terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Romance Terra de Marataoan



CAPÍTULO 18

O vaqueiro Raimundinho do João Tomaz  interrogado se queria participar da IV grande vaquejada dos Mimosos, concordou com seu patrão Flor que sim. Ele sempre foi o melhor nas vaquejadas. Raimundinho do João Tomaz dizia que derrubar o gado e faturar o grande prêmio do campeonato dava para poder casar com a noiva, Glória do Viveiro e salvar os negócios do homem.
Seu Florindo andava sendo pressionado pelo coronel Regilberto, pai do vereador Rui Rosas por causa de umas contas. Coronel Regilberto pretendia tomar as terras do quitandeiro por ele apoiar politicamente o opositor do prefeito Mundico Goma, candidato Zé de Lauro. O quitandeiro apostava as fichas na conquista do prêmio da vaquejada pelo vaqueiro Raimundinho do João Tomaz e assim saldar as dívidas com o coronel Regilberto.
Numa manhã de segunda-feira ele saiu para fazer a inscrição no campeonato.  Quinze dias depois, o campeonato começaria movimentar a região. Com as dificuldades no interior as vendas na quitanda estavam de mal a pior. Florindo comerciante antigo naquelas bandas com tanta preocupação mal conseguia se arrastar. Andava sempre desolado e chorando, era como um santo roubado do pedestal, e carregava atabalhoadamente preocupação, na confusão de arranjar o dinheiro ao coronel às pressas.
Seu Florindo com a vista nublada se perdia naquele horizonte há tantos anos esquecido. Escurecia o céu transparente, num arremedo sem nuvens. Do outro lado, a Maria Luzia parecia esgalhada atenta ao que o homem olhava. Maria Luzia botava fogo numa carvoaria dentro da solta para fazer carvão sobre um leito de cinzas.
De cócoras no meio das ramas de salsas, emendava dizendo:
- Bem feito Romeu, o Florindo andar aperreado!
- Diz isso por quê?
- Tu quer dizer que não sabe! Ele tá até o gogó endividado! Olha para a estrada Romeu.
E o comboio de ciganos vindo das bandas do retiro de Boa Esperança pelo Lameirão indo para Barras passava, cavalgando nos burros, sibilando e burros rinchando, era como uma cobra que serpenteava na estrada de piçarra. As mãos trêmulas da velha Maria Luzia tatearam o bolso da saia de mescla, procurando pelo rosário de pedras folheadas a ouro comprado nos festejos de dezembro passado.
Romeu percebeu o movimento brusco da mulher e leu-lhe nos olhos a aflição e a ansiedade ao ver aquele pessoal temido.
- Que é que tem, Maria Luzia, está vendo fantasmas?
- Não, mas é que dizem que por onde esse povo passa, eles levam tudo!
Na primeira fila das carroças, a horda profética das pupilas ardentes da velha cigana de cara murcha dentro de dois olhos esverdeados pôs-se na frente tangendo a burra que se desviava da estrada de piçarra para o caminho de areia sobre as ramas de salsa sair da estrada, tendo às costas uma ninhada de filhos, filhas, genros e noras paravam com as burras seladas amarradas nas carroças.
Debaixo do juazeiro perto da casa de Maria Luzia saciavam com a altiva gula imoderada o farto tesouro de rapaduras e farinhas de puba. Os menores saboreavam as mamas murchas pendentes dos sutiãs das jovens mulheres, o licor precioso que dá vida.  Outros homens iam a pé, com olhos reluzentes a quitanda do senhor Florindo.
Junto à carroça outros ciganos se apinhavam esquadrinhando o céu sem nuvens, num azul de atormentar as vistas e sombria dor das quimeras ausentes das chuvas.
A porta da quitanda fechada dava para ouvir o grilo, ao fundo de uma frincha solitária, que os olhos de dona Mara Rúbia vendo-os passar, outra vez pelo Mocambo vindo do Retiro de Boa Esperança com a ária sina de andarilhos errantes. Numa das montarias vinha um menininho cigano no meio da carga da burra, amarrado por uma cia até os cabeçotes da cangalha.
De vez em quando o menino, levava as mãos aos olhos com sapatão.
- rah! rah! ah! ah! Com voz enrouquecida de gripe.
O cigano ajeitava-lhe o chapéu de vaqueiro na cabeça, até que outros gritavam:
- Olha uma quitanda!
Seu Florindo com as porta de duas folhas fechada deitava a última tramela no meio da porta. O pessoal aproximava-se da quitanda. O sol das cinco horas da tarde ia esfriando. De cima da cangalha, o menino cigano chorou com mais força, debatendo-se, até que o pai o  retirou, com medo de uma queda.
Logo uma briga se armou entre os outros ciganos com o dono da quitanda. A confusão era para o dono de a quitanda abri-la. Não sendo atendidos saiam  um a um  e nuvens de poeira invadiam o céu do Mocambo.
Florindo atrepado no tamborete olhava o pessoal seguir viagem. Uns falavam mal estirando a língua, com gestos insultuosos para o rumo da quitanda. Quando a última cigana saia, de súbito, a voz grave de dona Mara Rúbia da janela da quitanda num grito comovido com a dor daqueles andarilhos chamou um dos ciganos:
- O que querem comprar?
- Rapadura e farinha.
- Tu arranja uma agüinha pra nós, ganjão...
- Se me der a mão vou ler ela pra tu!
- Tem o coração grande e vai ter muita felicidade na vida.


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