segunda-feira, 10 de setembro de 2012



CONT. DA REPORTAGEM SOBRE O CONTO
CRIAÇÃO LITERÁRIA


Estrutura

A estrutura do conto corre em linhas paralelas com as unidades e o número de personagens. Essencialmente "objetivo", "plástico", "horizontal", o conto costuma ser narrado na terceira pessoa. Constituindo-lhe a realidade concreta e viva o terreno de eleição, não se afina com a introspecção ou o "fluxo da consciência", apanágio do romance intimista. E divagações e digressões são dispensáveis; seria comprometer-lhe a estrutura: breve história que é, no conto todas as palavras hão de ser suficientes e necessárias, e convergir para o mesmo alvo.

Assim se explica também que o dado imaginativo se subponha, genericamente, ao dado observado. A imaginação evita perder-se no vácuo, prendendo-se plasticamente à realidade histórica. De onde o realismo, a verossimilhança em relação à vida: o conto não admite malabarismos que coloquem em risco sua fisionomia peculiar. A técnica de estruturação do conto assemelha-se à técnica fotográfica: o fotógrafo concentra sua atenção num ponto e não na totalidade dos pontos que pretende abranger no visor; focaliza um detalhe, o principal, no seu entender, e capta-lhe os arredores, de modo não só a fixar o que vê, mas também o que não vê.

Não raro, um flagrante surpreende pelos pormenores revelados, e que escapam aos propósitos do fotógrafo; quantas vezes, minúcias indiscretas ou indesejadas se imiscuem na fotografia, prejudicando-a em definitivo, ou, ao revés, dando-lhe um sabor especial? Quem já não experimentou tal surpresa ante velhas fotografias? Uma imagem bem conseguida seria aquela em que os pormenores involuntários se harmonizam com o âmago da cena, dando a impressão de uma paisagem que a olho nu não perceberíamos, dispersos pelas minúcias que nos atraem ou desatentos às várias que a retentiva do fotógrafo detecta.

Daí a similitude com o conto: este, organiza-se em torno de um núcleo rodeado de satélites. O êxito estético residirá na coerência interna desse microssistema solar; e o malogro, na sua inadequação. Quem não se lembrará, ao deparar a analogia entre o contista e o fotógrafo, de "Las Babas del Diablo" de Julio Cortázar, transposto para o cinema com o título de Blow-up? Uma fotografia é o núcleo do conto: ao ser ampliada, revela um cadáver semioculto por trás de uma sebe. Mistério. Assassínio? A narrativa constitui a metáfora do conto como estrutura e como flagrante da realidade.

Nesse quadrante se move inclusive o conto moderno situado na categoria do "realismo mágico". A presença do fantástico ou do maravilhoso é ingrediente de conteúdo que respeita as normas do conto. A observância das normas não significa diminuição da liberdade criadora, mas a consciência de que as possíveis alterações técnicas de caráter experimental não perdem de vista o espaço em que se processam. Do contrário, o resultado seria tudo menos conto.

Assim é, por exemplo, "Sonho", de Histórias da Terra Trêmula (1977), de Moacir Scliar. O protagonista, Martim, "tem o seguinte sonho: Vê-se entrando num quarto de dormir. Inclina-se sobre a pequena cama e olha, na semi-obscuridade, a criança que lá está. A criança é o próprio Martim, aos dez anos". A criança ri, "uma risada galhofeira. Um riso de deboche". Martim pensa em esbofeteá-la. Mas "fica a olhar o rosto calmo da criança. (...) Acorda. A mulher o sacode, olhando-o com suspeita.
- Estava dormindo, Martim? - Claro! - Ele, aborrecido, sonolento.
- Mas estavas rindo! - diz a mulher.
- Quem? Eu? - Martim não acredita.
- Tu, Martim. Tu mesmo.
- De que seria? - interroga-se Martim, o triste Martim."
Duas fotos superpostas - "Num meio-dia de fim de primavera, Tive um sonho com uma fotografia", diria Alberto Caeiro -, ou uma foto em dois planos: o da "realidade" presente e o do sonho, remetido à infância. Tudo atravessado por uma brisa de magia, que não modifica, porém, a estrutura do conto.




Nenhum comentário:

Postar um comentário