quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Romance Terra de Marataoan


CAPÍTULO 32

Com as primeiras chuvas no começo de fevereiro, o quitandeiro Florindo e o vaqueiro Raimundinho do João Tomaz viam adiante dos olhos, lá da beira da estrada, o pasto na solta velha se enramando, e o verde cada vez mais verde com o capim macio, se estendendo no chão até perder-se de vista.
Os capins da solta velha despontavam todos com folhas verdes.  E tudo era verde, e até no céu, periquitos verdes esvoaçavam gritando para o rumo do são Francisco. O cinzento do verão no Mocambo vestira-se todo de esperança.
Chegava então o dia da vaquejada, uma triste realidade duramente atazanava Raimundinho do João Tomaz ainda recordava o resultado que a seca produziu ao patrão, dívidas. Passo a passo, na babugem macia do parque de vaquejada dos Mimosos, vaqueiros chegava com os cavalos nas carrocerias dos F100 com as carcaças sujas maculando de fezes dos animais a verdura.
O curral preparado para receber o gado, com reses famintas, esquálidas, magoava o focinho nos tablados áspero do corredor do curral para o lado da pista de vaquejada. E à porta do curral, o locutor anunciava as pareias de vaqueiros que brincavam e acorriam aos olhares curiosos do imenso público.
- Sairá carros da localidade Paissandu passando pelo Barro Preto, Corredores, Estreito... falava o locutor da rádio Difusora...
À medida que os vaqueiros avançavam, Raimundinho do João Tomaz informava-se com outro vaqueiro sobre o homem forte que disparava na liderança isolada do campeonato e que sucedera ele no ranking do primeiro dia.
O homem com quem o vaqueiro do senhor Florindo conversava só aludia ao locutor anunciando à próxima pareia. Quando o locutor anunciou à última pareia, Raimundinho estava a um ponto da vitória.
O oponente sentia os gados fortes na reta final. O vaqueiro do senhor Florindo conseguia marcar mais dois pontos. Empatado o campeonato. O locutor anunciava o temido garrote negreiro. O vaqueiro montou o cavalo raio do norte que fungava muito de cansado.
Preparou marcha e partiu atrás do garrote no pego não pega, assim que se aproximava as duas linhas, Raimundinho do João Tomaz agarrou o rabo do garrote com força, apoiou as mãos, inclinou  o ombro e forçou para baixo derrubando o bicho na pista.
- Valeu boi, valeu boi! Gritou o locutor.
O oponente fez marcha para correr atrás do outro garrote, mas não deu o cavalo desequilibrou e eles foram ao chão deixando o animal sair livremente pelo grande corredor da pista. Derrota.
Dos olhos embasados de areia, o vaqueiro fazia as lágrimas descer inconformado. O outro apressado com alegria de ganhar o campeonato para o patrão e assim poder casar. Raimundinho do João Tomaz não o reconheceu:
- Quem é você?
- Sou o Pedro Peba da fazenda do coronel Regilberto!
O homem agarrou-se à rédea do cavalo, e gemeu tristemente:
- Você não me conhece? Eu sou Raimundinho do João Tomaz da quitanda do Florindo, no Mocambo...
O suor descia do rosto do homem que levou as mãos ao rosto sujo com areia, num espanto desolado:
Encostando a cabeça à porteira do curral, o homem entrou num choro solto e desesperado, que se quebrava todo em soluços. E murmurou entrecortadamente, arrancando as palavras do pobre peito emagrecido, que a força do choro abalava.
- Desgraça! Faltava derrubar só o garrote relâmpago para poder ganhar.
Raimundinho do João Tomaz, comovido demais, não sabia o que dizer:
- E você quer voltar para sua terra?
O homem levantou tristemente os olhos:
- Pra que? Coronel Regilberto não me solta não! Quem é que vai ter pena de mim?
O vaqueiro olhando o outro confidenciou que ao receber o premio daria cinco notas de 50 cruzeiros:
- Pois, meu amigo, se você quiser ir pro seu interior,  eu lhe ajudo no que puder, para você endireitar sua vida...
O homem recebeu com a mão trêmula e beijou o terço que trazia.
- Deus lhe pague, Deus lhe pague! Nossa Senhora da Conceição lhe dê tudo quanto deseja!
- Tome isto! Tenho que lhe dar! Adeus, adeus!
O que mais deixava Raimundinho do João Tomaz com raiva era saber que Maria Luzia fazia com a noiva Glória do Viveiro. Maria Luzia descia glória do Viveiro aos subterrâneos na língua ferina.
Logo que a moça deixou o óbolo do antigo noivo no altar na igreja de Barras, que o nome virou chacota nos falatórios lá no Mocambo. Como Raimundinho do João Tomaz, um vaqueiro de olhar frio nutria desde a infância paixão pela mulher, com a cara vingativa agarrou Glória do Viveiro para juntar as trouxas de roupas após o casamento. A mulher com seios flácidos e enormes sempre se vestia com roupas entreabertas e muito sensuais. As outras do interior se torciam quando ela passava pela estrada vinda dos babaçuais. Qual uma ovelha vitima de um rebanho vil, a pobre moça era a preferida da Maria Luzia nas prosas e ofertada aos maus comentários.
Atrás de Raimundinho do João Tomaz rosnava o atroz lamento de que Jorge do Esaú roubara a virgindade da moça e ria pelas quitandas do interior. Enquanto, erguendo o dedo, apontava Maria Luzia para jovem que nas margens da estrada deambulava com o vaqueiro audaz de mãos dadas e feliz.
- Esse pessoal Raimundinho fala muito dos outros! Dizia Glória.
- Eu não tou nem aí pra conversa desse povinho! Respondia o vaqueiro.
Em seu álgido, Clotilde, irmã de Conceição ainda casta e esguia, apaixonada por Raimundinho do João Tomaz, ela conformava-se como uma amante de outrora do vaqueiro e ás vezes parecia exigir-lhe uma última alegria, o fim do casamento dele com a Glória do Viveiro. Ereto na couraça do cavalo raio do norte, um homem pétreo e imenso, ele golpeava o lombo do cavalo com o prêmio da vaquejada nos bolsos e feliz pela realização do casamento em dezembro na igreja de nossa senhora da Conceição.

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