quinta-feira, 27 de setembro de 2012


VALE A PENA LER DE NOVO
NOVELA BARRENSE
JOGO BAIXO


IX
Morte do vaqueiro

O locutor anunciou o grande vencedor da V grande Vaquejada dos Mimosos. Correu-se por toda a região o nome de Pedro Malta como o vencedor. A última porta abria-se para nosso romance. O vaqueiro empolgou-se com o prêmio da competição. Ele dedicava-se as vaquejadas e fazia uma viagem atrás de outra.

— E não era perigoso? Perguntou Caçoleta.

— Sim, mas quando se ama, o perigo quase inexiste.

Logo, Pedro Malta adoecera. Ele foi retirar o cavalo de dentro da solta para competir e uma cascavel picou o homem, aliás, um dente de cascavel cravado na bota dele, se o dente estava ali e foi intencional ninguém prova. O vaqueiro chegou ao hospital Leônidas Melo já quase sem forças.

— Um de nós teria que dar lugar ao outro.

— E o que Samantha dizia de tudo isso? Interrogou Caçoleta.

— Ela tinha medo, medo de tudo e de todos no lugar.

— E com a morte do Pedro Malta?

— O que teve? Ah! Ela seria minha, sem precisar de um ter que matar o outro.

A notícia da morte dele chegou à Fazenda a meia-noite. Eu estava para ir à cidade.

— Pedro Malta morreu!

O destino foi quem escolheu com a ajuda de um dente da cascavel cravado na bota do homem.

— Agora vamos almoçar Caçoleta, esta estória me deu fome. Disse La marque.

— Espera, tenho mais uma pergunta. O que aconteceu depois disso.

Ajoelhei-me junto ao meu leito para rezar por ele e agradecer a Deus pelo presente. Quanto a minha amante, o seu amor se saciaria só do meu. Eu amava mais ainda a mulher. No velório chegamos a caminhar lado a lado no cortejo.

— E o povo não desconfiava?

— Não. Eu lá queria saber o que o povo iria pensar. Tive uma ideia: era uma boa hora de ajudar uma viúva.
Assim que terminavam o almoço, La marque contou a história do pai Chico Mafagafos.

— Eu não gosto de contar essa história, porque meu pai não é tão inocente.

— Sim, conte a história! Disse Caçoleta.

— Sim: a história é que meu velho pai Chico Mafagafos morreu de tuberculose. Sabe, Caçoleta, um filho desesperado e o que um filho não faria para salvar o seu herói. É certo que um erro não justifica outro, mas é preciso reparar ou amenizar o dano causado... É uma lembrança triste essa que vou revelar, porque é a história de meu pai, o velho Chico e de duas mulheres. 

Chico Mafagafos, um desses velhos coronéis donos de terra aqui em Barras. Recentemente tinha comprado uma casa no bairro Boa Vista para eu e minha irmã Glória estudar na cidade. O velho Chico Mafagafos depois que minha mãe dona Princesinha morreu, ele casou de novo com uma beleza de mulher beirando os dezenove anos. Diziam uns lá da Boa Vista que o casamento da jovem foi por interesse e que o velho não daria conta da beleza da moça.

A pobre moça vivia de servir o velho e era tratada como uma escrava. O fato é que ele a tratava mesmo como escrava. Juliana era a única filha do senhor Romeu com dona Judite. Uma menina linda como uma rosa e loira como um anjo. Senhor Romeu devia a renda de uns hectares de terra plantada quando das últimas roças feitas. Juliana era aprendiz de costureira na fazenda Rio Doce. Ela era linda aos dezoito anos com os cabelos e as faces joviais. 

Depois que mamãe morreu, meu pai Chico Mafagafos cobrou a dívida do senhor Romeu. Chico Mafagafos era um tipo de mancebo que andava sempre pensativo e melancólico depois da morte da esposa. Ele tratou de cobrar a dívida ao homem. Ele não tinha como pagar e ofereceu a filha quase da idade de Glória, minha irmã. Juliana completara dezenove e Glória tinha vinte anos. Mas lá se foi à filha de senhor Romeu no auge dos dezenove anos. 

