CAPÍTULO 20
Logo na primeira visita de Conceição a prefeitura, falou ao prefeito Mundico Goma pedindo umas caçambas de barro para levantar as paredes que caíram com a enxurrada.
O prefeito Mundico Goma disse que teria muito prazer em ajudar, mas no período de campanha não podia ajudar os amigos. Todos os pedidos e todas as razões de Conceição eram indignos para o Mundico Goma; ela disse na cara do homem que ele era um político mentiroso.
Como era natural, o prefeito expulsou a mulher do local.
Mundico Goma não se queixou a polícia; compreendeu, e disse a mulher.
- Vá procurar o Zé de Lauro, acrescentou o prefeito;
Um dia Conceição pediu a um amigo que lhe contasse o motivo que a tinha feito descrer do prefeito, e do infortúnio lhe havia acontecido.
- Por que ele fez isso?
- Não sei! Aconteceu-me esse infortúnio; aqui nas Barras ou é de um lado ou é do outro, acho que é isso.
- Quando quiser que eu lhe apresento Zé de Lauro... dizia Genivaldo.
- Ah! Já conheço ele; foi ele que nos trouxe pra cá. Vejo que o senhor é amigo dele.
- Somos amigos íntimos.
Conceição sorriu; e como faço para ele me ajudar com umas carradas de barro. Genivaldo riu alegremente e abraçou amigavelmente a mulher.
A idéia de falar com Zé de Lauro apresentou-se ao espírito do homem. Ajudar adiantava um voto. Podiam ser ambos dois votos prestes a rebentar na eleição; mas até então davam o sinal de uma ajudar a quem precisa recruta votos.
A situação das paredes da casa de Conceição no chão incomodava o rapaz, acanhava-o, e fazia-o sofrer; mas quando ele pensava em dar uma ajuda tinha que Zé de Lauro ser decisivo, era exatamente quando se mostrava mais covarde e poltrão o político.
A ansiedade pulsava no interior da mente de Conceição. Um grande sonho encenava-se no pensamento desde que chegou ao mercado público no primeiro dia de trabalho. A barraca coberta de lona comprada de uma parenta que fora pras bandas do Pará. Movida pela euforia, percorria como criança o chão de lajotas emboloradas da barraca recém adquirida.
Olhos fixos nas outras do local e a lona estragada pelo tempo, cativados por estranhas e belas imagens dos pés de carnaúbas que retratavam detalhes da natureza preservada no meio da selva de pedra. Imagens dos pombos revelavam que naquela terra a abundância de riqueza mais do que ela imaginava.
A casinha de taipa da beira da estrada deixada para trás, revelava-se como imagem no cérebro e indicava o tanto vital foi à hora daquela loucura na busca de dias melhores. Tinha chegado o grande dia, o mais esperado e o mais temido. Os novos moradores teriam as primeiras adaptações de sobrevivência na cidade. Desvendariam os segredos do objeto mais complexo do meio urbano: a busca de trabalho para complementar a renda.
Não cabia no imaginário dos meninos o que os esperava naquela terra desconhecida. O sonho de Conceição em dias melhores na cidade receberia um duro golpe. Ia se deparar com a vontade de lutar e disposta seqüencialmente, como trabalhadora rural enfim subtraiu-se a palavra comodismo e com um silêncio gélido partir para o desafio de sua vida.
Caminhar espremida e lentamente por aquele caminho de areia todos os dias para o mercado público com um jacá na cabeça na busca da sobrevivência, uma vereda estreita por onde passava bicicletas, a vereda da vida. Ela sentia palpitação no coração e a respiração ofegante com o peso do trabalho sob os ombros e no suor escorrendo pela testa a transpiração do que seriam anos para criar os filhos.
Ao entrar pela primeira vez na barraca que seria o fruto da sobrevivência naquela cidade, um choque emocional ecoou no âmago de Conceição. Ela sentia-se completamente sozinha e sua face voltava-se para o teto da barraca coberto por uma lona já bastante gasta. Cada rasgo da lona a mulher estendia a alvura das nuvens escurecidas no céu.
O cheiro de terra molhada dos primeiros pingos da chuva depois de dois meses de seca resvalava-se nos paralelepípedos da rua e a poeira aos poucos se dissipava. As folhas das arvores orvalhadas. O ígneo sol encoberta por nuvens pesadas nos ares e os pingos das chuvas para além dos confins dos tetos molhados das casas barrenses.
Dos céus da terra de marataoan desciam apressados e ágeis peregrinos pingos de água da imensidão profunda do firmamento. O barrense sentia a terra querida beber o licor translúcido e divino dos céus. Poucos minutos depois a manhã já liberta se distendia sem esforço na linguagem do interiorano sem voz.
Com os olhos estatelados e a mente abismada, Conceição contemplava os primeiros fregueses a procurar por café naquela manhã de segunda-feira onze de fevereiro de 1982.
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