terça-feira, 10 de julho de 2012


PENÚLTIMO CAPÍTULO
ROMANCE CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 39


Desde que dona Sinhá falecera, Aurélio vivia dias inteiros tentando apagar da memória, um pouco da afetividade que tinha pela mãe. E os dias no quartel até compensava as decepções da vida. O dia inteiro de canseira a que o rapaz era submetido entre uma instrução e outra fazia com que esquecesse um pouco do passado.

Numa manhã do mês de outubro de 1996, ele recebeu uma carta do amigo João Alberto. O coração dele sacudiu de felicidade.  O melhor amigo queria saber das novidades do quartel. Perguntava sobre namoro, a casa do tio dele. Aurélio respondia falando sobre os colegas de alojamento. Contou a estória do soldado Jessé e de Douglas a andar todo pegado com o rapaz. Também que aos domingos passava o dia inteiro vendo as revistas de mulher pelada, ás vezes lia o romance barrense, Terra de marataoan.  

Da prima Creusa que brincava com os meninos da rua todas as horas. E da confusão que foi, quando o tio Tonho vindo da Ceasa e ouviu a esposa contar sobre o escândalo de Creusa com um rapaz da Vermelha. Com treze anos já estava nos lugares escuros namorando. A barriga dela já dava na vista.  Ela pensava, como toda apaixonada, que o moleque iria se casar com ela.

Dona Maria de Lourdes tinha os olhos e os ouvidos fechados.  E deu-se o escândalo. Getúlio contou-lhe todo o segredo para o pai e o homem só confirmou a suspeita. O tio Tonho tinha o coração bom, mas quase expulsou a menina de casa. Os vizinhos riam da cara do pai com filha desonrada indo para o hospital do Monte Castelo fazer o pré natal. Creusa na garupa de bicicleta descendo a ladeira de cabeça baixa da Tote Carvalho.

- Coitado! Tenho é pena dela. Creusa fora uma fraca nas mãos dos outro. 

E os dias de voltar para Barras chegando. Aurélio dormia sonhando que já vinha de volta à terra de marataoã. Naquela manhã de domingo de janeiro de 1997, a rodoviária cheia de gente. Aurélio alegre por retornar para casa. Pensava que assim que chegasse a Barras, a primeira coisa a fazer, um banho no rio marataoã com os amigos ou até mesmo pular de cima da ponte dos trabalhadores no pesqueiro.

Ele queria mergulhar nas águas e jogar bola no campo do poço das pedras do fim da rua 10 de novembro. Era ali nas águas do rio marataoã que Aurélio queria banhar nas águas cristalinas do rio, nas águas das lavadeiras, as lembranças das aventuras no quartel. Dentro das águas do rio, ele e os moleques dariam os seus cangapés, as palmeirinhas nos ombros dos outros. 

Quando um passageiro apressado passou pelos dois, um pacote de papel caia da bolsa do homem. Sentado perto da plataforma de embarque do terminal Lucídio Portela, ele viu cai algo do passageiro. A vontade de Tonho era ficar com o embrulho, mas Aurélio correu atrás do passageiro apressado e devolveu o pacote. O homem retribuiu-lhe com uma quantia em dinheiro. 

Aurélio olhou para o dinheiro dado pelo homem e comprou umas coisas para os irmãos. Quando entrou no ônibus, ele começou a escrever e ler seus poemas. Tonho retornou para casa com o dinheiro emprestado pelo sobrinho, na mente ele não aceitava a decisão do sobrinho voltar para Barras. A capital tinha muitas opções, mas reconhecia que devia proteger os irmãos.

No interior o trabalho seria na roça ou nos canaviais do Mato Grosso, o rapaz arranjasse o que comer. Aurélio metido o corpo na velha poltrona do F. Cardoso arranhava uns versos improvisados. Quando errava uma rima, desmanchava as estrofes por completo. Ele até caprichava, esforçava-se, rimava os versos no pequeno calhamaço e com toda paciência aperfeiçoava as poesias, e no fim tudo dava certo.

