CAPÍTULO 11
Delegado Ribamar peito de aço assumia a delegacia há pouco tempo, ele tinha servido no retiro da Boa Esperança. Um homem de temperamento forte, uma barriguda saliente que a gandola saia pelo cinto de guarnição e um bigode dobrado nas pontas e amarelada pelas baforadas de cigarro.
A velha delegacia perto do mercado público, um lugar que atopetava no povo repugnância, sordidez com celas que exalavam um odor pútrido.
À hora anunciada das vinte e duas horas, o delegado subia a rua Gervásio Pires para a Praça Sen. Joaquim Pires Ferreira indo até o Centro Operário e começava a ronda no Camburão, como conheciam o veículo preto da polícia, uma Caravana 79.
Naquela época metade dos adolescentes sentia-se aborrecidos, quando tinha que dormir mais cedo, assim que acabava a retreta na praça monsenhor Bozon. A razão era simples. Controle da violência nas altas horas, aversão à marginalidade e outros delitos, o povo tinha no homem do apelido de Peito de Aço, o prazer da segurança e da tranqüilidade.
O homem autoritário gostava de prender gente só para mostrar o poder que tinha. Zeferino, magarefe dos bons trabalhando no mercado, levantou cedo naquele sábado, o dia parecia não ser um dos bons, assim que subiu a praça monsenhor Bozon levou uma topada. Ele descia caminhando lentamente com o dedão do pé doendo e a unha marejando sangue pela rua 10 de novembro.
O homem assoviando a música de Geraldo Vandré quando passava bem de frente da cadeia pública. Quando quebrou o quarteirão entrando no mercado sentiu o peso de uma mão nas costas.
- Queira me acompanhar, você está preso!
- O que foi que eu fiz?
- Está preso porque é um subversivo!
Subversivo! Aquela palavra não costumava fazer parte do vocabulário do magarefe, mas naquela época em Barras cantar a música de Geraldo Vandré era pedir para ser recolhido a uma cela e logo na frente da delegacia.
O tempo que durou a detenção do homem, não demorou a água de passar o café ferver, logo chegava um portador do prefeito Mundico Goma para soltar o meliante. Cidade pequena o povo já sabia, o delegado prendia, o prefeito soltava. Garantir um voto nunca era demais.
Quando terminava a ronda, ele entrava apressadamente no bar da viúva Rosa Clarice, na popular rua do Brega. A dona do bar, uma linda morena de cabelos longos e escuros, no alto dos trinta e três anos e cujo marido da mulher tinha morrido pelas bandas do garimpo, lá no Estado do Pará, vítima de uma malária.
Ele, honrado trabalhador, meio endividado com os negócios do bar que possuía na rua do Brega e a boa vontade de trabalhar no garimpo atrás de ouro para enricar; ela, uma jovem senhora muito estimada por suas virtudes, mas de uma alegria invencível, depois de tomar umas doses de aguardente.
Rosa Clarice sentia a tolice na forma de pecado. Ela odiava homem mesquinho ou que pedia uma contraproposta ao preço dos seus serviços. Na mulher habitava um espírito no corpo que viciava. Quando não dava muita atenção aos clientes no Bar das Estrelas, a índia do Brega compensava os adoráveis com os remorsos que ela tinha que saciar.
Delegado Ribamar peito de aço um mendigo a exibir sordidez. A contrição que conhecia amordaçava suas atitudes. O homem alimentava por Rosa Clarice o alto preço do amor confessado e alegre pelo sofrido lado lodoso da vida da amante.
Desde que o falecido fizera a viagem, Rosa Clarice dividia-se na ilusão de que o pranto e as nódoas não se desfaziam com outros amores. Quem docemente consolava seu espírito, o homem da lei, o metal puro da vontade de fazer justiça e feliz a donzela.
Dentro das trevas da noite no Bar das Estrelas o cheiro de nauseia e vômitos ganhava os ares. O beijo de Rosa Clarice voraz e devasso sugava os lábios murchos do delegado que lhe ofertava o amor comprado.
Ela uma mulher que quase todos furtavam uma carícia por mais esguia que fosse. A índia do Brega adorava espremer as espinhas do rosto enrugado do homem da lei.
