VALE A PENA LER DE NOVO
NOVELA BARRENSE
JOGO BAIXO
X
Na prisão
— Depois disso tudo, nós estamos aqui presos: o silêncio da cela antes de você chegar durava horas; a cela escura; agora as horas passam e
nem se ver o horário das três horas. Falou La marque. Antes de ser preso eu disse a Glória que papai a odiava: levantei-me junto dela na sala grande da Fazenda, segurei-lhe as mãos, rasguei seu vestido. Ela voltou à face perto de mim: eu disse com desdém:
—Então Glória satisfeita.
Ela permaneceu com o rosto voltado para Juliana.
— Adeus!
— O que me resta aqui nessa Fazenda?
Eu disse adeus e partir para longe. Talvez, o Pará, então eu posso chorar sem remorso preso aqui. Juliana ainda abraçou-me e beijou-me. Ela deixou o batom dos lábios em meu rosto. Quando ergui a cabeça, eu vi Glória debulhada em lágrimas nos ombros de Juliana.
— Tchau! Tchau!
La marque convidou Caçoleta ao banho de sol. Ambos se levantaram e o soldado Sousa abriu a grade da cela. Caçoleta na verdade chamava-se Lauro tinha cabelos grisalhos, uma tez negra, uma daquelas criaturas reumáticas que a coluna trava e só pode mesmo sentir dor, mas uma dor sem fim. Sempre com a barba por fazer e mãos negras de veias grossas, calejadas pelas intempéries do tempo, da roça, do trabalho duro no interior de Barras.
— Sabe La marque, no nosso caso, há sempre damas para nos levar a perdição.
— É a verdade Caçoleta.
Barras é a cidade do futuro e do progresso. O bar das Estrelas é uma alcova da perdição em pleno centro da terra de marataoan. Helena é uma sacerdotisa do amor. Os homens gostam dela como uma amásia, uma amante de aluguel. É ótimo requisitar o gozo dos serviços amorosos, da convulsão do amor pago, o beijo lascivo por uns minutos.
— Já pensou que ela poderia ter assassinado Samantha.
— Não! Não pensei nisso.
A face daquela mulher na noite que encontrei Samantha morta estava pálida, Helena parecia nervosa. Pelas faces dela, rolavam fios de lágrimas falseados. O céu frio, o frescor das águas da chuva exalava pela biqueira das telhas como suspiro do marataoan em época de cheia. A noite ia bela até encontrar Samantha. Eu caminhava a sós pela rua são José perto de onze e meia da noite.
As luzes dos portes elétricos se apagaram, sabe basta chover em Barras para faltar luz, as ruas para o lado da rodoviária estavam ermas, e o céu com nuvens carregadas. Com o sereno da noite que caia eu vi, mas não tenho certeza se era um vulto de mulher entrando solitária para os fundos do Bar das Estrelas na escuridão.
O que vi estava de branco, acho que seda branca. Encostei-me perto de um porte para urinar. A visão do vulto desapareceu no escuro da rua. Do bar das Estrelas só uma voz melodiosa de Berenice que já adormecia perto da sinuca. Depois a voz de Berenice calou-se e nem viu quando passei perto dela.
Do quarto de Helena apareceu uma fresta de luz pela porta. Parecia espreitar e alguém observava. Não vi ninguém no pátio que divide os quartos das meninas para o salão principal do bar das Estrelas. Eu segui até o quarto de Samantha e você já sabe o que aconteceu. Lembro que naquela noite do céu caía uma chuva com gotas pesadas, gotas que eu sentia nas faces caírem como grossas lágrimas.
Andei por longo tempo pelas ruas alagadas: enfim a polícia me parou: Estava preso. Aqui, ali, eram somente comentários do povo nas esquinas, no mercado. Naquela noite preso não sei se adormeci: sei apenas que quando amanheceu achei-me só nessa cela. Contudo a visão de Samantha pálida, debruçada sobe a cama não foi ilusão. O frio da noite numa cela de cadeia causava-me febre. No meu delírio eu via Samantha passar e passar várias vezes perto da grade da cela.
Aquela mulher, minha amada parecia gemer em soluços e todo aquele devaneio se perdia quando o cabo Villaça chegou por volta das cinco da manhã e despejou uma balde de água gelada sobre mim...
— Não achas que foi Helena? Perguntou Caçoleta.
— Helena! Exclamou La marque.
— Sim pode ser uma mulher!... Por que não?
— Não pensei nisso...
— O que você teve com Helena?
— Eu nada, já Samantha!
— Elas eram amantes?
— Sim!
