terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Romance Terra de Marataoan



CAPÍTULO 12

Certa noite, no Bar das Estrelas, como conheciam o famoso bar da rua do Brega chegava Marcos Filho, animando a conversa com cervejas para as meninas e isso, acelerou as horas; às dez retirou-se os mais novos por causa da polícia.
Nessa mesma noite resolveu Marcos Filho dar um golpe decisivo; resolveu não querer pagar a chave do quarto. Era temerário para quem conhecesse o caráter da irmã da viúva; mas, com os precedentes já mencionados, era loucura.
Entretanto, não hesitou o homem em querer desafiar a paciência da mulher. Rosa Clarice interveio.No dia seguinte, logo depois do café da manhã, Rosa Clarice meteu a cara dentro da delegacia, perguntou pelo moleque que estava na porta do lugar, desses que gostam de está na delegacia só para sentir-se polícia, se o delegado estava.
A viúva rompeu porta adentro, e pôs a conversa ao delegado; meia hora depois o soldado Sousa voltou e pegou o Marcos Filho já chegando pelos matos do campo santo do são José para o lado do bairro Pequizeiro. Apenas abriu a cela, prendeu o homem lá. O escrivão passou a datilografar e leu o seguinte:
"Qualquer que seja a causa da sua esquivança no pagamento da chave do quarto e da meretriz, respeito-o, mas não insurjo contra a mulher não paga-la. Mas, se não é dado  insurgir, é lícito a mulher queixar-se. Há de ter compreendido o amor pago, do mesmo modo que tenha compreendido a indiferença em não pagar o valor. Rosa Clarice voltava para o bar com o dinheiro em mãos.
Nada realmente que pagasse as insônias e as lágrimas da mulher, mais o dinheiro trazia a esperança e os encantos, páginas tristes desta vida fácil a que o destino põe nas mãos de mulheres. Na idade das paixões férvidas, ornada pelo céu com uma beleza rara, por que motivo queria esconder-se ao mundo e defraudar a natureza e o coração de seus incontestáveis direitos de prostituta.
Quando Rosa Clarice disse à mulher o que o escrivão havia escrito no depoimento, a mulher falou com um medo despregado.
- Fiz mal? Perguntou Rosa Clarice.
- Nada.
Os outros pretendentes também respeitarão o estabelecimento.
- Paciência, se acontecer de novo, disse Rosa Clarice levantando os ombros com aparente indiferença; o delega toma conta.
- Não vai acontecer de novo!
- Sem dúvida, se fosse possível, respondeu a mulher.
Rosa Clarice no bar da rua do Brega não tinha intenção característica de perder dinheiro ou ver alguma mulher maltratada por nenhum homem. Marcos Filho ficou preso na cela, onde passou a noite em claro pensando no que tinha feito. Depois do incidente, Rosa Clarice esperava por uma moça que viria chegar das bandas dos Mimosos.
Rosa Clarice uma mulher de fibra e com muita luta tocando o negócio do falecido marido, como a temos visto até aqui, estava no bar vendendo umas cervejas para uns homens que tinha chegado das bandas da serra pelada no Pará.
Passeava, pelo balcão do estabelecimento, a jovem Gonçala que conversava e parecia inteiramente alheia aos planos que se tramavam em roda dela. Vinte minutos foi o tempo que a mulher levou para chegar à mesa dos homens contando intimidade.
Nessa chegada até os clientes era sempre a mesma, fria, indiferente, impassível aos olhares maliciosos. Não havia olhar, por mais sedutor e significativo, que a abalasse; nem a idéia de que a beleza da dona do bar era capaz de desanimá-la.
- Por que, ao menos, um desses homens ricos não é capaz de me amar por uns cruzeiros. Falou a mulher.
Depois disse Rosa Clarice.
- Por que não procura entreter um desses homens, que tanto lisonjeiam a sua vaidade de mulher?
Esta pergunta feita por Rosa Clarice a amiga Gonçala, sob a impressão da estranheza que lhe causava a indiferença dos homens. Ela não compreendia que o homem pudesse conservar-se diante das cervejas geladas e não reparar nos encantos da prostituta. Mas infelizmente comportavam-se assim.
Cansada de desfilar em vão, a mulher determinou dar um golpe mais decisivo. Encaminhou a conversa para as doçuras do quarto e lamentou o estado de embriaguez de um deles que mal ficava sentado na cadeira.
Uma hora depois o casal, um tipo perfeito de felicidade efêmera fechava acordo e direcionavam-se para o quarto dos fundos do bar.
