segunda-feira, 24 de setembro de 2012


VALE A PENA LER DE NOVO
NOVELA BARRENSE 
JOGO BAIXO


VI
Samantha e La marque

A história de La marque e Samantha teve inicio como qualquer um caso amoroso e proibido, já condenado desde o começo pelas leis da moral e de Deus. Foi mais ou menos assim. Dizia ele entre uma baforada do cigarro hollywood e uma gargalhada do companheiro de cela o velho Caçoleta que erguia a cabeça ao fundo para escutar a estória do garimpeiro preso por crime de assassinato.

...Eu a amava com mil loucuras. E não é escárnio descrever isso.

Sempre me lembrei de tudo que fazíamos ás escondidas. Samantha era a mulher do vaqueiro de meu pai, Pedro Malta. Ele teve que internar-se ás pressas no hospital Leônidas Melo vítima de um dente de uma cobra peçonhenta encontrado na bota dele e dias depois veio a óbito. Disseram que foi por causa do veneno. Depois da morte do homem minha vida transformou-se em um romance sem um final feliz. Eu lembro que Samantha foi à primeira mulher que realmente amei na vida.

— Samantha! Samantha! Um amor verdadeiro que foi como uma lenda, amor verdadeiro é sempre uma lenda, mas que importa se essa lenda não mais existe?

A vida é como um jogo de damas e para as damas. O amor é um jogo de damas para umas damas. Um dia viver o céu, outro viver o abismo. Um dia viver uma vida de ouro, outro viver o redemoinho no fundo do poço, numa cela de cadeia pública. Meu pai é Francisco Mafagafos, um homem já falecido que foi dono de muitas posses, muita terra para o lado do Mocambo, último dos velhos coronéis das Barras de marataoan.

O velho adoecera e gastou muito com o tratamento de saúde. Isto nos empobreceu de vez, nos endividou bastante. Nossa vida de conforto chegou ao fim. Para completar um incêndio na solta de capim. Eu acho que foi criminoso e o fogo devastou todo o pasto do gado. A terrível tuberculose alimentou a seiva de morte do velho. Depois da morte de meu pai Francisco Mafagafos, o meu lance para sustentar os cinco irmãos e salvar a Fazenda rio Doce das muitas dívidas foi o Estado do Pará. 

Muitos foram para lá e voltaram ricos, já outros não. O garimpo da Serra Pelada era a caixa de fortuna para uma vida inteira. Lá eu fiquei rico, mais muito rico. Final dos anos oitenta na Serra Pelada ninguém ostentava mais riquezas do que eu. Consegui salvar a Fazenda das dívidas, mais paguei um preço muito caro. 

Perdi meu amor, perdi Samantha. Muito ouro e nenhum garimpeiro gastavam tanto dinheiro nas noites paraenses, como eu gastava, porém o suor de vinte anos no garimpo não se esvaia no leito solitário das mulheres perdidas na vida fácil e nos salões das orgias noturnas. 

Jurei para meu pai salvar a Fazenda secular da família e parti para o garimpo com a promessa para Samantha de voltar para casarmos. Quando cheguei ao rancho no meio da floresta amazônica, eu ali finquei os sonhos com se finca uma âncora. O encarregado do garimpo um homem muito bom, mas ambicioso que nas faces enrugadas caiam-lhe os crespos cabelos onde a ambição almejava alguns quilates de ouro e mais
ouro. Assim que iniciei o trabalho ele indagou-me:

— Quem é você La marque?

— Um desgraçado que não pode viver na terra que nasceu, e não se deixa morrer no leito que viveu. Respondi.

— Quer fazer a vida aqui no Norte?

— Sim, senhor. Respondi.

— Aqui é onde está a sua liberdade ou prisão rapaz.

— Liberdade ou prisão, o certo é que não entendi!...

— Sim liberdade, liberdade rapaz, é a riqueza, ninguém é livre se não for rico, mas também pode ser uma prisão, o dinheiro.

— Não quer ser rico? Pois descruze os braços.

O chefe do garimpo franziu as sobrancelhas, e passou adiante para o lugar juntamente com muitos homens com pás e enxadas. No rancho tinha uma bela moça. Os garimpeiros a respeitavam. Quando pelas noites de lua cheia por entre os arvoredos da floresta, ela sentava perto da fogueira e com as mãos segurando a face apreciando a linda visão lunar. Era a mulher do chefe dono do garimpo. Raimundo Dias era um homem brutal e valente. Ele já tinha a desposada de um homem por vinte pepitas de ouro. 

Durante uma noite de outubro de 1979 abriu-se à lua solitária no céu, e adormeci pensando nela ao frio da floresta aquecendo-se perto da grande fogueira. Os outros homens que trabalhavam no garimpo foram para uns bordeis que ficavam longe uns trinta quilômetros do rancho, eles iam amar, mas amar muito. Eu fiquei só na minha rede. Ouvi muitos garimpeiros e seus amores singelos: eram moças loiras de Marabá e de Conceição do Xingu, alguma de cabelos negros pareciam mais índias do que meretrizes. Eu fiquei de vigília a noite toda esperando os outros chegarem dos bordeis.

O chefe confiou-me a honra da esposa para vigiá-la na sua ida para a cidade. Eloá tinha uma melancolia, uma tristeza no rosto, ás vezes ela ria sozinha, mas era um riso tão triste que doía. Coitada! Com suas lágrimas, com seus sorrisos, com seus olhos úmidos e os seios intumescidos de suspiros, aquela mulher me enlouquecia as noites. Era como uma vida nova que nascia cheia de desejos no meio da floresta, quando eu a via. O chefe não retornou naquela noite e nem na noite seguinte. Durante uma madrugada, ela foi até minha tenda.

Eloá chegava cada vez mais perto da minha rede. Eu não dormia, virei de lado. Ela fugiu, enfim a mulher cedeu novamente. Toda aquela noite, eu passei com a mulher do dono do garimpo nos braços. Era uma mulher que enlouquecia qualquer homem. Os gemidos nos sufocavam e nós rolávamos abraçados, deitados na rede. Quando a barra avermelhada do dia nos céus, anunciava ela voltava para a tenda e o homem chegava com os mantimentos da semana.

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