Horas depois que voltei do Pará, ainda no terminal rodoviário presenciou minha discussão com Samantha antes delas irem ao salão de cabelos. Eu vi quando Helena chegou os lábios na boca de Samantha cumprimentando-a. Por volta das três e meia da noite, Helena procurou-me por Samantha. Ela foi lá e propôs-lhe uma orgia. Helena deu um último olhar à forma nua e adormecida de Samantha e beijou-a com os seus lábios úmidos, dos gemidos de agonia na voluptuosidade do amor de amantes. Não sei como Helena chegou tão rápido ao bar das Estrelas; sei apenas que ela já estava lá com Samantha antes que eu chegasse.
— Quem sabia dos 30 mil cruzeiros? Interrogou Caçoleta.
— Eu, Samantha e Helena! Disse La marque.
Quando abri a porta do quarto de Samantha, digo que, ignoro que estavam fechadas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora da cama. Quando dei por mim já estava Helena caminhando no escuro. As nuvens corriam negras nos céus barrenses e uma luz de uma lâmpada no pátio
era acessa.
— Com quem estava o dinheiro?
— Eu disse que estava com Samantha!
— Tá na cara que foi Helena!
— Como assim?
— Não vê que ela fez isso pelo dinheiro. Foi ela! Foi ela!
— Será?
A luz sombria da noite os alumiava no aperto da cela, contudo, havia alguma coisa de estranho acontecendo para a sala do delegado. Minutos depois chegava o cabo Villaça com um homem algemado pelas mãos. O cabo deixava-o juntamente com os dois presos.
— Boa noite, senhores! Disse cabo Villaça. Um novo companheiro para vocês! William Pequi, amante da prostituta Berenice!
— Quem é William Pequi? Interrogou La marque.
— Que importa! Disse o militar. Quem pergunta nome de marido de prostituta?
Quando o cabo abriu a grade, ele entrou. O primeiro som que lhe saiu da boca foi um grito de medo na cela escura... Mal o militar fechou a grade, William Pequi bateu nela. Tinha ouvido seus companheiros sentados no fundo da cela. Reclamou para o homem abrir, mas tudo em
vão. Ele fechou a grade com o cadeado e saiu. Meia hora depois William Pequi conversava com os dois companheiros.
A turvação da escuridão ocultava as faces dos dois homens presos ali. Quando entrou na cela viu os dois vultos sentados na parede e ocultos no fundo da cela, somente denunciados a presença por um cigarro fumado por um deles. Dez minutos foi o tempo que levou o amante de Berenice. William Pequi calado perto da grade da cela até interromper o silêncio e começar a prosear com os dois companheiros.
— Por que está preso William? Perguntou La marque.
— Cai no golpe de uma safada!
Uma mulher me fez ir até o bairro Boa Vista. Derrubei uns tijolos com uma picareta e cavei um buraco na parede do quarto. Tomei então uma
mala nos braços, apertei-a meu peito e olhei-a o que tinha dentro e entendi tudo o que ela queria. Estava cheia de dinheiro. Eu não sou bandido, mas desde que eu conheci aquela mulher coloquei meus pés na cova.
— Helena, o nome dela!
— Como sabe o nome dela? O cabo Villaça contou para vocês!
Um dos companheiros de cela se ergueu do chão com meia voz: O escuro da cela com a claridade da lâmpada no corredor da cadeia pública contrastava-lhe as faces do jovem moço com as rugas da fronte de La marque. Por entre os cabelos prateava-lhe o reflexo da luz da lâmpada incandescente. William Pequi falou: Helena já saiu daqui de Barras; ela foi embora do bar das Estrelas que trabalhava.
— Caçoleta! Tudo que disse foi sensato!
— La marque! Tudo isso não é um sonho!
— Que diabos vocês dois estão dizendo! Não estou entendendo nada! Por Deus? Disse William Pequi.
— Deus! Crer em Deus William Pequi? Perguntou La marque.
— Sim! E nos santos também. Disse.
— Eu também! Disse La marque. Então reze para nossa Senhora da Conceição livrá-lo da cadeia.
— Danou-se! Tudo aquilo que Helena me disse é mentira! Ela fugiu com todo o dinheiro.
— Sim, William! Helena é uma mulher insensível e que domina os homens. Uma mulher da noite, uma mulher insana, falsa e esquiva, que ela mente e embriaga como um beijo de mulher.
— Bem! Muito bem! La marque! Falou Caçoleta.
— Ela roubou-me duas vezes!... Disse La marque.
— Como assim? Perguntou William.
— Roubou-me Samantha e tudo que consegui no garimpo!
Os três homens conversavam entre uma baforada de cigarro e outra.
— O primeiro que ela enganou fui eu. Eu sentia que a mulher me aturava. No começo fiquei temeroso. Helena era amiga de Samantha e inconsequentemente tomou-a nos braços por vinte anos. Tomou seu corpo;
— Uma história medonha, não, William?
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