PENÚLTIMO CAPÍTULO
ROMANCE
CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 39
Desde que dona Sinhá falecera, Aurélio vivia dias inteiros
tentando apagar da memória, um pouco da afetividade que tinha pela mãe. E os
dias no quartel até compensava as decepções da vida. O dia inteiro de canseira
a que o rapaz era submetido entre uma instrução e outra fazia com que
esquecesse um pouco do passado.
Numa manhã do mês de outubro de 1996, ele recebeu uma carta
do amigo João Alberto. O coração dele sacudiu de felicidade. O melhor amigo queria saber das novidades do
quartel. Perguntava sobre namoro, a casa do tio dele. Aurélio respondia falando
sobre os colegas de alojamento. Contou a estória do soldado Jessé e de Douglas a
andar todo pegado com o rapaz. Também que aos domingos passava o dia inteiro
vendo as revistas de mulher pelada, ás vezes lia o romance barrense, Terra de
marataoan.
Da prima Creusa que brincava com os meninos da rua todas as
horas. E da confusão que foi, quando o tio Tonho vindo da Ceasa e ouviu a
esposa contar sobre o escândalo de Creusa com um rapaz da Vermelha. Com treze
anos já estava nos lugares escuros namorando. A barriga dela já dava na
vista. Ela pensava, como toda
apaixonada, que o moleque iria se casar com ela.
Dona Maria de Lourdes tinha os olhos e os ouvidos
fechados. E deu-se o escândalo. Getúlio
contou-lhe todo o segredo para o pai e o homem só confirmou a suspeita. O tio
Tonho tinha o coração bom, mas quase expulsou a menina de casa. Os vizinhos
riam da cara do pai com filha desonrada indo para o hospital do Monte Castelo
fazer o pré natal. Creusa na garupa de bicicleta descendo a ladeira de cabeça
baixa da Tote Carvalho.
- Coitado! Tenho é pena dela. Creusa fora uma fraca nas mãos
dos outro.
E os dias de voltar para Barras chegando. Aurélio dormia
sonhando que já vinha de volta à terra de marataoã. Naquela manhã de domingo de
janeiro de 1997, a rodoviária cheia de gente. Aurélio alegre por retornar para
casa. Pensava que assim que chegasse a Barras, a primeira coisa a fazer, um
banho no rio marataoã com os amigos ou até mesmo pular de cima da ponte dos
trabalhadores no pesqueiro.
Ele queria mergulhar nas águas e jogar bola no campo do poço
das pedras do fim da rua 10 de novembro. Era ali nas águas do rio marataoã que
Aurélio queria banhar nas águas cristalinas do rio, nas águas das lavadeiras,
as lembranças das aventuras no quartel. Dentro das águas do rio, ele e os
moleques dariam os seus cangapés, as palmeirinhas nos ombros dos outros.
Quando
um passageiro apressado passou pelos dois, um pacote de papel caia da bolsa do
homem. Sentado perto da plataforma de embarque do terminal Lucídio Portela, ele
viu cai algo do passageiro. A vontade de Tonho era ficar com o embrulho, mas
Aurélio correu atrás do passageiro apressado e devolveu o pacote. O homem retribuiu-lhe com uma quantia em dinheiro.
Aurélio olhou
para o dinheiro dado pelo homem e comprou umas coisas para os irmãos. Quando
entrou no ônibus, ele começou a escrever e ler seus poemas. Tonho retornou para
casa com o dinheiro emprestado pelo sobrinho, na mente ele não aceitava a decisão
do sobrinho voltar para Barras. A capital tinha muitas opções, mas reconhecia
que devia proteger os irmãos.
No interior o trabalho seria na roça ou nos canaviais do
Mato Grosso, o rapaz arranjasse o que comer. Aurélio metido o corpo na velha
poltrona do F. Cardoso arranhava uns versos improvisados. Quando errava uma
rima, desmanchava as estrofes por completo. Ele até caprichava, esforçava-se,
rimava os versos no pequeno calhamaço e com toda paciência aperfeiçoava as
poesias, e no fim tudo dava certo.
