JOGO
BAIXO
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Samantha e La marque
A história de La
marque e Samantha teve inicio como qualquer um caso amoroso e proibido, já
condenado desde o começo pelas leis da moral e de Deus. Foi mais ou menos
assim. Dizia ele entre uma baforada do cigarro hollywood e uma gargalhada do
companheiro de cela o velho Caçoleta que erguia a cabeça ao fundo para escutar
a estória do garimpeiro preso por crime de assassinato.
...Eu a amava com mil loucuras. E não é
escárnio descrever isso. Sempre me lembrei de tudo que fazíamos ás escondidas. Samantha
era a mulher do vaqueiro de meu pai, Pedro Malta. Ele teve que internar-se ás
pressas no hospital Leônidas Melo vítima do pedaço de um dente de uma cobra peçonhenta encontrado
na bota dele e dias depois veio a óbito.
Disseram que foi por
causa do veneno. Depois da morte do homem minha vida transformou-se em um
romance sem um final feliz. Eu lembro que Samantha foi à primeira mulher que
realmente amei na vida.
— Samantha! Samantha! Um amor verdadeiro que
foi como uma lenda, amor verdadeiro é sempre uma lenda, mas que importa se essa
lenda não mais existe?A vida é como um jogo de damas e para as damas.
O amor é um jogo
de damas para umas damas. Um dia viver o
céu, outro viver o abismo. Um dia viver uma vida de ouro, outro viver o redemoinho
no fundo do poço, numa cela de cadeia pública. Meu pai é Francisco Mafagafos,
um homem já falecido que foi dono de muitas posses, muita terra para o lado do
Mocambo, último dos velhos coronéis das Barras de marataoan.
O velho adoecera e
gastou muito com o tratamento de saúde. Isto nos empobreceu de vez, nos
endividou bastante. Nossa vida de conforto chegou ao fim. Para completar um
incêndio na solta de capim. Eu acho que foi criminoso e o fogo devastou todo o
pasto do gado. A terrível tuberculose alimentou a seiva de morte do velho. Depois
da morte de meu pai Francisco Mafagafos, o meu lance para sustentar os cinco
irmãos e salvar a Fazenda rio Doce das muitas dívidas foi o Estado do Pará.
Muitos foram para
lá e voltaram ricos, já outros não. O garimpo da Serra Pelada era a caixa de fortuna
para uma vida inteira. Lá eu fiquei rico, mais muito rico. Final dos anos oitenta
na Serra Pelada ninguém ostentava mais riquezas do que eu. Consegui salvar a
Fazenda das dívidas, mais paguei um preço muito caro. Perdi meu amor, perdi
Samantha.
Muito ouro e
nenhum garimpeiro gastavam tanto dinheiro nas noites paraenses, como eu gastava,
porém o suor de vinte anos no garimpo não se esvaia no leito solitário das mulheres
perdidas na vida fácil e nos salões das orgias noturnas. Jurei para meu pai
salvar a Fazenda secular da família e parti para o garimpo com a promessa para
Samantha de voltar para casarmos.
Quando cheguei ao
rancho no meio da floresta amazônica, eu ali finquei os sonhos com se finca uma
âncora. O encarregado do garimpo um homem muito bom, mas ambicioso que nas
faces enrugadas caiam-lhe os crespos cabelos onde a ambição almejava alguns
quilates de ouro e mais ouro. Assim que iniciei o trabalho ele indagou-me:
— Quem é você La
marque?
— Um desgraçado
que não pode viver na terra que nasceu, e não se deixa morrer no leito que
viveu. Respondi.
— Quer fazer a
vida aqui no Norte?
— Sim, senhor.
Respondi.
— Aqui é onde
está a sua liberdade ou prisão rapaz.
— Liberdade ou
prisão, o certo é que não entendi!...
— Sim liberdade,
liberdade rapaz, é a riqueza, ninguém é livre se não for rico, mas também pode
ser uma prisão, o dinheiro.
— Não quer ser
rico? Pois descruze os braços.
O chefe do
garimpo franziu as sobrancelhas, e passou adiante para o lugar juntamente com
muitos homens com pás e enxadas. No rancho tinha uma bela moça. Os garimpeiros
a respeitavam. Quando pelas noites de lua cheia por entre os arvoredos da
floresta, ela sentava perto da fogueira e com as mãos segurando a face
apreciando a linda visão lunar. Era a mulher do chefe dono do garimpo. Raimundo
Dias era um homem brutal e valente. Ele já tinha a desposada de um homem por
vinte pepitas de ouro. Durante uma noite de outubro de 1979 abriu-se à lua
solitária no céu, e adormeci pensando nela ao frio da floresta aquecendo-se
perto da grande fogueira.
Os outros homens
que trabalhavam no garimpo foram para uns bordeis que ficavam longe uns trinta
quilômetros do rancho, eles iam amar, mas amar muito. Eu fiquei só na minha
rede. Ouvi muitos garimpeiros e seus amores singelos: eram moças loiras de
Marabá e de Conceição do Xingu, alguma de cabelos negros pareciam mais índias
do que meretrizes. Eu fiquei de vigília a noite toda esperando os outros
chegarem dos bordeis.
O chefe
confiou-me a honra da esposa para vigiá-la na sua ida para a cidade. Eloá tinha
uma melancolia, uma tristeza no rosto, ás vezes ela ria sozinha, mas era um
riso tão triste que doía. Coitada! Com suas lágrimas, com seus sorrisos, com
seus olhos úmidos e os seios intumescidos de suspiros, aquela mulher me
enlouquecia as noites. Era como uma vida nova que nascia cheia de desejos no
meio da floresta, quando eu a via. O chefe não retornou naquela noite e nem na
noite seguinte. Durante uma madrugada, ela foi até minha tenda.
Eloá chegava cada
vez mais perto da minha rede. Eu não dormia, virei de lado. Ela fugiu, enfim a
mulher cedeu novamente. Toda aquela noite, eu passei com a mulher do dono do
garimpo nos braços. Era uma mulher que enlouquecia qualquer homem. Os gemidos
nos sufocavam e nós rolávamos abraçados, deitados na rede. Quando a barra
avermelhada do dia nos céus, anunciava ela voltava para a tenda e o homem
chegava com os mantimentos da semana.
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