CONT. DA REPORTAGEM SOBRE O CONTO
CRIAÇÃO LITERÁRIA
Estrutura
A estrutura do conto corre em linhas paralelas com as
unidades e o número de personagens. Essencialmente "objetivo", "plástico",
"horizontal", o conto costuma ser narrado na terceira pessoa. Constituindo-lhe
a realidade concreta e viva o terreno de eleição, não se afina com a
introspecção ou o "fluxo da consciência", apanágio do romance
intimista. E divagações e digressões são dispensáveis; seria comprometer-lhe a
estrutura: breve história que é, no conto todas as palavras hão de ser
suficientes e necessárias, e convergir para o mesmo alvo.
Assim se explica também que o dado imaginativo se subponha, genericamente,
ao dado observado. A imaginação evita perder-se no vácuo, prendendo-se
plasticamente à realidade histórica. De onde o realismo, a verossimilhança em
relação à vida: o conto não admite malabarismos que coloquem em risco sua
fisionomia peculiar. A técnica de estruturação do conto assemelha-se à técnica
fotográfica: o fotógrafo concentra sua atenção num ponto e não na totalidade
dos pontos que pretende abranger no visor; focaliza um detalhe, o principal, no
seu entender, e capta-lhe os arredores, de modo não só a fixar o que vê, mas
também o que não vê.
Não raro, um flagrante surpreende pelos pormenores
revelados, e que escapam aos propósitos do fotógrafo; quantas vezes, minúcias
indiscretas ou indesejadas se imiscuem na fotografia, prejudicando-a em
definitivo, ou, ao revés, dando-lhe um sabor especial? Quem já não experimentou
tal surpresa ante velhas fotografias? Uma imagem bem conseguida seria aquela em
que os pormenores involuntários se harmonizam com o âmago da cena, dando a impressão
de uma paisagem que a olho nu não perceberíamos, dispersos pelas minúcias que
nos atraem ou desatentos às várias que a retentiva do fotógrafo detecta.
Daí a similitude com o conto: este, organiza-se em torno de
um núcleo rodeado de satélites. O êxito estético residirá na coerência interna
desse microssistema solar; e o malogro, na sua inadequação. Quem não se
lembrará, ao deparar a analogia entre o contista e o fotógrafo, de "Las
Babas del Diablo" de Julio Cortázar, transposto para o cinema com o título
de Blow-up? Uma fotografia é o núcleo do conto: ao ser ampliada, revela
um cadáver semioculto por trás de uma sebe. Mistério. Assassínio? A narrativa
constitui a metáfora do conto como estrutura e como flagrante da realidade.
Nesse quadrante se move inclusive o conto moderno situado na
categoria do "realismo mágico". A presença do fantástico ou do
maravilhoso é ingrediente de conteúdo que respeita as normas do conto. A observância
das normas não significa diminuição da liberdade criadora, mas a consciência de
que as possíveis alterações técnicas de caráter experimental não perdem de
vista o espaço em que se processam. Do contrário, o resultado seria tudo menos
conto.
Assim é, por exemplo, "Sonho", de Histórias da Terra Trêmula (1977), de Moacir Scliar. O protagonista, Martim, "tem
o seguinte sonho: Vê-se entrando num quarto de dormir. Inclina-se sobre a
pequena cama e olha, na semi-obscuridade, a criança que lá está. A criança é o
próprio Martim, aos dez anos". A criança ri, "uma risada galhofeira.
Um riso de deboche". Martim pensa em esbofeteá-la. Mas "fica a olhar
o rosto calmo da criança. (...) Acorda. A mulher o sacode, olhando-o com
suspeita.
- Estava dormindo, Martim? - Claro! - Ele, aborrecido, sonolento.
-
Mas estavas rindo! - diz a mulher.
-
Quem? Eu? - Martim não acredita.
-
Tu, Martim. Tu mesmo.
-
De que seria? - interroga-se Martim, o triste Martim."
Duas fotos superpostas - "Num meio-dia de fim de primavera, Tive um sonho com uma
fotografia", diria Alberto Caeiro -, ou uma
foto em dois planos: o da "realidade" presente e o do sonho, remetido
à infância. Tudo atravessado por uma brisa de magia, que não modifica, porém, a
estrutura do conto.
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