O balanço do F.Cardoso não deixava o rapaz concentrar-se e
ele guardava o calhamaço. Às vezes distraía-se, e parava de escrever. Pensava
longe, nos versos de veneta. Depois que chegou a Barras, Aurélio foi para a
casa. O primeiro que apareceu foi Mathias. Entrou triste, com um negócio
debaixo do braço. Parecia um tumor que havia saído debaixo do braço dele.
O ônibus do F.Cardoso havia parado no balão do Centro
Comercial. Quando Mathias avistou Aurélio correu ao seu encontro.
- Só nem presto continência porque não posso levantar meu
braço! Dizia Mathias.
-Deixa de besteira, rapaz! Me ajuda aí com essa mala.
E contou muita estória do pessoal da rua. No bairro Curujal
vira dona Cristina morrer com um pedaço de pau na cabeça. Quando viu ela
estirada no chão, botando sangue pela boca assassinada pelo marido ciumento. Os
meninos de lá dizia que a casa era mal assombrada e que passos arrastavam-se
pela sala durante as noites e uma pessoa tossia sem pará.
Dava notícia de Eunice internada no centro de recuperação em
Timon. Era como uma ferida que se
rasgava no coração de Aurélio. Para que Mathias fizera aquelas confidencias. O
rapaz entrou na casa e a prima da mãe Judite estava lavando o chão. Os outros
irmãos ficaram alegres ao vê-lo. Aurélio calado, e noutras horas contavam que
sofriam do coração.
Senhor Cassimiro contava-lhe a estória de Eunice com
lágrimas nos olhos. Aquilo tudo ele ouvia sem ligar as lamentações do velho. O
homem dissera que quando aconteceu o fato, a cidade toda ficou impressionada
com a neta dele. E Aurélio só ouvia lamentações. Voltou para casa meditativo.
Não ficou com mágoas do homem.
João Alberto chegara de casa para lhe atormentar. Trazia na
ponta da língua a história dos militares do Exército.
- 1964, os militares implantaram a Ditadura! Período negro na
história brasileira.
- Quem te disse?
- Tu não leste nos livros de História do Brasil. Não vai
prender a gente, não! Soldado. Sentiiido! Descaaansar!
E os rapazes da rua 10 de novembro estavam alegres com a
volta do amigo. João Alberto contou aos outros, tudo sobre a Ditadura Militar
no Brasil. Foi um choque rude para Aurélio que acabara de sair do quartel. Não
sabia que o Brasil teve uma época tão cruel. Depois disso, o rapaz voltara para
a realidade de sua casa, o palco da tragédia de sua vida.
O desgraçado do João Alberto não parava de falar sobre os
militares e Aurélio não prestava mais atenção, pois se lembrara da morte da
mãe. Sentia uma pungente saudade dela. A memória fatigada depois que chegou de
viagem recordava a noite, em que ele a viu estendida na cama e o abraçando
antes de morrer. Mas isto era só, na intimidade das recordações.
Sem querer, metia os dedos na lembrança que eram chagas da
saudade da mãe, aquilo sangrava por dentro. E de repente, como se as lágrimas
se desencadeavam, e ele não podia conter o choro convulso. E chorava, num choro inaudível, que não dava
evasão à saudade da mãe. João Alberto teve muita pena dele no primeiro dia
depois que veio de Teresina. Prometeu falar com o pai, o prefeito Romeu da
Bodega em arranjar um emprego de professor na prefeitura. Carolina, Fernando e
Salviano foram ver as coisas que ele trouxe na mala.
- Que estão fazendo aí? Bando de curiosos! Disse Aurélio,
aproximando-se dos irmãos.
- Brinquedos, aqui? Dê-me. Essa blusa é para Carolina, o
carrinho do bombeiro para o Fernando e a bola para o Salviano.
ÚLTIMO CAPÍTULO DO ROMANCE CHÃO DE FOGO
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