quarta-feira, 6 de junho de 2012


CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 05

Pode ser que fosse uma ignorância da idade, mas dona Sinhá com quarenta anos de idade, nunca teve interesse ou gosto para ir ao médico fazer uma prevenção. O fato é que a mulher via na vida, outras coisas maiores do que cuidar da própria saúde.

Ela trabalhava na prefeitura e quando as amigas lhe alertavam, dona Sinhá resistia e a contra gosto desviava a história, com outras vantagens. No fundo, a saúde não estava bem e a mentira, apenas uma deformação da força imaginativa que a mulher fazia da realidade.

- Mulher tu tens que se cuidar! Não está vendo que o pé da tua barriga está inchada.

- É nada não minha irmã.

Os colegas de trabalho na prefeitura tinham razão. Ela estava mal de saúde. Trinta de setembro de 1995, uma noite de lua com um grande círculo em volta suspenso nos céus, uma noite sombria, daquelas que não disfarçam alguém de morrer, quando se olha para o céu, dona Sinhá deu entrada muito mal no hospital Leônidas Melo.

A meninada corria gritando pela rua 10 de novembro, quando a ambulância chegou. Aurélio, o mais velho dos meninos perguntava que diabo a mãe tinha. Havia um ato de solidariedade naquela insistência dos colegas de trabalho, a mulher estava com um sério problema no útero.

- Será por que ela teve tantos meninos? Dizia dona Santinha falando com ar de curiosidade. Ei, minha irmã tu está sabendo do namoro do Cassimiro com a Judite? Estou não dona Santinha e nem quero saber. Coitada da Sinhá queria tanto ver a abertura dos festejos.

- O problema dona Santinha é se cuidar, não esconder doença.

- Eita, mulher que tu está com o diabo nos couros hoje!

O mundo de Aurélio, naquela noite já não ia amanhecer como tantos outros. Quando amanheceu, o sol tinha o brilho refletido da tristeza, por onde passava os raios solares havia flores murchas pelo caminho. A poeira do tempo arrastava a felicidade.

O rapaz contava a história da doença da mãe para os vizinhos, com lágrimas nos olhos. Falava da dor que sentia. Os irmãos sonhavam com o retorno da mãe para casa, para o seio da família. O momento de dificuldades unia os irmãos entre si. Aurélio acreditava que Deus iria curar a mãe.

Três meses se passara. Dona Sinhá já no leito de morte falava aos cochichos com o filho Aurélio. A mulher sofria ali as amputações dolorosas do SUS, quando da espera pela liberação da histerectomia. O sistema de saúde público barrense sucateado e impiedoso para tomar ações preventivas na área da saúde. Para a medicina não havia mais nada a fazer.

Agora no mundo era somente Aurélio e os outros irmãos. E aos poucos, como uma dor que viesse picando devagarzinho, dona Sinhá contorcia-se toda e a dor era tão grande que invadia a alma e lhe tirava a paz. Lembrava do trabalho na Prefeitura, como assistente administrativa, tudo lhe parecia perdido, muito de longe, de um mundo a que não podia mais voltar.

Assim, sentia-se dona Sinhá nos últimos momentos de vida no hospital Leônidas Melo. E ela começou a chorar mordendo os travesseiros. Pensava nos quatro filhos e o choro era daqueles que violam o silêncio noturno, e corta os soluços na garganta dentro da enfermaria.

- Chore não mãezinha, a senhora vai ficar boa.

E Aurélio passava a mão pela cabeça da mãe, com carícia de amor. Quando acabava o horário da visita, ele seguia com os outros irmãos para casa, e só voltava no outro dia. A família sentia falta dela em casa. Os meninos até bem cuidado, pela prima Judite que revezava entre o hospital e a casa da mulher.

Judite quando veio do Mocambo, uma pessoa feia, uma mulher com aquele corpanzil que mal cabia na roupa, mas com os dias em Barras emagrecera com o sofrimento da prima. Com a dentadura sempre dançando dentro da boca e de dia de dentro do quarto, um ronco de gente morrendo e a boca aberta, babando pelos cantos. A mulher ficava nas faceirices com seu Cassimiro. Longas conversas a tardezinha quando dona Mundoca ia para igreja.