Com o tempo Juliana passou a amar papai: eu sei que não era um sentir tão puro! Era um sentimento solitário. Como eu o disse: minha única irmã, Glória. Glória sempre foi uma moça pálida, de cabelos castanhos e olhos azulados; sua pele era branca, a face rosada. Juliana a queria como uma irmã, não como madrasta. Seus risos, seus beijos de mulher aos vinte anos, não eram sós de irmã, era algo a mais que Glória queria.

À noite, antes do velho Chico se deitar, Juliana ao passar pelo quarto de Glória para dar boa noite, a lâmpada se apagava e um beijo pousava os lábios de Juliana nas trevas. Muitas noites foram assim, até o velho Chico Mafagafos descobri tudo entre elas. Uma noite — papai fingia dormir — Juliana saiu do quarto deles e foi até o quarto de Glória, quando Juliana entrou no quarto e fechou a porta: deitou-se ao lado da minha irmã e adormeceu nos braços dela.

O fogo dos dezenove anos, a primeira perca virginal da beleza, ainda inocente, o seio seminu de uma moça a bater sobre o de outra mulher, isso tudo... Ao despertar dos sonhos na alta madrugada. Papai enlouqueceu com o que estava acontecendo... Todas as noites Juliana iam ao quarto de Glória. Três meses passaram-se assim. Um dia entrou ele no quarto e disse:

— É isso que vocês fazem!

— É preciso que não conte a ninguém, papai. Disse Glória.

—Calem-se. Há quanto tempo são amantes?

Juliana calou. Glória disse:

— Desde que Juliana chegou aqui!

E caiu em choros e soluços. Chico Mafagafos carregou-a assim frio e fora de si para seu quarto. Que havia de eu fazer? Contar tudo ao povo ou ficar em silêncio? Foi uma loucura para o velho... Ele a mataria e Glória pelo menos seria expulsa de casa. Juliana e Glória não se falaram mais. Papai levantava toda a noite e saia no escuro. Já não dormia por causa da próstata. Eu, contudo não me esquecia do mal que fiz a minha irmã Glória, nem ela se esquecia de mim e do que fiz.

O amor de Glória por ela era o mesmo: quando papai dormia, Juliana e Glória tinham noites de esperança e sede de se amarem. Mas às vezes o sono de papai passava e o encontro delas dissipava-se como névoas. Um dia, ele me confidenciou tudo... Foi horrível. Preferia ver Glória morrer a ser uma amante de outra mulher. Ele já tinha planos para matar Juliana. Não sei o que fiz com papai, mas dei um remédio para curar a tuberculose dele, e minutos depois ele ardia em febre e murmurava palavras desconexas que ninguém podia entender de tão apressadas e confusas.

Entrei no quarto dele: disseram-me que estava muito doente. Papai ergueu a cabeça com a grande barba grisalha, a face úmida de um suor, chamou-me. Sentei-me junto do leito dele. Apertou com força a minha mão em suas mãos frias e ele murmurou nos meus ouvidos:

— Perdoe-me pelo que te fiz!

Deu um último grito, o último suspiro convulsivamente retorcendo-se no leito, lívido, frio, banhado de suor gelado, e arquejou. Dois meses se passou até Glória me arrumar o dinheiro para viajar ao Pará. Eu parecia endoidecido antes de ver papai morrer. Quando voltei fui preso. Aqui estou. Mas sei que todas as noites elas se fecham no quarto onde papai morreu. Juliana e Glória passam longas horas e no silêncio arfam-se com ânsia, afogando-se em gemidos de um amor proibido. Porém, sei que o alvará de soltura será despachado na próxima semana. Serei homem livre.

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