CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 33
O azulado dos céus barrenses deixava
de assumir sua forma belíssima e o romper do vermelho da aurora do repentino
dia brilhava em áureos raios. O mercado público despertava da sonolência da
madrugada. O dia trazia no lombo os seus aforismos e adversidades. O barulho no
mercado ás cinco horas da manhã despertava com a imponência da intranqüilidade.
Os eternos freqüentadores do
mercado público, com suas conversas a jogar fora e debater os últimos assuntos
políticos da terra de marataoã, já formavam um grande círculo nos pés dos Box,
outros na entrada olhando os milhos espalhados por cima da lona no chão. A fila
da carne serpenteava de um lado ao outro e em outras vezes cruzavam-se.
- Me desculpe, me
desculpe, mas não quero só osso! Coloca da polpa, por favor.
- Ei, um litro de leite, mas esse
aqui não tem água não é?
O mercado público parecia ganhar
vida nas manhãs barrenses. O enxameamento do povo lotando as dependências era
de enxugar à vista. De longe já dava para ver a soberania do senhor Cassimiro
sentado na banca de dona Teresa. Ele próprio olhava para aquele povo todo e
conversa vai, conversa vem e os outros amigos apropriavam-se de debater a vida
dos outros, mas sempre com humor e belas gargalhas.
- Fale de mim, bem ou mal, mas
falem! Dizia o mais engraçado no papo, o Cândido conhecido por Ventinha de
suvela.
O astro rei dos céus avançava no ar
e acelerando o papo da moçada que não via as horas passar.
- É verdade senhor Cassimiro que
Barras já teve teatro?
- Sim! E dos bons. Como tudo em
Barras, com o tempo transforma-se em ruína contínua, tudo aquilo acabou. O cineteatro,
há muitos anos, na minha mocidade, não conto ás vezes, nos anos de 1980 para 81,
quando tinha lindas peças teatrais e filmes por lá. Isso, eu não perco nunca na
minha memória.
- Mas porque fizeram isso?
- Porque somos um povo que não sabe
preservar seus valores, os costumes, a cultura.
Ainda hoje vejo jovens teatrólogos
barrenses influenciados pela Epicuréia barrense, sobre o tablado balbuciante do
cineteatro, como grande marco cultural dos anos oitenta reluzindo para platéia,
os dramas e tragédias da vida cotidiana que se modernizava.
É um tempo, Cândido não muito longe. Eu não sou de lembrar o
passado, por que quem lembra é nostálgico, mas é que em Barras muita coisa
bonita se perdeu, se perdeu.
- Sou de outra época Cassimiro, do
tempo do Clube de jovens na Boa vista e das grandes festas no Clube de Ouro.
Sou do tempo em que numa matinê
pegava as negras e arrastava pelo salão, escutando o som de Carlos Gardel. É
bom sempre nós passarmos para os jovens esses valores, de um outro modo, de um
outro tempo, quando nossa mente busca imagens de uma Barras perdida no
pretérito. Ali sim era que era música. E tinha letra! Onde se via o Clube de
Jovens lotado de belas moças e rapazes no começo dos anos oitenta.
-Ei, tu lembra Cândido de mais além!
De quê? Do Gaspar? Do Gaspar, o poeta louco? Sim, lembro! Ele em plena praça de
santa Luzia a ler os versos em voz alta e o pessoal gritando é outro Chico
Trem! É outro Chico Trem! Cassimiro, tu também fez parte da Epicuréia Barrense
que eu sei. Sim, sou eu um homem sapiente nas letras, Candido.
- Por isso demoro em falar, o que
vivi, o que observei, o que apreendi, durante tantos anos quero repassar para
minha neta Eunice. Vou-me embora, até mais, paga o cafezinho para dona Teresa,
viu, ela não vende fiado. Do lado de fora do mercado cães mastigavam as
sangrentas vísceras das aves abatidas em uma briga constante com os abutres.
- Esse prefeito não manda colocar uma
lixeira nesse mercado, ou coisa imunda!
- Você sabe em quem votaram o pessoal do
Mocambo?
- De onde?
- Do Mocambo!
- Uns dizem que no prefeito Firmino
Carneiro, outros no candidato da oposição Romeu da Bodega.
- Não, não se assuste. Apenas ouça. Esse fim
de ano, não tem como o prefeito não demitir os serviços prestados da prefeitura.
É! O rombo está grande nos cofres públicos. Ventinha de suvela emendava na
prosa, como é que pode compadre Cassimiro, o prefeito Firmino Carneiro, um
homem magro daquele, alto que nem uma girrafa, de uns 1,97m de altura, vestido
todo de terno no cotidiano, mas acima de tudo, um sujeito arrogante quando está
na prefeitura.
- Pois é, um bicho velho daquele quem não
era. E acima de tudo, corcunda, mas só anda pela praça da matriz de cabeça
levantada, inteligente ele não é, faz-se de culto para enganar as pessoas.
Agora ele compadre Ventinha de Suvela que ele tem uma lábia invejável por todos
os políticos barrenses, tem.
Ele poderia
fazer de tudo para não deixar o Palácio da Casa Rosada, afinal político nenhum
quer deixar os privilégios, o luxo, mas quando o povo não quer, não quer. Também
compadre Cassimiro, o Firmino Carneiro só desejava ver os parentes empregados
por quatro anos ou mais na prefeitura.
- Comigo é assim, dizia ele – “
Tenho é dinheiro para comprar o povo". E saia daqueles lábios trêmulos,
lábios cheio de soberba, uma coisa que no fundo era fundamental, dinheiro em época
de eleição faz muita coisa, só que naquele ano o povo barrense deu o troco.
- O pessoal de Barras se politizou
criticamente. É estranho, mas Firmino Carneiro tinha que pagar caro, o povo não
aceitou o alinhamento político, com o grupo de Esperantina. Sim, sim, Prefeito
Firmino Carneiro não se mantém mais na moralmente firme, agora é cuidar de
enxugar as contas da prefeitura.
- O que dizem por aí? Onde? Pelo
mercado público, sei lá nas esquinas!
O pessoal ficou com o pé atrás da
última nomeação de secretário de saúde! Com o tempo, o povo esquece e tudo fica
na paz. As
famílias do centro não estão mais sob a dominação do prefeito, nem mesmo depois
da ajuda para os festejos.
Firmino Carneiro tem que buscar uma solução política, para os gastos da
prefeitura depois que perdeu as eleições. O homem investiu tudo na política,
até passou por cima dos seus princípios, ou mesmo correu o risco de ser pego
pelo Tribunal de Contas, mas pagou o preço. Bem feito ter perdido o
pleito.
AGUARDE CAPÍTULO 34
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