Apresentava-o aos olhos de Rosa Clarice como um incentivo para quem queria ser venturosa na cidade. Nada, nem a tese, nem a hipótese, nada moveu a frieza da mulher diante do galanteio de Veras. Para Rosa Clarice o olhar do homem jogava um jogo perigoso.
Era preciso decidir entre os seus desejos de sexo e as conveniências da sua posição como dona do estabelecimento; mas ela era de um caráter imperioso; respeitava muito os princípios da moral severa, mas não acatava do mesmo modo as conveniências de que a sociedade barrense cercava essa moral por morar na rua do Brega.
A vaidade impunha-se no espírito dela, com força prodigiosa. Assim que a bela viúva foi usando todos os meios que era um tanto lícito empregar para fazer o cliente Veras se apaixonar por ela, chegava ao bar à guarnição do tenente Ribamar.
O cliente indesejado naquela hora, mas, a mulher um tanto apaixonado por ele, desviou-se da tentação momentânea. Assim que apareceu o tenente Ribamar tinha ido pegar o almoço; o delegado entrou para a cozinha, a fim de arrumar as marmitas, pois o estomago parecia guiado por forças ocultas; depois que a guarnição rumou para delegacia, Veras pagou a conta e também saiu.
O cliente Veras com uma cara contristada, até o momento que Rosa Clarice correu para ele.
- Que é isso? Perguntou ela.
- Ah! Minha deusa... Sou o mais infeliz dos homens!
- Por quê? Venha sentar-se...
Veras se sentou, ou antes, deixou-se cair na cadeira. Esta tomou lugar ao pé dele, animou-o com mais uma gelada por conta da casa.
- Então o que falta?
- Uma coisa, respondeu ele.
- Quer me levar para o quarto?...
- Sim.
- Qual o preço dessa beleza? Perguntou Veras.
- 50 cruzeiros.
Veja isto. Ele retirou da carteira uns cem cruzeiros. O homem tirou da carteira uma quantia bem acima do valor, a cédula cheirando à nova encantou Rosa Clarice. Ela pegou para si. Eles foram para o quarto.
Quando acabou, perguntou-lhe:
- Que me diz?
- Não compreendo, respondeu Veras.
- É a mais bela.
- Sim, e depois?
- Depois o que?
- Ah!
- Dizer-lhe o que senti quando fiquei com você, é impossível. Nunca tremi na minha vida!
- Ânimo! disse Rosa Clarice.
E depois de um silêncio continuou:
- Tranqüilize-se. É capaz de guardar um segredo? O que lhe vou dizer é grave. Trata-se de vingar o nosso sexo ultrajado; trata-se de fazer com que a sociedade nos respeite... nada mais.
Veras estremeceu.
- Sim? Perguntou ela.
- É pura verdade. Mas veja lá, se isto é segredo. Não me comprometa.
- Ah! disse o homem.
- De que se espanta, meu caro?
- De nada! de nada!
Os dois ficaram no quarto. Veras acendeu um cigarro de palha e vestiu as roupas e saiu; Rosa Clarice afetava grande distração, mas olhava sorrateiramente para o moço. Este, apenas soltou duas fumaças, voltou-se para a mulher e disse:
- Como vai com o delegado?
- Com o tenente Ribamar?
- Ah! eu sei que ele é forte... É modesto, mas é forte... e até fortíssimo!
- As mulheres não o deixam sem uma afronta, sem castigo...
- Vou sair. Adeus.
Veras apenas riu, mas com um riso amarelo.
- Obrigado, obrigado. Até logo!
- Venha cá, onde vai?
O homem saiu precipitadamente. Rosa Clarice ainda o acompanhou com os olhos.
- Que tem que eu ter um caso com o homem da lei?
- Tem tudo. Seria indiscreto sem querer e até sem saber.
Da porta do bar, Rosa Clarice com outras mulheres assistiam à cena da policia tapeando um bêbado que bagunçava no bar. Choravam silenciosamente, enxugando os olhos vermelhos.
O homem esbofeteara Gonçala e da viatura, elas batiam palmas vendo o soldado algemando devagar o meliante, atrás do lento camburão, a dona do bar vendo triste a cena minutos atrás e covarde contra amiga, sentia a agudeza da violência do homem contra a mulher.
Algumas transeuntes, sem ir mais longe, começavam a balbuciar a palavras contra o homem preso. Dentro do camburão seguia cabisbaixo, pensativo, abanando lentamente a cara descarada.
Gonçala alongou os olhos para o homem na viatura. Depois olhou o soldado magro que, bem pertinho, mastigava sem ânimo um chiclete com cara de mau. E ao dar as costas, rumo à cadeia, de cabeça elevada com o gorro sentindo nos olhos secos a valentia do homem nordestino sem frescura e acostumado e arquejar no peito largo, murmurou firmemente:
- Aqui é a polícia rapaz!

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