CAPÍTULO 16
Conceição com os três filhos ideou no sentido um plano de felicidade; uma casa num ermo local pra bandas do bairro Curujal, olhando para o mato de todos os lados e um nascente com um lindo espetáculo do nascer da aurora. Marcos, Esperança e Netinho, unidos pelo amor fraternal, beberiam e comeriam ali, gota a gota, caroço a caroço naquele pedaço de terra, pedaço de felicidade.
O sonho de Conceição continha outras particularidades que seria ocioso para o autor mencionar aqui. Eu pensei nisto alguns dias quando comecei este romance; cheguei a passar algumas vezes por parágrafos e refazê-los; mas tão feliz que nunca viu coisa mais gratificante; afinal desisti de um livro de poesias e voltei ao romance.
Havia um formato de casa que acudia ao nome palmos de terra comprada, um lar; uma casa de telhas embolorada pelo tempo, paredes de taipa em péssimas condições a que se pode chamar Lar; Conceição chamava a casa de lar por ser uma casinha do tamanho do seu sonho, ou melhor, do que o bolso podia pagar por um teto.
Pode ser um enorme tapera, mas as paredes de taipa, sem água canalizada e luz, muita gente achava que essa gente interiorana, voltaria de onde vieram, assim entrava na história a vida de uma mulher para criar os filhos na cidade; assim quase me esquecia de um episódio na porta da casa.
A casa de taipa da rua 10 de novembro negrejava umas réstias de sol no telhado embolorado. Na latada, coberta de flandres, a gatinha Esmeralda cochilava ao calor do mormaço suspenso nos céus pro lado do curujal. Correndo na vereda da areia com um pneu de bicicleta o menino tampinha entrou, no mesmo passo lento, com a camisa de mescla cheia de remendos e desabotoada com o peito de fora e foi direto para a cozinha pesquisar pela janta, ao canto da sala, a menina Esperança tirou a lamparina e acendeu, cuja luz enegrecera a parede de fumaça.
Longamente ficou o menino olhando a panela que não tinha desgraça nenhuma dentro para cozinhar. Depois saiu com o pneu, tornou a pô-lo no lugar de sempre. Quando saiu, ele fazia a gata miar, cutucando-o com o pedaço de pau que brincava no pneu.
E gritava com raiva:
- Diabo! Não tem nada para comer hoje.
A gata levantou. E menino saiu correndo pelo terreiro varrido, levantou redemoinhos de poeira da vereda de areia arrastando o pedaço de pau. Maria da Conceição, deixando que explodisse a raiva em um berro a angústia com a mão enfurecida varrendo a porta.
-Deixa de fazer poeira! tampa ruim! Passa pra dentro, vai se banhar menino sem vergonha!
Depois Conceição à porta da casa via chegar um indivíduo, amigo dela, Ernesto Pereira trazia uns peixes para a mulher.
- Esperança trata esses peixes! E coloca no fogo!
Eles viram passar um carro, e dentro do carro um senhor que lhe pareceriam metido a burguês. A mulher fez um movimento de espanto que não escapou aos risos do amigo.
- Que foi? Perguntou-lhe este.
- Nada; parece conhecer aquele senhor. É o prefeito Mundico Goma?
- Ah.
O carro entrava na rua de areia e capim da 10 de novembro. Logo acima depois do balão do mercado, parou o carro à porta de uma quitanda, e o senhor apeou-se e entrou. Conceição entrou na casa e não viu quando ele saiu; mas viu o carro e suspeitou que fosse o mesmo, um F100 azul. Apressou o passo sem dizer nada ao amigo que trouxe suas coisas na carroça juntamente com os meninos.
Poucos instantes depois Conceição mandou o filho mais velho comprar um querosene para as lamparinas; Tampinha verificou quem era o homem do F100 azul. Quando voltou com o litro de querosene entrou afoito dentro de casa, com ar de quem ia faltar o ar dos pulmões e aproximou-se da mãe.
De primeira falou para mãe que o prefeito das Barras até o cumprimentou respeitosamente. Tampinha recebeu a manifestação de respeito com afabilidade. Ao pé do fogareiro a mãe do menino admirada levantou e foi abastecer as lamparinas com querosene. Tampinha e a irmã Esperança deram enormes saltos de alegria quando viu uns peixes nas mãos da mãe e o alimento há poucos minutos iria tocar-lhe os estômagos matando a fome que sentiam.
- Parece que esses peixes chegaram em boa hora. Disse Dona Conceição.
- Creio que sim, respondeu tampinha brincando e olhando para Esperança.
Justamente nesse momento entrou Humberto, o tio dos meninos com um quilo de arroz.
- Só agora sai da venda, disse ele dirigindo-se á irmã.
