sábado, 24 de dezembro de 2011

Romance Terra de Marataoan


CAPÍTULO 23

Certo dia Conceição, entrando em casa, deu com as paredes da casa no chão por cima do filho Tampinha. Ocasião em que o inverno nas Barras estava muito intenso, a mãe do menino levou-o para o hospital Leônidas Melo, era um período em que já festejaria a chegada do carnaval no final de fevereiro.
A vizinha Marieta foi insensível aos sofrimentos de Conceição e não procurou ajudá-la. Toda a consolação neste caso tão desejada por parte da vizinha foi inútil; Conceição ouvia as palavras do menino Tampinha e confiava no seu Deus por não ter acontecido algo de pior.
Correram assim duas semanas de inverno intenso nas Barras. O corte na cabeça do menino tampinha cicatrizara e Conceição adiantava o passo para a banca no mercado público; época de carnaval e a cidade aumentavam o número de pessoas.
A festa de momo aumentava o movimento de dinheiro na cidade; vender mais no período era não abandonar a esperança de vencer naquele local.
Algum leitor conspícuo desejaria antes que Conceição não fosse tão assíduo na barraca de vender comida, mas gente ela era uma senhora exposta às calúnias do mundo, uma guerreira na busca de criar os filhos, sem pedir a ninguém ou entregar-se a algum pretendente amoroso. Pensou nisso o leitor, agora consolem sua consciência com a presença de  indivíduos, até aqui não nomeado por motivo de suas nulidade no romance, e que era nada menos que pessoas querendo aproximar-se para tirar proveito. Isto é, à opinião dos ociosos numa cidade. Mas bastaria isso para tapar a boca dos ociosos.
Estava Maria da Conceição recordando a labuta do dia a dia na banca de café do mercado, o que dominava a mulher naquela altura, agora era uma infinita preguiça da vida, da eterna luta do nascer ao por do sol, o relógio marcava dezessete horas e meia e a fome roia por dentro.
O carnaval estava no segundo dia. A mão de vaca fervendo na panela de pressão exalava o cheiro pelos ares. Na cabeça desamparada, que procurava auscultar o negrume e o barulho noturno da Associação Recreativa Barrense com as marchinhas de carnaval, caia sobre os ouvidos encontrando o asilo incorreto.
Um vento mais forte soprando da banda do Fórum envolvia de areia branca no nevoeiro de areia um redemoinho. Soprava os ventos dos primeiros pingos da chuva; tampinha foi recordando a vida de trabalho ininterrupto, desde os oito anos no trabalho de sol a sol, sem descanso e quase sem recompensa lá no mocambo.
A mulher não parecia indiferente às interpretações do mundo como à assiduidade do trabalho desde criança. Seria ela tão indiferente a tudo mais neste mundo. Amava ser mãe, tinha um capricho por tampinha, apreço por Esperança, gostava do mais novo, o Netinho, e contava estórias da Odisséia de Homero para os meninos.
Quando o carnaval explodiu na Associação Recreativa Barrense aparecia lá na banca, um senhor metido a rico, Conceição o recebeu com visível contentamento. O médico comeu panelada com os amigos e no final não pagou a quantia pedida, prejuízo a pobre mulher que para pagar o magarefe que vendeu a panelada fiado teve que trabalhar duro por mais uma semana. Não gostava de ver gente como aquele metido a rico, e morrer pelos bolsos. Não era possível sofrer por muito tempo na posição em que se achava.
Na segunda noite do carnaval, por um esforço de que antes disso se não julgaria capaz, Conceição se dirigiu a um homem que comia ferozmente:
- És daqui?
O homem franziu a testa com espanto e cravou os olhos no da mulher, que pareciam continuar ecoando a pergunta.
- Sim, disse ele no fim de alguns instantes.
Conceição não disse mais uma palavra; não contava com aquela resposta.
Ele não confiava demais na intimidade que reinava entre ambos; e queria descobrir por algum modo a causa da insensibilidade do silêncio do homem.
Falhou o cálculo; Conceição tornou-se séria durante algum tempo e atendendo outros clientes; Pouco depois o homem voltava-se para a dona da banca de comida e a conversa tornou-se animada.
O senhor Coringa chamava-se Rosenberg da Silva, e era, com efeito, um homem velho e mais salientado nas letras. Contudo não se podia dizer que não havia se metido na política.
O professor observava o rigoroso regime político do prefeito Mundico Goma a quem o criticava noite e dia. Tinha uns bons sessenta e cinco anos. Era um velho alegre e severo ao mesmo tempo. Gostava de rir, mas era implacável com os maus políticos.  Importava-se pouco ou nada com o que ia por fora, o professor entregava-se todo a política barrense e os poucos amigos iam ver, e jogar conversas dia e noite afora no mercado público.
- Que achas do Mundico Goma?
A mulher não respondeu. Mas depois emendou.
- Aquele é um infeliz de prefeito!
O velho foi às alturas com o comentário da mulher.
A crítica caiu nos braços do professor que exigia certo impulso íntimo a ele; além de que, mestre Coringa vexava-se de ter ou fingir uma comoção.
Lembrou-se de começar uma conversação alheia ao fim que o levava lá, e acabar por confessar-se disposto a arrepiar a carreira política de Zé de Lauro. Mas o professor tinha o inconveniente de fazer preceder os comentários políticos por um sermão, que os ouvintes do mercado dispensavam.


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