CAPÍTULO 17
Zé de Lauro cumprimentou respeitosamente uns eleitores que vinha da zona rural, e ele, com um gesto solidário, convidou-os a sentarem-se nas cadeiras e redes de tucuns que estavam estendidas por toda a varanda da casa e outras debaixo dos pés de mangueira.
- Agradeço-lhes infinitamente por ter-me procurado a ajudá-los, que me merece grande estima e apreço de vós, disse o candidato Zé de Lauro sentando-se.
- E nós damos graças a Deus por tê-lo achado em casa candidato; podíamos ter caído nas mãos dos Pefelês, falou Prexeirinha.
Zé de Lauro fez um gesto à esposa Carminha, e ela saltando do regaço da velha cozinha trouxe uma garrafa de café com bolacha salgada para o pessoal; levantaram-se alguns e foram quebrar o jejum da viagem; Zé de Lauro e Carminha trocaram um longo olhar de afeto.
Durante esse tempo na casa do candidato o pessoal tratava de pedir ajudar ao homem sobre a luta das terras da Boa Presença, uma antiga luta pela Reforma Agrária. Mas, conquanto Zé de Lauro tivesse sumo prazer em ajudá-los não poderia fazer ainda nada no momento, reparou que era esquisita e humilhante a sua posição de mero candidato a prefeito de Barras.
Parecia que o pessoal teria que esperar por depois do resultado da eleição. Para escapar a essa interpretação desairosa, sacrificou o prazer da conversa e a contemplação daquelas expressões caboclas mandando distribuir uns santinhos com o número e chapas eleitorais; levantou-se dizendo:
- A minha primeira missão se eleito prefeito de Barras é cumprir que aquelas terras sejam partilhadas para vocês...
- Seu Zé de Lauro! Seu Zé de Lauro... Interrompeu uma velha que vinha da cozinha.
O homem não compreendeu a interrupção da velha Chiquinha.
- Tristeza seu Zé, disse ela, que escutou na Rádio Difusora que um trabalhador rural teria sido assassinado no conflito de terra.
Zé de Lauro já podia ambicionar e garantir sua vitória nas eleições. Agora lhes peço licença... Disse ele.
Aquela gente já compreendia a intenção de Zé de Lauro; foram todos para a porta do Sindicato; assim que o corpo chegou para ser velado, apertava as mãos de todos em solidariedade ao trabalhador morto no conflito de terra.
O povo ficou impressionado pelo interesse do candidato, mas não repararam muito no ato de solidariedade cristã. Notava-lhe principalmente, além do entusiasmo, que era de primeira um cristão, pois havia nos olhos do candidato certa severidade triste no olhar e nos modos.
Se aquilo era caráter dele, dava-se bem com a índole do político; se era resultado de algum episódio da vida, era uma página da Política que devia ser decifrada por olhos hábeis de uma oportunidade.
A falar verdade, o único defeito que Zé de Lauro tinha era os discursos socialistas e a teimosa prevenção as derrubadas dos matos a beira do rio marataoan. Os discursos socialistas assemelhavam-se com os discursos populares e a prevenção do rio que cumpre dizê-lo, era mais literária que outra coisa em tempos de política. O candidato Zé de Lauro apegava-se aos discursos que uma vez proferira e esses discursos produziram muita admiração no povo.
De político amador a inteligente, pelos coronéis da época foi instruído e dotado de bom senso; tinha, além disso, grande tendência para as afeições solidárias; mas apesar disso lá tinha calcanhar de Aquiles como todos os políticos.
Político como os outros; outro Aquiles anda por aí que são da cabeça aos pés um imenso calcanhar. O ponto vulnerável de Zé de Lauro era esse; o oportunismo de um acontecimento nas Barras era capaz de violentar os afetos; sacrificava uma situação e dela sabia tirar proveito até arredondar e dilapidá-la.
Dentro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais referindo ao amigo morto no episódio do conflito de terra, um repórter da Rádio Difusora com um gravador pequeno entrevistava-o.
Zé de Lauro disse até aonde isso chegaria. O povo não ter direito a um pedaço de terra. O amigo repórter sabia que o discurso tinha certo ar de sarcasmo, mas no fundo poderia ser verdadeiro.
- Mas, candidato, disse-lhe ele, não compreendo essa preocupação; eu ouço até dizer que o atual prefeito está tomando as providências desse conflito. Além de que, a igreja interveio na questão do conflito. Podem ser que os latifundiários distribuam as terras e entrem em acordo.
A observação do repórter tinha a vantagem de ser tão poética quanto jornalística como a do candidato. Por isso abalou profundamente o ânimo do político. Não ficou muito tempo como o asno e emendou.
Ele hesitaria na resposta, mas não hesitou. Acudiu-lhe de pronto o comentário só quero somar a meus irmãos nessa triste hora, e da opinião tomou a que lhe pareceu provável. Retirou-se tristemente.
Algum leitor grave achará pueril esta circunstância do conflito por terras e esta controvérsia sobre ele é muito provável, mas deixemos de lado essa estória e seguimos na ação do romance. A ação no romance é que provará isso como prática nas Barras dos anos oitenta.
Os latifundiários pitorescos buscam até hoje a saciedade por mais hectares de terras e senões dos grandes latifúndios que a humanidade admira, já por instruídos nas armas e acobertados pelas leis; e nem por isso o povo deixa de admirar esses mesmos hectares. Não queira o leitor abrir uma exceção só para encaixar nela o nosso político. Aceitemo-lo com os seus ridículos; quem na política barrense não os tem? O ridículo é uma espécie de lastro da alma quando ela entra no mar da política barrense;
Para compensar essas fraquezas, já disse que Zé de Lauro tinha qualidades não vulgares. Adotando a opinião que lhe pareceu mais provável, que foi a do amigo repórter, o candidato disse consigo que nas mãos do povo estava à chave do seu futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário