se com ele.
Ela se recolheu toda na cama, depois que a mãe falou sobre o moço.
— Dizem aqui no São Cristovão que ele voltou de São Paulo com muito dinheiro. Estava em São Paulo? Sabia?
— Ouvi dizer!
—Oh, Isaura minha filha, há tantas homens aqui e lamento que você não  se interesse por ninguém.
Isaura ficou pálida.
— Já andam falando de você pelas bandas do Exú?
— De mim? Quem ousaria denegrir a imagem de uma moça tão ingênua!
Dona Dorotéia gemeu e fechou os olhos.
— Sinto muito, querida! Não faço idéia... Todos aqui do bairro.
— E como poderiam? 
— Devia procurar sua amiga Elisa agora, antes que seja tarde.
— Ela sabe quem anda falando?
— Mais ou menos — respondeu ela, insegura. — Por isso, tenho de confessar o meu interesse em seu casamento abertamente.
Isaura fechou a porta do quarto. Ela pegou uma bicicleta e partiu rumo à casa de Elisa. Não queria perder um minuto e tirar a limpo aquela estória. O povo do bairro contava que depois que ela passou a trabalhar na prefeitura, Isaura estaria de chamego com outra mulher e com isso pretendia nunca aceitar um pedido de casa­mento.
               Vinte minutos depois, suja e exaurida de piçarra chegava à casa de Elisa no Exú. A obtida conversa demorou intermi­náveis horas. Ela viu passando pela porta da casa de Elisa, o referido homem que sua mãe queria que ela casasse. Juarez queixava-se  dos documentos perdidos quando veio da localidade Luis de Sousa para o São Cristovão. Isaura quando o viu passando pedalando numa bicicleta e conversando com outro homem, pensou:
...E pensar que  mamãe quer que eu case com ele...
Juarez pedalava a bicicleta todo orgulhoso, mas com ar de insatisfação pelo acontecido.
— Tenho Certeza que foi depois da ponte do riacho Santo Antonio. Ele dizia.
Juarez também lhe contava que quando sentiu a ausência da bolsa, ele já tinha passado da vila são João. Portanto, ele devia mesmo ter perdido antes de lá. Em seguida, Juarez advertia de que o pior pro­blema seria retirar as segundas vias. Lembrando-se de como sofreu quando foi retirar a identidade na Prefeitura de Barras, quase não chegava a tempo da viagem a São Paulo.
Ele  achava um tamanho exagero a Prefeitura demorar um mês para entregar os documentos. Mas, felizmente assim que Isaura voltava da casa da amiga Elisa, havia achado algo no meio da estrada de piçarra, um objeto numa posição meio enlevado na areia que lhe permitiria parar para ver o que era. Uma carteira com mil reais no chão da estrada.
Olhou para ver de quem era... Ela ti­nha razão. Seria prudente devolver ao legitimo dono. Logo, ela preferiu esperar até que Juarez pudesse voltar lá do centro, pois tinha ido até ao balcão da solidariedade da FM Marathaoan, deixar um aviso de quem encontrasse a bolsa que devolvesse pelo menos os documentos. 
Já havia anoitecido na terra de marataoan, quando Juarez passou pela ponte do Pesqueiro, pediu uma dose de catuaba e em seguida montou na bicicleta e dirigiu-se ao Exú, quando Isaura o interpelou já na entrada do bairro. Ela jogou-se praticamente na frente da bicicleta, Isaura cansada demais de esperar Juarez voltar falou-lhe rapidamente.
— Juarez, tenho algo para você!
— O quê? Aposto que quer me convidar para ir a missa no domingo! Ele disse.
Ela olhou para Juarez e disse:
— Toma aí, imundo tua carteira, eita bafo de cachaça, Juarez.
— Onde achou? Nossa, estou aliviado por ver minha bolsa ilesa. Sei que não podia mais contar com o dinheiro e nem os documentos. 
