CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 05
Pode ser que fosse uma ignorância da idade, mas dona Sinhá
com quarenta anos de idade, nunca teve interesse ou gosto para ir ao médico
fazer uma prevenção. O fato é que a mulher via na vida, outras coisas maiores
do que cuidar da própria saúde.
Ela trabalhava na prefeitura e quando as amigas lhe alertavam,
dona Sinhá resistia e a contra gosto desviava a história, com outras vantagens.
No fundo, a saúde não estava bem e a mentira, apenas uma deformação da força
imaginativa que a mulher fazia da realidade.
- Mulher tu tens que se cuidar! Não está vendo que o pé da tua
barriga está inchada.
- É nada não minha irmã.
Os colegas de trabalho na prefeitura tinham razão. Ela estava
mal de saúde. Trinta de setembro de 1995, uma noite de lua com um grande
círculo em volta suspenso nos céus, uma noite sombria, daquelas que não
disfarçam alguém de morrer, quando se olha para o céu, dona Sinhá deu entrada
muito mal no hospital Leônidas Melo.
A meninada corria gritando pela rua 10 de novembro, quando a
ambulância chegou. Aurélio, o mais velho dos meninos perguntava que diabo a mãe
tinha. Havia um ato de solidariedade naquela insistência dos colegas de
trabalho, a mulher estava com um sério problema no útero.
- Será por que ela teve tantos meninos? Dizia dona Santinha
falando com ar de curiosidade. Ei, minha irmã tu está sabendo do namoro do
Cassimiro com a Judite? Estou não dona Santinha e nem quero saber. Coitada da
Sinhá queria tanto ver a abertura dos festejos.
- O problema dona Santinha é se cuidar, não esconder doença.
- Eita, mulher que tu está com o diabo nos couros hoje!
O mundo de Aurélio, naquela noite já não ia amanhecer como
tantos outros. Quando amanheceu, o sol tinha o brilho refletido da tristeza, por
onde passava os raios solares havia flores murchas pelo caminho. A poeira do
tempo arrastava a felicidade.
O rapaz contava a história da doença da mãe para os vizinhos,
com lágrimas nos olhos. Falava da dor que sentia. Os irmãos sonhavam com o
retorno da mãe para casa, para o seio da família. O momento de dificuldades
unia os irmãos entre si. Aurélio acreditava que Deus iria curar a mãe.
Três meses se passara. Dona Sinhá já no leito de morte
falava aos cochichos com o filho Aurélio. A mulher sofria ali as amputações
dolorosas do SUS, quando da espera pela liberação da histerectomia. O sistema
de saúde público barrense sucateado e impiedoso para tomar ações preventivas na
área da saúde. Para a medicina não havia mais nada a fazer.
Agora no mundo era somente Aurélio e os outros irmãos. E aos
poucos, como uma dor que viesse picando devagarzinho, dona Sinhá contorcia-se toda e a dor
era tão grande que invadia a alma e lhe tirava a paz. Lembrava do trabalho na Prefeitura,
como assistente administrativa, tudo lhe parecia perdido, muito de longe, de um
mundo a que não podia mais voltar.
Assim, sentia-se dona Sinhá nos últimos momentos de vida no
hospital Leônidas Melo. E ela começou a chorar mordendo os travesseiros. Pensava
nos quatro filhos e o choro era daqueles que violam o silêncio noturno, e corta
os soluços na garganta dentro da enfermaria.
- Chore não mãezinha, a senhora vai ficar boa.
E Aurélio passava a mão pela cabeça da mãe, com carícia de
amor. Quando
acabava o horário da visita, ele seguia com os outros irmãos para casa, e só voltava no outro dia. A família sentia falta
dela em casa. Os meninos até bem cuidado, pela prima Judite que revezava entre
o hospital e a casa da mulher.
Judite quando veio do Mocambo, uma pessoa feia, uma mulher
com aquele corpanzil que mal cabia na roupa, mas com os dias em Barras
emagrecera com o sofrimento da prima. Com a dentadura sempre dançando dentro da
boca e de dia de dentro do quarto, um ronco de gente morrendo e a boca aberta,
babando pelos cantos. A mulher ficava nas faceirices com seu Cassimiro. Longas
conversas a tardezinha quando dona Mundoca ia para igreja.
