CAPÍTULO 30
.Que lhe diria? Era a primeira vez que o padre achava-se em tais apuros. Há toda a razão para supor que padre Rodolfo naquele momento preferia estar a cem léguas distantes, e, contudo, por mais longe que estivesse os pensamentos pecaminosos estaria nela.
A mulher era excessivamente bela, embora mostrasse no rosto sinais de longo sofrimento com o casamento de aparências. Era alta, cheia, tinha um belíssimo colo, magníficos braços, olhos castanhos escuros e grandes, lábios com um tom de batom carregado no vermelho feito para ninho de amores e pecados. Naquele momento trajava um vestido branco dizia que por causa de uma promessa que fizera quando da primeira filha, passara o mês de outubro e estava no período dos festejos e o tom da roupa ia-lhe muito bem.
Padre Rodolfo contemplava aquela figura com amor e adoração; ouvia-a falar e sentia-se encantado e dominado por um sentimento que não podia explicar. Era um misto de amor e de receio. Ela mostrou-se muito delicada e solícita. Falou no merecimento de poder cantar na igreja e na sua nascente reputação, e instou com ele para que fosse algumas vezes visitá-lo.
Às dez horas serviu-se uma ceia na cozinha da casa paroquial. Marlene conservou-se lá até mais uma hora. Depois que terminou a ceia foi embora, precisava não levantar suspeitas. Caminhando para a barraca dos leilões ia ela formando projetos na mente: via-se casado com o pedreiro Paulo Genaro, causando inveja a todas as senhoras do bairro Matadouro, e mais que tudo infeliz no seu interior.
Quando chegou a barraca, Paulo Genaro havia arrematado um assado de galinha caipira. A mulher lembrou-se de que deveria escrever uma carta e mandar no dia seguinte a padre Rodolfo. Escreveu uma e rasgou-a.
Afinal redigiu um simples bilhete:
- Por que não escrevê-lo?
-Sim.
Começou o bilhete pelo seguinte teor: aconteceu-me um grande infortúnio; amei também, mas não encontrei no amor as doçuras e a dignidade do sentimento; enfim, é um drama íntimo de que não quero falar.
- Quando quiser eu serei sua amante... dizia Marlene no bilhete.
Padre Rodolfo não deu esperanças de amor à mulher. Considerava muito o fiel Paulo Genaro.
- Ah! é verdade. Vejo que o senhor é amigo dele.
- Somos amigos íntimos.
- Verdadeiros.
Marlene sorria; e como estava brincando com os cabelos do filho dava-lhe um beijo na testa. A criança riu alegremente e abraçou a mãe.
Padre Rodolfo interrompeu violentamente a leitura, o que se desgostou quando entraram na casa paroquial, à beata Catarina, aquelas que não têm hora de incomodar um homem santo. O pobre padre mal pôde balbuciar uma súplica; o homem mostrou-se surdo, e o mais que lhe concedeu foi ficar com o bilhete amassado para lê-lo depois.
Enfim saiu para rezar na igreja. Entretanto havia passado o tempo. Sob as escadas da igreja da matriz um punhado de senhora desdobrava-se em cenas contadas sobre a santa verdade do Bar das Estrelas. Elas debatiam a falta de vergonha das mulheres do local e cujo efeito, avivando-lhe as estranhas conversas e a prostituição do local.
Padre Rodolfo aquecia a voz com rigidez de sua austeridade nas palavras persuasivas de que na frente do templo não iria florescer os fuxicos, os disse me disse, os leva e traz.
Mais que um célebre monge, padre Rodolfo muito sério nas colocações. Minutos depois se desfaziam o grupo que tomando pelo cenário de horror das orgias que aconteciam na rua do Brega, cada uma entrava no templo e glorificando a Deus com simplicidade começavam os ritos sagrados. A alma de padre Rodolfo, um túmulo que desde sempre percorria o hábito solitário do enclaustro com Deus.
Marlene sempre fiel a igreja via no homem, um espetáculo vivo do triste olhar. A juventude da mulher não foi mais que um temporal. Aqui e ali a mulher causava um dano tal ao homem santo, como um pomar que o fruto sazonado é proibido na realidade, mas degustado no pensamento do padre.
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