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JOGO
BAIXO
capítulo 08
VIII
Retorno a Barras
Quando retornei para
Barras trazia a quantia de 30 mil cruzeiros e somente Samantha sabia disso,
aliás ela e Helena. A riqueza que eu trouxe do garimpo, uma maldição que se
anunciou no instante que cheguei ao terminal Toinho Carvalho e resolvi procurar
por Samantha.
Eu vinha para
junto dos outros irmãos com o objetivo de vender a pouca herança deixada pelo
velho meu pai. O crime que se sucedeu e que sou acusado começou por uma questão
de amor. Na fazenda Rio Doce, o murmúrio que correu pelo povo do lugar foi que
eu nunca viria buscar Samantha e a tinha deixado para trás.
Quando antes de
viajar para o Pará, eu amei a mulher desde a primeira vez que vieram morar nas
terras de meu pai. Ela um anjo negro quando usava lindos vestidos de cetim, em
especial um escuro. Com um rosto vivo, um olhar ardente e penetrante entre os enormes
cílios que enfeitavam o rosto, revelava uma Ísis egípcia de todo aquele mundo
de terras interioranas.
De cara, eu
desejei o anjo negro de mulher. Samantha de uma beleza incomparável a nenhuma
outra mulher da Fazenda. Ela uma mulher linda da cor da pele aos longos cabelos
negros. Uma mulher de pele branca, com os olhos castanhos claros no rosto de faces
coradas. Quando certo dia ao cair da noite perto do riacho da entrada da Boca
da Mata, eu senti o fogo do nácar dos lábios finos dela nos meus, eu vi que
mergulhara no paraíso da perdição de um homem.
— A paixão
começou por um beijo? Perguntou Caçoleta rindo da estória, enquanto acendia
outro cigarro hollywood.
— Ri, pode ri
Caçoleta! Mas daqueles lábios de Samantha nasceu verdadeiramente o amor.
Sob as águas gotejantes da chuva naquela noite
de 13 de janeiro, no bar das Estrelas, alguém cometeu o maior dos atos insanos
da humanidade. Nunca imaginei que o anjo negro de pele branca desbotou-se em
sangue quando entrei no quarto e me deparei com a fatalidade que fez do meu
amor por Samantha, uma infâmia e um crime.
— Você é inocente
homem! Disse Caçoleta.
— Quem acredita
em mim? Quem acredita em mim? Perguntava-se La marque.
— Eu acredito!
Disse rispidamente Caçoleta.
— Para a justiça
um cento de palavras sonoras e vãs que um pugilo de homem, assim pálido como
eu, me entende, mesmo que eu tivesse uma escada de sons e vocábulos não
convenceria ninguém da minha inocência.
O relógio marcava
meia noite. O escuro da cela deixava nas duas almas, uma louca insônia. O
silêncio do local clareava as idéias e lhes despertavam as ilusões. Com nuvens
pesadas e escuras subindo aos céus barrenses pela janela que penetrava gotículas
de águas no local exortando as sombras dos dois fantasmas no escuro da cela. La
marque meio sonolento ensaiava os últimos trechos do romance narrado, com alto
teor de delírio, paixão de uma estória incerta e vaga dominada por Morfeu.
— La marque!
Sussurrou Caçoleta.
O cérebro do
homem mergulhara no sono como o marataoan com as águas em repouso. Enfim, os
dois dormiram depois da longa noite em claro contando as divagações da vida. Pela
manhã o banho morno das nuvens brancas pairando com os raios do sol
despertavam-nos. O chão da cela ainda fria de uma madrugada gélida que o calor
do sol aquecia com a morte da noite no novo dia.
— Bom dia,
Caçoleta! Não conte a ninguém o que te disse, entende. Podem ser apenas palavras,
são palavras e mais palavras.
Os raios do sol
subindo no horizonte dos ares barrense irisavam de mil cores o pavilhão dos
céus da terra de marataoan com nuvens fada, outras nevoentas do período
invernoso.
— Que história!
Que história! La marque.
— Pois bem, Caçoleta,
eu te contarei o resto da história. No fim desse dia eu tenho terminado com
toda a história.
No dia que
cheguei do Pará eu a vi: disse-me que estaria no salão arrumando os cabelos
para arrasar na noite no bar das Estrelas. Helena estava com ela. Não sei o que
Samantha disse a Helena, não sei o que Helena ouviu, nem o que viu; sei só que
conversaram alguma coisa sobre mim que eu não entendi, aliás, entendi tudo
antes de se realizar o que planejavam. Cheguei depois das quatro horas, vi a lâmpada
do quarto dela acender denunciando receber cliente... Depois...
Depois você já
sabe o que aconteceu. É longo amigo esses cinco anos preso inocentemente!
Sessenta meses de agonia e desejo anelante por justiça, sessenta meses de
terror com a sede da justiça! Sessenta meses! Tempo longo que se arrasta
lentamente! Quando entrei no quarto, achei que era demais Samantha já deitada
esperando-me. Fiquei um tempo a contemplar, feliz em vê-la depois de anos no
garimpo.
Eu queria muito
amá-la e sonhava com o momento: apertei suas mãos jurando que viria lhe buscar,
o que eu não esperava era saber que tudo foi em vão e que a minha amada não
vivia e que eu viveria sem ela para sempre. Naquela noite tudo dormia no bar
das Estrelas.