Carolina, a menor dos filhos de dona Sinhá, ás vezes
acordava no meio da noite, com medo e chamava por Aurélio que vinha socorrê-la.
Quando Fernando de onze anos não queria dormir cedo, e saia para as casas da
rua 10 de novembro atrás de novela, principalmente a das sete, Judite iniciava a
conversa sobre os lobisomens com objetivo de poder amedrontar o menino e sair
para o hospital.
Judite contava umas histórias de feitiçarias do famoso mestre
Zé de Lauro no Mocambo que Fernando, Salviano e Carolina se arrepiavam. Judite,
ás vezes tinha ares de malvadez. Uma moça boa noutras horas. Ela fazia de tudo
na casa da prima Sinhá. De cozinhar, lavar e tomar conta dos meninos, Judite
era fera.
A mulher tinha um problema desde criança, Judite de vez
enquanto, caia estrebuchando no chão, como cachorro doente, babando pelos
cantos da boca que parecia está com raiva, doença de cachorro. Dentro de casa
parecia que carregava o rei na barriga, toda arrogante contando vantagem das
faceirices com os homens na rua, principalmente arrastando saia para o lado de
seu Cassimiro.
Quando veio do Mocambo, a desgraçada juntara muito dinheiro
na venda de cocos. Os vestidos comprados nas lojas perto do Centro comercial
eram dos melhores. O diabo da mulher se arrastava para a cozinha e enquanto
lavava os pratos ia batendo com a língua nos dentes, contando os causos de
assombração aos meninos. Ela tinha uma mania da limpeza da casa. Não podia ver
um cisco qualquer, que não se abaixasse para apanhar. Devia ser pelo fato da
doença da prima.
E ela sempre inventava uma briga com os meninos, quando eles
botavam os pés em cima da estante na hora de comer. Judite tinha tanto luxo e
apego com os móveis da prima Sinhá que não deixava nada de imundície, sujo. Os
panos da cama da prima Sinhá, a mulher lavava e passava.
Seis horas da tarde colocava Fernando e Salviano, depois
Carolina para o banho. E adorava catar os piolhos da cabeça dos meninos. Salviano
quando entrou de férias do colégio Honorina Tito era só coçar os cabelos com força, que eles
caíam em cima do pano branco que Judite usava para catar. A mulher cuidava
muito bem dos quatros. Aurélio o mais velho já sabia se cuidar.
Judite gabava-se de quando a mãe dela trabalhou na Fazenda
Córrego D’água no Mocambo no ano de 1979 e pequena conhecera seu Cassimiro,
ainda como soldado da polícia. De Rute sua amiga fiel nas brincadeiras lá no
Pontião. Dos namoricos com o vaqueiro Gaspar.
Estava Judite preparando-se para sair para o hospital
Leônidas Melo. Os meninos chegavam para ela que lavava os pratos na cozinha.
Eles pediam para ouvir as estórias do coronel Hilário. Judite começava a contar
a estória do homem. Um dos mais temidos no Mocambo.
- É mais ou menos assim: O pessoal do Mocambo dizia que ele
tinha feito um pacto com o diabo para enricar. Comentava pelo interior que dera
o neto Heitor ao capeta.
- Não é estória de assombração, é Judite? Perguntava
Carolina.
- Não!
- É uma ótima estória! Dizia ela.
- Já vai assombrar a gente. Fernando queixava-se.
Salviano e Fernando sentavam-se na cadeira e apoiavam os
cotovelos na mesa para ouvir a estória. Sob a luz incandescente da lâmpada
escutavam atentamente Judite contar a estória do coronel Hilário. Uma estória
muito conhecida por todos em Barras. O pessoal do Centro comercial sempre
vendia na feira do sábado, os cordéis do escritor Joaquim Neto Ferreira que
contava a estória do “Coronel Hilário e o mestre cigano Zé de Lauro”.
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