sábado, 24 de dezembro de 2011

Romance Terra de Marataoan


CAPÍTULO 24

O prefeito Mundico Goma caminhava com uns companheiros fazendo campanha quando parou à entrada da banca sem dizer nenhuma palavra e lançou sobre o professor um olhar severo e interrogador.
Senhor Coringa hesitou um instante; mas como a situação podia complicar-se em benefício seu, seguiu um movimento natural: foi ao prefeito e estendeu-lhe a mão.
- Mundico Goma, disse ele, não precisa dizer mais nada; o seu olhar diz-me tudo. Fui seu eleitor e arrependo-me. Aqui estou.
O prefeito estendeu-lhe a mão, com o respeito de que era suscetível de um político naquele tempo.
Depois se encaminhou para uma cadeira e sentou-se para tomar um café; o homem ficou de pé.
- Se o teu arrependimento é sincero, abro a porta da prefeitura para me apoiar.
O professor protestou que era um eleitor sincero e profetizou que o mesmo não ganharia a política daquele ano. Disse que fora dissipado e doido, mas que aos trinta anos e oito anos era justo ter juízo.
Ouvindo o discurso o prefeito procurava adivinhar o fundo do pensamento de velho Coringa. Seria ele sincero? O velho concluiu que o prefeito falava com a alma hipócrita das mãos.
O período das eleições estava se aproximando em Barras. A primeira vez que Zé de Lauro falou ao povo foi na praça Sen. Joaquim Pires. Uns amigos comuns, o apresentava ao povo. No fim da noite do comício ofereciam-se a cada um barrense os serviços dele em troca dos respectivos votos.
Zé de Lauro tinha de ir à casa de cada um para apresentar os projetos relativos ao governo, e aí encontrou o professor Coringa, que acabava de lhe dar uma conferência política.
Houve sincero prazer em ambos encontrando-se pela primeira vez no mercado; e o professor Coringa arrancou do candidato a promessa de que iria fazer o coreto da praça monsenhor Bozon para que a banda municipal Lira Barrense se apresentasse dignamente.
No mercado público, o candidato Zé de Lauro foi surpreendido com uma tremenda bátega d’água, que no momento caía, e começava a alagar a rua.
O homem olhou a um e outro lado a ver se tinha algum lugar vazio, mas procurou inutilmente; todos os lugares já tinham pessoas, exceto numa banca de vender comida que havia ainda espaço para ser ocupado. Daí a alguns minutos desce, com efeito, o representante do povo das Barras, e admirou-se de ver a mulher que deu carona vendendo e ganhando o pão de cada dia.
- Que tem para vender? disse-lhe Zé de Lauro; a chuva impediu-me de sair atrás de votos; aqui fiquei a ver se passa essa chuva.
- Perdão pelo incômodo...
- Ora, incômodo! É um prazer.
E entrou para debaixo da banca com lonas cheias de goteiras. O homem olhou para a lona da barraca admirada.
- Já sei, disse-lhe o candidato; admirou-se de ver que faltava uma ajuda a mais para a pobre mulher; a chuva rolava já pelas ruas do mercado público afora e debaixo da barraca os desvios das goteiras pela água da chuva torrencial era um duelo constante.
A mulher foi a primeira que rompeu o silêncio de alguns minutos, dizendo ao candidato:
- Espero receber o dinheiro do INPS para comprar uma lona nova.
- Amanhã lhe mando trazer uma! disse Zé de Lauro meio molhado e rindo;
- Se não batizado é o pagão. Disse brincando a mulher.
- Alguma coisa, é verdade; mas no bom sentido, respondeu Zé de Lauro rindo também. Sua vida assemelha-se um pouco à de Ulisses...
- Nem uma nem outra. Falou Conceição.
Dizendo isto a mulher voltou à cara para o outro lado do fogareiro, vendo a chuva que caía pelos buracos da velha lona e a lembrança da filha partindo para longe dela.




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