Dona Marieta,
cansada do trabalho diário roncava lá para os fundos. A meretriz Berenice
adormecia nas cadeiras perto da mesa da sinuca. Lindalva de dentro do quarto
acendia uma lâmpada incandescente com uma luz clara no rosto molhado e pálido
de um cliente que usava dos serviços amorosos.
Um barulho vindo do
quarto de Samantha agitou-se: na escuridão do pátio com os pingos da chuva que
despencava dos céus e o nevoeiro que não dava para ver quase nada a dez metros,
assim que eu caminhava para o quarto de Samantha senti a presença de alguém parado,
absorto na escuridão.
O meu medo ou
fraqueza foi covarde: e demais, quando esse homem abriu a chave do quarto e encontrei
Samantha morta, a infâmia foi mortal. Esse homem jurava que naquela noite depois
de muitos anos atrás gozaria novamente daquela mulher. Peguei e retirei o
punhal que a feriu. Quando pedi socorro a primeira que chegou foi Helena e me
viu com o punhal nas mãos.
Dentro do quarto
havia um copo e um litro de vinho pela metade. Um copo pelo meio. Chegou-se
Helena e dona Marieta, ergueu-a da cama com o vestido negro ensangüentado e
desataram às sandálias dos pés, os cabelos soltos ainda molhados da chuva que
caia lá fora, seus seios meio-nus, dei-lhe um beijo. Eu fiquei de joelhos
chorando muito, minhas mãos tremia e o semblante pálido após a longa noite.
Tudo parecia
acusar-me em torno do assassinato... Ela estava seminua: nem vestida, nem
despida, só os longos cabelos que encobria o rosto angelical. Dona Marieta
ergueu-me, afastou-se de mim e chamou a polícia. A lâmpada incandescente do
quarto brilhou com mais força e apagou-se depois de um relâmpago que furtou a
energia elétrica...
Barras sempre foi
assim, basta anunciar chuva no nascente, a energia elétrica apaga. Quando me
levantei, peguei o guarda chuva e sai pela rua ainda chovendo muito. Queria ir
até o hospital, mas estava ensandecido. Eu titubeava e o chão molhado era
lúbrico para quem enlouquece de amor. Uma idéia, contudo me perseguia quem
matara Samantha. Depois daquela mulher nada fazia mais sentido para mim. Quem
ama uma vez nunca se inebria do amor por outra pessoa... O momento sugeria
talvez, um suicídio como solução.
— Porque o
suicídio? Perguntou Caçoleta.
— Olha Caçoleta,
cinco anos passa-se assim: todas as noites preso nessa cela, eu sofria sem os
lábios de Samantha. Um ano, dois anos preso e eu delirante por notícias sobre quem
cometera o crime e eu sendo o principal suspeito.
O suicídio seria
ou não seria a solução? São noites e noites aqui nessa cela vendo entrar o frio
da noite e a febre por justiça adormecendo quente, como faces de um fogo num
jogo sem tabuleiro... um jogo de damas sem damas... sem jogadores.... Aconteceu
um encontro que considero muito especial com Samantha.
Foi quando numa
noite — uma festa junina com quadrilhas e boi lá para os Mimosos — eu esperei Samantha
no local perto do curral da Fazenda Araçá. Eu estava escondido atrás do mourão
da porteira. Quando a mulher vinha a meu encontro, com um copo cheio de
cerveja. Ela ainda estava casada. Antes de ela oferecer o copo com cerveja, eu
passei-lhe as mãos pelo rosto e dei-lhe um beijo.
Eu tive sede,
peguei o copo de Samantha e bebi alguns goles; ela tomou-lhe o copo, bebeu o
resto. A mulher não poderia demorar muito. Samantha e Pedro Malta voltariam
para a casinha de palha depois da Fazenda assim que a festa encerrasse. Eu os
via assim: o esposo da mulher não era tão moço, mas ela, ela uma mulher tão
bela.
— Um
relacionamento proibido? Perguntou Caçoleta.
— Sim!
Tudo começou por
um beijo. O beijo aconteceu inesperadamente e afogou nossas almas, depois da
queda do cavalo manga larga no primeiro dia em que a vi. O que aconteceu... Foi
que sonhei e muito com ela. Eles eram pobres, um casal humilde, sem filhos, eu
idealizei um dia para Pedro Malta que participasse da vaquejada nos Mimosos.
Na minha visão, o
amor podia ser vendido, dado, oferecido. O vaqueiro Pedro Malta rumou para a V
grande Vaquejada dos Mimosos e Samantha ficou sozinha em casa. Quando assim que
as últimas réstias de sol desparecerão no poente do Mocambo, eu rumei para a
casa dos fundos da Fazenda. Samantha com os seios níveos e veiados de azul, os
lábios trêmulos de desejo, e os longos cabelos negros penteados, foi quando
nossos lábios arquejantes e o corpo palpitante na languidez do desalinho de
amantes apaixonados.
Samantha tinha um
corpo de beleza que se enchia de mais beleza, como uma rosa aberta ao sereno do
orvalho das manhãs barrenses. O desejo era fortíssimo. Os lábios febris se
abriam lânguidos, caindo um sob o outro e as pálpebras fechando-se, nossos
abraços apertando-se com força. Quando da sala íamos para a cama, eu
carregando-a com suas roupas íntimas, suas formas arredondadas, os cabelos
soltos úmidos de perfume e seus seios quentes. O amor consumou-se no prazer de
dois corpos entregues ao delírio de amantes.
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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
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