- Por que faz isso?
- Prazer.
E num bocejo imenso que engoliria o mundo, o delegado Ribamar peito de aço dormia e roncava feito o motor da usina velha de eletricidade. O olhar de Rosa Clarice não esquivava à mínima emoção daquele ato. Rosa Clarice e o delegado Tenente Ribamar colocavam-se ambos no lugar de amantes e facilmente o delegado fazia às vezes de esposo de Rosa Clarice pondo as regras da mulher no mês, por dias a atrasar.
Ouviu-se então um grito, e o homem correu do quarto dos fundos do bar para fora. O soldado Sousa chegava com falta de ar nos pulmões e quase desmaiando. O delegado Ribamar teve de parar o serviço, enquanto se punha a levantar as calças e afivelando o cinto de guarnição, perguntando qual o incidente. Mas, por uma porta aberta que a mulher deixava, pôde o soldado ver o rosto de Rosa Clarice deitada só com as peças íntimas.
O soldado Sousa avisava do preso Ramires ladrão de galinha que tinha fugido. Ele próprio não sabia o que se passou na cela. Mas o que se passou foi que, mal prenderam o homem, ele tinha empreendido fuga do cárcere o que costumeiramente acontecia na cadeia pública.
Então que outra coisa acontecia: a conversa do soldado sem nexo, com assunto vago, um verdadeiro delírio que tinha outro objetivo, também usar a viúva para uns serviços ocultos.
O bar de Rosa Clarice recebia meninas de outras partes, geralmente abandonadas pelos pais após perderem-se na vida ou ficarem desonradas. Uma delas que chegara da banda dos Mimosos, chamava-se Gonçala da Piedade do Chiquim Matoeiro.
Uma moça com rosto de mulher rica, e veterana na arte de ganhar dinheiro fácil. Com os dezoito anos já se mostrava muito experiente e capaz de grandes feitos na rua do Brega. Gonçala a musa da alma do Bar das Estrelas, uma jovem amante digna de palácios, quando enchia a cara de cortezano, o corpo da mulher desatava ventos, debaixo do vestido de chita negro que escondia a brasa que esquentava os pés violáceos do homem mais gélido que por ali aparecesse.
Ela tinha sido íntima de Rosa Clarice, que se apresentou como patroa, vindo a ficar amiga íntima dela depois que o marido morrera. Gonçala acompanhava os amigos que vinham ao bar, até os últimos instantes.
Sempre no final de tarde aparecia Gonçala, toda galhofeira e viva como se começasse para ela uma nova mocidade, uma nova adolescência. Abraçava a todos no bar; dava beijo no delegado Ribamar, a quem se oferecia com envolvimento das suas graças.
- Não ria de mim, dizia ela.
- Pobre amiga! Quer morrer nos meus braços?
Gonçala não sofria com a monotonia da vida que levava no bar de Rosa Clarice, ela alegrava-se com a presença dos homens que vinha do interior, verdadeiros fogos de artifício na cama ou apenas efêmeros traques. Certa vez a mulher pareceu não simpatizar com um deles. Quando Gonçala viu o homem, disse:
- Sinto muito, mas nada sério com você.
- Crer que eu não sou sério demais. O rapaz ria...
Não sei que incidente interrompeu a conversa dos dois. Mas depois de beber muito no bar, Gonçala, dizia ao rapaz:
- Não quero ficar contigo.
- Quinze cruzeiros.
- Nenhum centavo para você.
- É boa demais, né rapariga!
No dia seguinte verificou-se que o rapaz havia esbofeteado a mulher. Estava o delegado Ribamar a procurar o homem agressor. Ele, o único filho do prefeito Mundico Goma, mas ficou por aquilo mesmo.
A chegada de Maria Quitéria levou uma animação no bar de Rosa Clarice; a mulher irmã dela, com olhos e ouvidos de mãe, achava que a irmã, a mulher mais engraçada do mundo; mas a verdade é que não havia em toda a cristandade espírito mais frívolo do que o da Rosa Clarice. A irmã ria-se de tudo quanto ela dizia. Era tido como a machona no Bar.
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