Humberto apertou a mão dos meninos abençoando, apertou a mão de Tampinha e os dedos de Esperança. Conceição contava a estória de o prefeito falar com Tampinha na quitanda, e alegrou-se com ele, assim o homem poderia ajudar com umas carroçadas de piçarra para aterrar o terreno.
Mas foi em vão que Conceição foi ao prefeito pedir ajuda para reconstruir a casa. Só a mulher trabalhava e os filhos pequenos estudando e nem mais ajuda de ninguém. Ela não entendia que uma prefeitura como aquela não tinha recurso para doar umas carradas de barros.
- Não é possível.
- Por que não vai na casa do Zé de Lauro?
-É mesmo, vou lá!
Na porta, o homem ainda a consolou:
- Pois se quiser esperar, talvez eu vá lá com você.
- Esse desgraçado do Mundico Goma! Quando acaba, anda nos bairros espalhando que a prefeitura ajuda os pobres... Não ajuda é nada!
- Diabo duro do cão! Pior que o velho coronel Regilberto lá da fazenda!
A mulher levantou-se da cadeira, afastou o menino Netinho que lhe repuxava as abas do vestido, pedindo para mamar.
Gritou para a filha Esperança, que estava lá na cozinha:
- Oh Esperança ! vê se tu dá esquenta o pirão de peixe!
- Seria bom, disse Humberto à irmã.
- Como assim? Perguntou Conceição estupefata.
- Você não conhece estes miseráveis de político, só ajudam mais perto das eleições. Falou sorrindo. Referiu ao Prefeito Mundico Goma.
- Pois, nesse caso, respondeu Conceição, amanhã mesmo irei à prefeitura ou na casa do Zé de Lauro.
- Já vou indo antes que escureça e o farol da Caloi está queimado.
-Tchau! Adeus meninos, o Crispim vem amanhã brincar com vocês.
Despediram-se do homem pedindo-lhes que os fossem lhes ver.
Não citei nenhuma palavra dos meninos no diálogo acima transcrito, porque, a falar verdade, quando dois adultos conversavam, menino ficava calado, só proferi em duas situações na chegada do tio e na saída dele.
- Passe bem, disse-lhes ele dando as pontas dos dedos e saindo para pegar a bicicleta Caloi.
Ficando sós, saíram também os dois meninos e seguiram para o banho no poço. Conceição pensava nas péssimas condições das paredes da casa;
- Tampinha encha os potes agora, disse Conceição, que eu preciso catar o arroz; tenho necessidade de terminar essa comida; quero ver isso logo... Esperança olhe o Netinho.
Tampinha estacou na beira do poço.
- Mãe! Gritou o menino;
- O que é? Perguntou a mulher.
- Tem um cachorro morto dentro do poço! Disse o menino. Naturalmente a água não poderia ser consumida e o ar geômetra de carniça fazia com que naquela hora Conceição não achava uma solução para o problema. Aquilo naturalmente intriga de vizinhos mal intencionados ou coisas de vândalos.
- É o que me acontece nessa hora.
Depois de retirar o animal podre de dentro do poço tinham que deslocar-se até o poço de dona Costinha no sitio curujal apanhar por umas baldes de água. Tampinha aproveitava para tomar banho na beira do poço. O menino deitado na rede antes de dormir pela primeira vez na nova casa lembrava-se da casa de taipa da beira da estrada. Na parede da sala, as doze lindas mulheres da Shell que o menino se enamorava todo dia e a cada mês descartava por um novo amor. O velho oratório escorado com pedras e lotado de muitos santos e velas. O dia da viagem despediu-se do lugar que nascera. Dos banhos de cacimba, cavalgadas no lombo do cavalo raio do norte, das peladas de futebol no campo esburacado pelo chafurdo dos porcos, das caçadas no mato atrás das rolinhas com a baladeira e o alforje.
Chegou à despedida.
- Adeus, tampinha! Diziam umas primas. Dê um abraço muito grande no Crispim.
- Cadê o abraço?
Elas riam e abraçavam o menino. Tampinha olhava e via da casa da quitanda do senhor Flor, a sua grande paixão, a menina Ísis, á janela acenando com a mão e despedindo-se dele e ele correspondendo sacudindo, num grande gesto de adeus, seu braço gordinho.
Já as horas corriam, e Maria da Conceição ficou vendo ainda o candidato Zé de Lauro cumprimentar umas pessoas. Depois, o carro foi entrando na curva que dava para o rumo do Barro Preto e sumi-se na poeira da piçarra. A menina Ísis enxugava os olhos vermelhinhos, que teimosamente insistiam em lacrimejar.
Dona Mara Rúbia não entendia o choro, mas passou-lhe a mão pelo ombro, ralhando carinhosa:
- Que é isso, Ísis, ainda chorando?
A mulher, embora meio vencida, ainda invocou o pretexto de precisar dela na cozinha.
- Qualquer dia desses, vamos nas Barras e você pode ver ele!
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