sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Romance Terra de Marataoan


CAPÍTULO 14

O ano de 1982 para o povo do interior refém das mãos dos últimos homens metidos a coronéis, como os também lá da cidade, traduzia o retrato fiel do servilismo, gente de coleiras no pescoço, fechavam o voto por uma corda de fumo, punhado de farinha, 50 % no arrendamento da terra ou um pedido arranjado que o patrão realizava.
Conceição não era dessas pessoas que sentiam a necessidade urgente de trocar o voto por um favor, mas o destino prega situações. Cem - cruzeiros para levar os filhos para Barras, a fim de fugir da seca e não tinha como fretar o jipe de propriedade do Manuel Villaça.
Teve a felicidade de ver passar um jipe às oito horas da manhã na estrada num domingo de janeiro por aquelas bandas de mata, só não sabia se o jipe verde era o do Manuel Villaça da localidade são Francisco.
Ficou o dia inteiro na extrema vontade e matutando na mente as palavras com cuidado de saber como falar à precisão que tinha a Manuel Villaça sobre o frete fiado, quando ele voltasse de comprar o diesel na quitanda do velho Flor. Conceição jazia cansada na banca de café, levantou-se do tamborete de debaixo das palhas da casinha na beira da estrada que levava a Porto dos Marruás.
Ela despertou dos sonhos quando aparecia ao longe um jipe levantando a poeira da piçarra e a esperança na mente, pensou consigo, é o carro do homem que tanto perseguia, via na pessoa de Zé de Lauro parando o veículo uma tenacidade ou frustração até verificar-se que não era o homem procurado. Mas toda a caçada do frete fiado de cem - cruzeiros era completamente inútil, visto que, o carro que aparecia na estrada era de um sujeito desconhecido do lugar.
Desconhecida as razões da mulher sentada na beira da estrada induziu Zé de Lauro a frear o veículo, coisa que ninguém podia dizer que o candidato nunca falava com seu povo; uns diziam que simplesmente compaixão, outra falsidade ou servilismo do ser humano com o próximo; outros pensavam que assim que ganhasse a eleição de prefeito, o fazendeiro e político, iria se encher de profundo desgosto ou orgulho pelo poder e se revoltar contra os homens, contra o povo. Chegando a casa, Conceição deitava na rede de tucum, ficou ao encontro do Manuel Villaça:
- Que tal morar nas Barras?
- Boa mãe, assim posso brincar com o Crispim! Falava o menino Tampinha.
- E quando?
- Já preparei as malas a coisas vem depois.
O menino de cócoras olhava as tejubinas e carambolo dando carreirinhas intermitentes por cima das folhas secas dos pés de milho no chão do quintal.  O céu azulado, transparente na monotonia cinzenta da paisagem, só algum juazeiro ainda escapava à devastação da seca.
As árvores apareciam lamentáveis, mostrando os galhos e a casca toda raspadas em grandes lascas para fazer remédios para a barriga dos meninos. O mandacaru no pé da parede de taipa se acentuava pelos espinhos. Conceição, no alpendre, resguardando os olhos com a mão em pala e procurando identificar o visitante que chegava na poeira do sol.
Ele parou o jipe chamou a pobre mulher sentada no tamborete feito do tronco de carnaúba com couro de bode e achou que era de boa hora faturar o voto dela e de quantos tinha na família. Fossem quais fossem as razões na mente do homem, o certo é que ninguém possuía mais bonita ação naquele hora e variou emendando uma gentil saudação a mulher vendendo café na beira da estrada.
Na caçamba do jipe tinha uns restantes de saquinhos de arroz, feijão, açúcar, pacotes de alimento de todos os tamanhos, além de litros de cachaça serrana dos engenhos da localidade boa hora. Dona Conceição olhava para eles como se fossem a esperança de alimentos para uns dias naquele tempo de seca e não vinham os benefícios da emergência do governo federal; se alguém lhe pedia almoço e não tinha o que dar ela ficava melancólica.
Quase se podia dizer que, no espírito de Zé de Lauro, o alimento pesava menos que o amor a solidariedade, segundo a expressão célebre: “tirai do mundo a peste e a fome, e o mundo será muito melhor”. O homem vendo uma potencial eleitora concluiu que nos olhos da mulher que eles brilharam ao vê os alimentos, como um fazendeiro e político excêntrico, ofertou seis saquinhos para a mulher, dois de feijão e três de arroz e um quilo de açúcar. Não era o bastante para o mês, mas quebrava o galho.
A mulher pensou no tamanho da bondade daquele desconhecido, devia ser um comerciante generoso das bandas de Porto dos Marruás e diferente dos outros. Ele gostava de ajudar como sabia que os outros tinham necessidade, sem nada em troca.
Conceição cultivou dentro da mente com a pouca escolaridade, as palavras de agradecimento com muito esmero. Do povo Zé de Lauro gostava também; mas gostava deles nos tempos de seca e eleição: ganhar um voto ou perder um parecia-lhe idêntico atentado.
A pobre mulher conheceu o homem assim que ele retirou os óculos escuros e o grande chapéu de massa da cabeça. Zé de Lauro com seus trinta e quatro anos, bem apessoado, maneiras francas e distintas, fala mansa e pausada feito o discurso de padre Rodolfo.
Ele tinha se formado em medicina veterinária, e cuidou algum tempo de vacas, bois e novilhos doentes; a Fazenda Olho d’água  estava já adiantada no gado pé duro quando sobreveio a falta de chuva e desapareceram os pastos verdes da região da mata; para escapar da praga da seca que matou quase todo o gado, resolveu então entrar para a política, ás vezes a oportunidade de político também é a desgraça do recorro aos negócios para a sobrevivência ou a falência dos mesmos.
Com o dinheiro do resto de gado que escapou, ele ganhou bons cruzeiros e se mandou para Barras até comprar uma casinha no centro perto da igreja de nossa senhora da Conceição. Agora exercia a medicina veterinária como passatempo nas horas ociosas. Tinha quanto bastava para si e a família. No memorável começo de noite em que se encontrou com Conceição, voltava para casa quando teve a ventura de encontrar a pobre mulher.
Para a mulher o único recurso era arribar para o rumo de Barras. O pouco ou nada de legume, não se tornava obstáculos nos sonhos. Zé de Lauro olhava a lamparina moribunda que mal alumiava a banca do café. Ele ouvia o  choro do menino pequeno dentro de uma rede. A voz lenta e cansada do candidato erguia-se, parecendo outro, abarcava uma explanação dos projetos e ambições como prefeito. Ele falava sobre as estradas difíceis, cheias de buracos e muita poeira e também da fome e angústias que o pessoal da Boca da Mata estava passando. Conceição ouvia, e abria o coração àquela esperança nas palavras do candidato; ele corria os olhos pelas paredes de taipa, pelo canto onde a redinha remendada do menino dormia.
Conceição pediu ao homem uma carona para Barras. Nas andanças pelo interior ele notou que ás vezes o povo é um animal sem dono e isso é visível, sendo assim o povo nunca poderia ficar sem um dono no mundo, uma proteção aos seus interesses sejam eles individuais ou coletivos.


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