O balanço do F.Cardoso não deixava o rapaz concentrar-se e ele guardava o calhamaço. Às vezes distraía-se, e parava de escrever. Pensava longe, nos versos de veneta. Depois que chegou a Barras, Aurélio foi para a casa. O primeiro que apareceu foi Mathias. Entrou triste, com um negócio debaixo do braço. Parecia um tumor que havia saído debaixo do braço dele.

O ônibus do F.Cardoso havia parado no balão do Centro Comercial. Quando Mathias avistou Aurélio correu ao seu encontro.

- Só nem presto continência porque não posso levantar meu braço! Dizia Mathias.

-Deixa de besteira, rapaz! Me ajuda aí com essa mala.

E contou muita estória do pessoal da rua. No bairro Curujal vira dona Cristina morrer com um pedaço de pau na cabeça. Quando viu ela estirada no chão, botando sangue pela boca assassinada pelo marido ciumento. Os meninos de lá dizia que a casa era mal assombrada e que passos arrastavam-se pela sala durante as noites e uma pessoa tossia sem pará.

Dava notícia de Eunice internada no centro de recuperação em Timon.  Era como uma ferida que se rasgava no coração de Aurélio. Para que Mathias fizera aquelas confidencias. O rapaz entrou na casa e a prima da mãe Judite estava lavando o chão. Os outros irmãos ficaram alegres ao vê-lo. Aurélio calado, e noutras horas contavam que sofriam do coração.

Senhor Cassimiro contava-lhe a estória de Eunice com lágrimas nos olhos. Aquilo tudo ele ouvia sem ligar as lamentações do velho. O homem dissera que quando aconteceu o fato, a cidade toda ficou impressionada com a neta dele. E Aurélio só ouvia lamentações. Voltou para casa meditativo. Não ficou com mágoas do homem.

João Alberto chegara de casa para lhe atormentar. Trazia na ponta da língua a história dos militares do Exército.

- 1964, os militares implantaram a Ditadura! Período negro na história brasileira.

- Quem te disse?

- Tu não leste nos livros de História do Brasil. Não vai prender a gente, não! Soldado. Sentiiido! Descaaansar!

E os rapazes da rua 10 de novembro estavam alegres com a volta do amigo. João Alberto contou aos outros, tudo sobre a Ditadura Militar no Brasil. Foi um choque rude para Aurélio que acabara de sair do quartel. Não sabia que o Brasil teve uma época tão cruel. Depois disso, o rapaz voltara para a realidade de sua casa, o palco da tragédia de sua vida. 

O desgraçado do João Alberto não parava de falar sobre os militares e Aurélio não prestava mais atenção, pois se lembrara da morte da mãe. Sentia uma pungente saudade dela. A memória fatigada depois que chegou de viagem recordava a noite, em que ele a viu estendida na cama e o abraçando antes de morrer. Mas isto era só, na intimidade das recordações. 

Sem querer, metia os dedos na lembrança que eram chagas da saudade da mãe, aquilo sangrava por dentro. E de repente, como se as lágrimas se desencadeavam, e ele não podia conter o choro convulso.  E chorava, num choro inaudível, que não dava evasão à saudade da mãe. João Alberto teve muita pena dele no primeiro dia depois que veio de Teresina. Prometeu falar com o pai, o prefeito Romeu da Bodega em arranjar um emprego de professor na prefeitura. Carolina, Fernando e Salviano foram ver as coisas que ele trouxe na mala.

- Que estão fazendo aí? Bando de curiosos! Disse Aurélio, aproximando-se dos irmãos.

- Brinquedos, aqui? Dê-me. Essa blusa é para Carolina, o carrinho do bombeiro para o Fernando e a bola para o Salviano.

ÚLTIMO CAPÍTULO DO ROMANCE CHÃO DE FOGO

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