CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 34
Noite escura. Cães ganindo e correndo pelos
paralelepípedos da rua 10 de novembro. Aurélio tirou da gaveta o lápis e o
caderno e começou a escrever seus poemas que tanto lhe fazia bem. Os outros
irmãos ainda não tinham voltado da novena. Molhou a ponta do dedo com saliva e
foi passando folha por folha do caderno de poesias do seu imenso calhamaço de
versos.
O rapaz já tinha ouvido falar da sociedade
secreta dos poetas barrenses, a Epicuréia Barrense. De Gaspar, o poeta louco,
mas bom nos versos. Com a janela do quarto entreaberto, Aurélio ouvia os cães
ganindo para o lado do bairro Xique-xique, pesadamente uma pessoa a chegar pelo
pé da parede, com passos lentos e quietos.
Ele ouvia passos cadenciados. A luz do
quarto oscilava. Aurélio sentiu-se perseguido e sozinho. E continuou a escreveu
o poema. Relâmpago forte para o nascente. O rapaz olhou para a janela e viu
Eunice chegando de mansinho. Ele abriu a porta da casa, a moça entrou.
- Oi!
Tudo bem!
- Sim, tudo e com você?
- Eu cheguei agora da novena e resolvi vir
aqui na sua casa.
- Ah! Legal!
- O que você está fazendo?
- Sabe, Eunice, eu escrevo
poesias, ás vezes, vou até a madrugada.
- Legal! Posso ler alguma?
- Sim! Claro. Fiz uma para você.
- Sério! Sério.
- Sabe o que quero ser, um poeta?
- Um poeta?!
- Sim, poeta e escritor.
- Beleza!
Eu tenho muitas poesias e continuou a
escrever mais e mais. Mas vou ter que parar, afinal mamãe está doente no
hospital. Você não
pode deixar, são tão lindas! Espera o que você quer dizer, com não deixar de escrever? Esquece! Esqueço,
não! Diga-me.
Eles se olharam respeitosamente, até selarem
o silêncio com um longínquo beijo. Os
lábios se amoldaram ao cálido dos lábios dela, tão suaves. Fernando ainda
acordado se levantou da rede e ficou expiando da porta do quarto os dois.
- Carolina, Carolina, Aurélio está namorando, eu vi. Ele a beijou.
- Pode ser não, se ele te pega, mete um brogue. Dizia a menina.
Aurélio suspirou e ela também, aproximando-se mais a ele, apoiando a
mão em seu peito. Mal tinha acabado o beijo, quando começou outro, tímido, mas
delicioso. O coração acelerado e o beijo com gosto de mel e suave, percorreu-os
inteiro. Com a mão livre, agarrou-a pela cintura e a atraiu para ele para
voltar a beijá-la. Eunice emitiu um gritinho, de alegria e assombro. Esse som
foi como água no telhado.
Ela confiava nele. Aurélio compreendia que devia pedir desculpas, mas
não podia lamentar o beijo tão simples e emocionante. O rapaz viu os olhos dela
faiscantes, notou sua respiração agitada, sua boca curvada; compreendeu que não
a tinha incomodado com o beijo.
- Isso foi... Um pedido de namoro? Perguntou ela.
- Se você quiser — murmurou ele. Fingido preocupação. Significa que
nós.
- Sim, quero namorar você. E seu avô?
- O que é que tem? Perguntou. É que se
formos vistos e ele saber que esteve aqui. Ele me mataria.
- Vô Cassimiro, mataria nada.
- Não sei, está com medo? Talvez, os meninos
aqui da rua dizem que ele é zangado.
- Nada! Bobo! Mas não ele! Mas não ele! Um dia você aparece lá em casa e o
apresento. Vamos vou te deixar, vai chover a noite toda. Sim vamos. Ela assentiu
afirmando. Entretanto, sabia que jamais renunciaria a tenra lembrança de beijar
Eunice.
O vento frio e travesso empurrava as águas do telhado da casa para as
biqueiras. O céu repleto de nuvens cinzentas, as ruas cheias de águas.Olhando a
rua parecia um rio, ouvia-se suaves rumores de risadas por trás do porte.
- Vem Aurélio. Insistiu Eunice.
Temos poucos minutos para namorar, pois tenho que voltar para casa cedo.
Aurélio inclinou a cabeça, o rosto moreno e gracioso a tênue luz das lâmpadas
incandescentes dos portes, e riu.
- Não estou muito animado. Disse ele. Minha mãe está muito doente e
espera o SUS autorizar a histerectomia.
Eunice suspirou, esquece isso por uns segundos, tá.
- Bom, se for isso o que você deseja. Além disso, você já sabe com
quem vai casar, não é. Dizia ela. Sempre soubesse que você, é meu verdadeiro
amor. Eles voltaram a rir. Eunice, você
é meu verdadeiro amor. A moça olhou para a porta de casa. E se você conhecer
outra? Nunca isto vai acontecer, viu.
Aurélio ficou sério e franziu o cenho. Então se case comigo! É um
bobo, não tem nem emprego ainda. Disse ela. Eu vou ser soldado do Exército e te
sustento. Respondeu. Eunice, você gosta muito de mim? Sim. Disse a moça. Seu
beijo foi uma amostra de amor. Sempre o tinha considerado um querido amigo, mas
a assombrosa paixão que sinto por você, tem aberto uma porta, e ainda não sabia
o que havia do outro lado dessa porta. Estou segura de que gosta de você -
assegurou Eunice. Como não iria gostar? É encantador e formoso.
-Bom, como o filho mais velho tenho
que ajudar meus três irmãos. Verdade. Disse Eunice rindo - entre uma travessura
e outra. Vamos embora. Nunca se sabe o que pode acontecer numa noite chuvosa
como esta. Os dois beijaram-se. Boa noite. Boa noite, até amanhã. Eunice olhou
para a ele mais uma vez. Antes de entrar, ela pisou os pés na água que escorria
no pé da calçada e riu para o rapaz.
AGUARDE O CAPÍTULO 35
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