Carolina, a menor dos filhos de dona Sinhá, ás vezes acordava no meio da noite, com medo e chamava por Aurélio que vinha socorrê-la. Quando Fernando de onze anos não queria dormir cedo, e saia para as casas da rua 10 de novembro atrás de novela, principalmente a das sete, Judite iniciava a conversa sobre os lobisomens com objetivo de poder amedrontar o menino e sair para o hospital.

Judite contava umas histórias de feitiçarias do famoso mestre Zé de Lauro no Mocambo que Fernando, Salviano e Carolina se arrepiavam. Judite, ás vezes tinha ares de malvadez. Uma moça boa noutras horas. Ela fazia de tudo na casa da prima Sinhá. De cozinhar, lavar e tomar conta dos meninos, Judite era fera.

A mulher tinha um problema desde criança, Judite de vez enquanto, caia estrebuchando no chão, como cachorro doente, babando pelos cantos da boca que parecia está com raiva, doença de cachorro. Dentro de casa parecia que carregava o rei na barriga, toda arrogante contando vantagem das faceirices com os homens na rua, principalmente arrastando saia para o lado de seu Cassimiro.

Quando veio do Mocambo, a desgraçada juntara muito dinheiro na venda de cocos. Os vestidos comprados nas lojas perto do Centro comercial eram dos melhores. O diabo da mulher se arrastava para a cozinha e enquanto lavava os pratos ia batendo com a língua nos dentes, contando os causos de assombração aos meninos. Ela tinha uma mania da limpeza da casa. Não podia ver um cisco qualquer, que não se abaixasse para apanhar. Devia ser pelo fato da doença da prima.

E ela sempre inventava uma briga com os meninos, quando eles botavam os pés em cima da estante na hora de comer. Judite tinha tanto luxo e apego com os móveis da prima Sinhá que não deixava nada de imundície, sujo. Os panos da cama da prima Sinhá, a mulher lavava e passava.

Seis horas da tarde colocava Fernando e Salviano, depois Carolina para o banho. E adorava catar os piolhos da cabeça dos meninos. Salviano quando entrou de férias do colégio Honorina Tito era só coçar os cabelos com força, que eles caíam em cima do pano branco que Judite usava para catar. A mulher cuidava muito bem dos quatros. Aurélio o mais velho já sabia se cuidar.

Judite gabava-se de quando a mãe dela trabalhou na Fazenda Córrego D’água no Mocambo no ano de 1979 e pequena conhecera seu Cassimiro, ainda como soldado da polícia. De Rute sua amiga fiel nas brincadeiras lá no Pontião. Dos namoricos com o vaqueiro Gaspar.

Estava Judite preparando-se para sair para o hospital Leônidas Melo. Os meninos chegavam para ela que lavava os pratos na cozinha. Eles pediam para ouvir as estórias do coronel Hilário. Judite começava a contar a estória do homem. Um dos mais temidos no Mocambo.

- É mais ou menos assim: O pessoal do Mocambo dizia que ele tinha feito um pacto com o diabo para enricar. Comentava pelo interior que dera o neto Heitor ao capeta.

- Não é estória de assombração, é Judite? Perguntava Carolina.

- Não!

- É uma ótima estória! Dizia ela.

- Já vai assombrar a gente. Fernando queixava-se.

Salviano e Fernando sentavam-se na cadeira e apoiavam os cotovelos na mesa para ouvir a estória. Sob a luz incandescente da lâmpada escutavam atentamente Judite contar a estória do coronel Hilário. Uma estória muito conhecida por todos em Barras. O pessoal do Centro comercial sempre vendia na feira do sábado, os cordéis do escritor Joaquim Neto Ferreira que contava a estória do “Coronel Hilário e o mestre cigano Zé de Lauro”.

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