quinta-feira, 5 de julho de 2012


CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 34


Noite escura. Cães ganindo e correndo pelos paralelepípedos da rua 10 de novembro. Aurélio tirou da gaveta o lápis e o caderno e começou a escrever seus poemas que tanto lhe fazia bem. Os outros irmãos ainda não tinham voltado da novena. Molhou a ponta do dedo com saliva e foi passando folha por folha do caderno de poesias do seu imenso calhamaço de versos.

O rapaz já tinha ouvido falar da sociedade secreta dos poetas barrenses, a Epicuréia Barrense. De Gaspar, o poeta louco, mas bom nos versos. Com a janela do quarto entreaberto, Aurélio ouvia os cães ganindo para o lado do bairro Xique-xique, pesadamente uma pessoa a chegar pelo pé da parede, com passos lentos e quietos.

Ele ouvia passos cadenciados. A luz do quarto oscilava. Aurélio sentiu-se perseguido e sozinho. E continuou a escreveu o poema. Relâmpago forte para o nascente. O rapaz olhou para a janela e viu Eunice chegando de mansinho. Ele abriu a porta da casa, a moça entrou.

 - Oi! Tudo bem!

- Sim, tudo e com você?

- Eu cheguei agora da novena e resolvi vir aqui na sua casa.

- Ah! Legal!

- O que você está fazendo?

- Sabe, Eunice, eu escrevo poesias, ás vezes, vou até a madrugada.

- Legal! Posso ler alguma?

- Sim! Claro. Fiz uma para você.

- Sério! Sério.

- Sabe o que quero ser, um poeta?

- Um poeta?!

- Sim, poeta e escritor.

- Beleza!

Eu tenho muitas poesias e continuou a escrever mais e mais. Mas vou ter que parar, afinal mamãe está doente no hospital. Você não pode deixar, são tão lindas! Espera o que você quer dizer, com não deixar de escrever? Esquece! Esqueço, não! Diga-me.

Eles se olharam respeitosamente, até selarem o silêncio com um longínquo beijo. Os lábios se amoldaram ao cálido dos lábios dela, tão suaves. Fernando ainda acordado se levantou da rede e ficou expiando da porta do quarto os dois.

- Carolina, Carolina, Aurélio está namorando, eu vi. Ele a beijou.

- Pode ser não, se ele te pega, mete um brogue. Dizia a menina.

Aurélio suspirou e ela também, aproximando-se mais a ele, apoiando a mão em seu peito. Mal tinha acabado o beijo, quando começou outro, tímido, mas delicioso. O coração acelerado e o beijo com gosto de mel e suave, percorreu-os inteiro. Com a mão livre, agarrou-a pela cintura e a atraiu para ele para voltar a beijá-la. Eunice emitiu um gritinho, de alegria e assombro. Esse som foi como água no telhado.

Ela confiava nele. Aurélio compreendia que devia pedir desculpas, mas não podia lamentar o beijo tão simples e emocionante. O rapaz viu os olhos dela faiscantes, notou sua respiração agitada, sua boca curvada; compreendeu que não a tinha incomodado com o beijo.

- Isso foi... Um pedido de namoro? Perguntou ela.

- Se você quiser — murmurou ele. Fingido preocupação. Significa que nós.

- Sim, quero namorar você.  E seu avô?

- O que é que tem? Perguntou. É que se formos vistos e ele saber que esteve aqui. Ele me mataria.

- Vô Cassimiro, mataria nada.

- Não sei, está com medo? Talvez, os meninos aqui da rua dizem que ele é zangado.

- Nada! Bobo! Mas não ele! Mas não ele! Um dia você aparece lá em casa e o apresento. Vamos vou te deixar, vai chover a noite toda. Sim vamos. Ela assentiu afirmando. Entretanto, sabia que jamais renunciaria a tenra lembrança de beijar Eunice.

O vento frio e travesso empurrava as águas do telhado da casa para as biqueiras. O céu repleto de nuvens cinzentas, as ruas cheias de águas.Olhando a rua parecia um rio, ouvia-se suaves rumores de risadas por trás do porte.

- Vem Aurélio. Insistiu Eunice.  Temos poucos minutos para namorar, pois tenho que voltar para casa cedo. Aurélio inclinou a cabeça, o rosto moreno e gracioso a tênue luz das lâmpadas incandescentes dos portes, e riu.

- Não estou muito animado. Disse ele. Minha mãe está muito doente e espera o SUS autorizar a histerectomia.

Eunice suspirou, esquece isso por uns segundos, tá.

- Bom, se for isso o que você deseja. Além disso, você já sabe com quem vai casar, não é. Dizia ela. Sempre soubesse que você, é meu verdadeiro amor. Eles voltaram a rir.  Eunice, você é meu verdadeiro amor. A moça olhou para a porta de casa. E se você conhecer outra? Nunca isto vai acontecer, viu.

Aurélio ficou sério e franziu o cenho. Então se case comigo! É um bobo, não tem nem emprego ainda. Disse ela. Eu vou ser soldado do Exército e te sustento. Respondeu. Eunice, você gosta muito de mim? Sim. Disse a moça. Seu beijo foi uma amostra de amor. Sempre o tinha considerado um querido amigo, mas a assombrosa paixão que sinto por você, tem aberto uma porta, e ainda não sabia o que havia do outro lado dessa porta. Estou segura de que gosta de você - assegurou Eunice. Como não iria gostar? É encantador e formoso.

-Bom, como o filho mais velho tenho que ajudar meus três irmãos. Verdade. Disse Eunice rindo - entre uma travessura e outra. Vamos embora. Nunca se sabe o que pode acontecer numa noite chuvosa como esta. Os dois beijaram-se. Boa noite. Boa noite, até amanhã. Eunice olhou para a ele mais uma vez. Antes de entrar, ela pisou os pés na água que escorria no pé da calçada e riu para o rapaz. 

AGUARDE O CAPÍTULO 35

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