Isaura fitou o semblante ansioso do homem. O respeito por ele crescia cada vez mais. De repente, recordou a estória que o povo contava pelo bairro.
 — Como faço para te agradecer, Isaura?
— Não é nada! Deixa para lá. Respondeu
           Quando voltou para casa ainda pensativa com as estórias sobre sua vida, Isaura sorriu e pensou que em parte, a mãe dela tinha razão. Juarez tinha um rosto alegre e veio perguntar-lhe se, após às oito horas poderia convidá-la  para uma festa na casa dele e se ela gostaria de sair a noite.
           O pai dele senhor Romeu do Pedro Tamanca havia de fazer na residência, uma recepção para o filho e os ami­gos. Isaura aceitou o convite de Juarez e riu quando passou pelo quebra molas perto da Escola Municipal Tancredo Neves.
— E aí, você vai a festinha?
— Não. Ela disse a ele, pode ser. Ainda vou pensar.
De súbito,  Isaura visualizou bem o rosto de Juarez. Ele expusera um rosto com olhar tão desolador, um olhar sedutor, olhar de soslaio.
— Tem certeza de que devo ir?
— Sim, claro! Será um prazer.
Isaura podia se esconder atrás de uma desculpa de ficar em casa com a mãe, porém, preferiu expressar suas reais intenções honestamente. Ela imaginou:
...Sei que só podemos ser amigos.
No en­tanto, preocupava-se com a reação dos outros no bairro. Não queria que a mãe se  constrangesse com os comentários das pessoas durante a missa na capela de São Cristovão.
Juarez segurou as mãos de Isaura.
— Você é uma mulher muito linda?
— Evidente que sim.
— Então, não duvide das minhas intenções com você. Possuo um grande poder de sedução, e o tenho usado a meu favor.
— Ela riu, mentira.
— Há semanas que arregalo olhares para você. Todos aqui no Exú sabem que estou louco para namorar você. Aliás, receio que você se sinta lisonjeada até demais com essa declaração.
De tão preocupado com expectativa de não ma­goar-se com Isaura que ele levou alguns minutos para assimilar o que lhe dizia.
— Está me pedindo para namorar comigo?
— Claro. Estou a sua disposição.
Surpresa e comovida, Isaura não sabia o que dizer. Estava vergonhosamente com o rosto todo vermelho.
— Devagar com o andor, Juarez! O santo é de barro! Ela disse.
Pensativo, Juarez fingiu entender.
Isaura riu.
— Até mais tarde na sua casa!
— Ok.
Juarez seria um ótimo partido para Isaura casar. Talvez, dali surgisse um amor profundo e mútuo. Quando chegou em casa, ela bateu à porta. A mulher não tinha dúvida de que um novo amor calaria a boca do povo no bairro. Tão logo a mãe retirou-se para dormir, Isaura arrumou-se para a festa na casa de Juarez no Exú.
Algumas horas depois, Juarez encontrava-se ao pé do batente da casa dela, com uma bicicleta moutain bike, esperando ela descer. Quando a mulher apareceu na porta, ele viu Isaura sus­pirar. Estava num vestido negro, que realçava-lhe os olhos castanhos mel, a solteirona do São Cristovão no auge dos quarenta anos estava magnífica. Com a dignidade de uma deusa, ela caminhava pausadamente e montou rapidamente na garupa da bicicleta.
— Parece mais jovem e linda a cada vez que a vejo?
— Ora, Juarez vou acusá-lo de flertar comigo. Aliás, acho que está exa­gerando.
— Deus sabe que é verdade — Juarez replicou. — Para mim, é uma beleza que encanta toda a sociedade barrense.
— Bobagem — ela retrucou, batendo no ombro dele com as mãos.
Isaura pensou já ter ouvido tudo de Juarez, porém  suspirou que não se imaginava como esposa, mas somente como uma dama adorável do bairro e saiu feliz na busca de não mais ser taxada de solteirona, ou melhor, coroa.

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