quarta-feira, 27 de junho de 2012


CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 26



Aristeu aproximou-se dos dois homens sentados na entrada da banca de café.

- Bom dia senhores, Cassimiro conte-me uma coisa boa, homem de Deus. O homem ficou só escutando.

- Tenho nada de novidade não!

- É boa esta, é boa! Só desgraça acontecendo aqui nessa terra!

- Verdade! O finado Jerônimo e dona Sinhá partiram, hein!

- Sim, verdade.

- Então posso incomodar o vizinho?

- Diga Aristeu, o que quer?

- Está paquerando a Judite?

- Ora vá plantar batatas, Aristeu! Conversa essa homem.

- Tenho nada com isto não... É o que diz. Vá cuidar da sua vida, deixe-me no meu lugar. Eu aqui no meu canto abatido, ainda pela notícia da cruel morte de dona Sinhá que deixa quatros filhos órfão e tu me vem com estória, homem. Era só isto o que me faltava.

- Não posso mais nem perguntar, o que está acontecendo. Não está acontecendo é nada. Só na tua cabeça que uma menina nova daquela me quer. Prepare-se para segunda-feira, Aristeu. Quero ver a sua noite na novena.

- E a propósito não sei de que novena.

-Aqui agora temos um palhaço, um engraçado. Está bem. Pode ele ficar certo de que a novena dos vaqueiros é segunda-feira. E tem procissão viu?  É com o senhor mesmo. Amanhã vamos ver isto. Na segunda-feira vou fingir é uma dor nas costas. Cassimiro o olhou:

-Então não vá viu, olhe padre Gregório. Oh, vida cruel, vida cruel, é uma dor ali, outra acolá, doe as juntas e o bico de papagaio que anda me matando. Sabe, Cassimiro, você é muito forte. Você me faz lembrar, o finado Gaspar. Ah ah ah não me compara com o poeta louco.

O Gaspar foi o único da Epicuréia Barrense que tinha o desejo de entrar para a academia de Letras do Vale do Longá. Só que nunca o aceitaram. Não o aceitaram? Nada! Ele queria fazer parte do chá das cinco.

- Ah! Ah! Ah! Queria era também está envolvido na arte cultural dos homens de togas verdes! 

- Pede uma xícara de café meu amigo.

- Vou te contar essa. Senta aí!

O Gaspar era um homem que morreu abandonado e sozinho, mas porque resolveu afastar-se do nosso grupo, com a tal estória de entrar para a academia de Letras. Sabe a rua da tripa, é a rua David Caldas, ele morava numa casinha antiga de paredes emboloradas perto da caixa d’água.

O poeta louco nunca casou e fazia seus versos visionários, mas sempre com a decepção de não poder entrar para a Academia de Letras. O homem de certo tempo passou a dormir por cima das próprias fezes, tudo ali na casa fedia, pois o pobre poeta dos versos visionários transformara-se em um verdadeiro excremento humano. Ele foi o fundador da Epicuréia Barrense juntamente com o Rafael.

- Por que tanto desprezo com si próprio?

- Nada. Ficou decepcionado depois que o finado, o Tenente Jerônimo, sim aquele que mora no Matadouro disse que para entrar na academia de Letras, não bastaria produzir arte literária, mas era preciso ter influência e dinheiro, pois assim os amigos imortais votariam em você. Pobre poeta louco!

Gaspar passou a vida inteira esperando a oportunidade. Foi um dos mais brilhantes poetas da Epicuréia Barrense, mas morreu na merda literalmente! Morreu só. Abandonado por todos que apreciavam seus lindos versos. Sei! Lembro-me de que na Epicuréia Barrense era assim, cada homem tinha o livre arbítrio para decidir o seu rumo. Gaspar decidiu o dele. 

A Epicuréia Barrense, uma sociedade da qual se podia dizer que democrática. Quem detinha o poder de escrever algo poderia fazer parte, bastava produzir alguma coisa para a literatura barrense. Do pior escritor para o melhor, não havia discriminação.

- Nenhuma discriminação?

- Nada, nada, tudo o que produziam, espalhavam pelo centro de Barras. Nos bares, mercado, praças e os grandes folhetos eram pregados também nas paredes e portes elétricos. O tablado do cine teatro na rua 10 de novembro, ali perto de hoje é a Academia de Letras, o espaços para os saraus literários e declamação de poesias ao ar livre. As damas da sociedade barrense do ano de 1980 divertiam-se com as novelas produzidas em folhetins pela Epicuréia Barrense.

- E onde se reuniam esses homens das letras barrenses para fazer suas produções?

- Ninguém nunca sabia o lugar, ás vezes de improviso qualquer lugar estava bom.

- Produziam literatura barrense em segredo?

- Nem sempre, mas ocultamente. Foi, o que eu disse. Escreviam e antes de publicar, os epicuristas barrenses tinham que contar a estória até o fim, uma espécie de revisão textual. Pois era assim, tão certo que era. E não paravam de produzir literatura.

Às vezes eles sumiam, quando criticavam o prefeito da época. Nós éramos temidos pelo poder ideológico que tínhamos. Gostávamos de orgias e bebedeiras pelos bordeis da rua do brega, da casa da Maria Joana, raramente alguma menina dessas da vida fácil, caboclinha nova do interior, perdida da família ou outras de passagem pelo cabaré, não se encantava com o poeta louco, o Gaspar.  

 - Ah ah ah ah... poeta louco.

A poesia de Gaspar era capaz de encantar e hipnotizar aquelas mulheres da rua do brega, principalmente as do lugar onde hoje é o bar do Zezinho. Todos ali, o amavam, o idolatravam. Agora ás vezes, Gaspar tornava-se um homem calado, introspectivo e mergulhava no silêncio, dizia que adorava viver na terra de marataoã, pois aqui tudo era tranqüilo, tudo inspiração poética.

O sol levantava-se pelo telhado de amianto do Centro Comercial. Os dois amigos terminavam a prosa. O barulho acalmava-se mais. Uns vendiam rapadura dos engenhos da Boa Hora, outros cortavam os ossos das carnes e fazia um barulho infernal. E eram um entra e sai de gente que nem formiga no formigueiro pelas portas do mercado.

- Oh te levanta boi de pano que já vou me retirando. Tu lembra Honório dessa música do boi do Dodó?

- Sim, eita tempo bom aquele, quando era mês de junho na praça do cemitério, com a morte do boi de pano. É acabou-se aquela tradição barrense. Pois é, tudo aqui em Barras se acaba. O festival de quadrilhas da prefeitura parece mais coreografias de dançarinas de banda de forró do que realmente passes de quadrilha junina.

Tchau compadre! Tchau compadre. Mundoca está aguardando-me para levar o quilo de carne.

AGUARDE CAPÍTULO 27

Nenhum comentário:

Postar um comentário