CHÃO
DE FOGO, CAPÍTULO 26
Aristeu aproximou-se dos dois homens sentados na entrada da
banca de café.
- Bom dia senhores, Cassimiro conte-me uma coisa boa, homem
de Deus. O homem ficou só escutando.
- Tenho nada de novidade não!
- É boa esta, é boa! Só desgraça acontecendo aqui nessa
terra!
- Verdade! O finado Jerônimo e dona Sinhá partiram, hein!
- Sim, verdade.
- Então posso incomodar o vizinho?
- Diga Aristeu, o que quer?
- Está paquerando a Judite?
- Ora vá plantar batatas, Aristeu! Conversa essa homem.
- Tenho nada com isto não... É o que diz. Vá cuidar da sua
vida, deixe-me no meu lugar. Eu aqui no meu canto abatido, ainda pela notícia
da cruel morte de dona Sinhá que deixa quatros filhos órfão e tu me vem com
estória, homem. Era só isto o que me faltava.
- Não posso mais nem perguntar, o que está acontecendo. Não
está acontecendo é nada. Só na tua cabeça que uma menina nova daquela me quer.
Prepare-se para segunda-feira, Aristeu. Quero ver a sua noite na novena.
- E a propósito não sei de que novena.
-Aqui agora temos um palhaço, um engraçado. Está bem. Pode
ele ficar certo de que a novena dos vaqueiros é segunda-feira. E tem procissão viu? É com o senhor mesmo. Amanhã vamos ver isto. Na
segunda-feira vou fingir é uma dor nas costas. Cassimiro o olhou:
-Então não vá viu, olhe padre Gregório. Oh, vida cruel,
vida cruel, é uma dor ali, outra acolá, doe as juntas e o bico de papagaio que
anda me matando. Sabe, Cassimiro, você é muito forte. Você me faz lembrar, o
finado Gaspar. Ah ah ah não me compara com o poeta louco.
O Gaspar foi o
único da Epicuréia Barrense que tinha o desejo de entrar para a academia de
Letras do Vale do Longá. Só que nunca o aceitaram. Não o aceitaram? Nada! Ele
queria fazer parte do chá das cinco.
- Ah! Ah! Ah!
Queria era também está envolvido na arte cultural dos homens de togas verdes!
- Pede uma
xícara de café meu amigo.
- Vou te
contar essa. Senta aí!
O Gaspar era
um homem que morreu abandonado e sozinho, mas porque resolveu afastar-se do
nosso grupo, com a tal estória de entrar para a academia de Letras. Sabe a rua
da tripa, é a rua David Caldas, ele morava numa casinha antiga de paredes
emboloradas perto da caixa d’água.
O poeta louco
nunca casou e fazia seus versos visionários, mas sempre com a decepção de não
poder entrar para a Academia de Letras. O homem de certo tempo passou a dormir
por cima das próprias fezes, tudo ali na casa fedia, pois o pobre poeta dos
versos visionários transformara-se em um verdadeiro excremento humano. Ele foi
o fundador da Epicuréia Barrense juntamente com o Rafael.
- Por que
tanto desprezo com si próprio?
- Nada. Ficou
decepcionado depois que o finado, o Tenente Jerônimo, sim aquele que mora no
Matadouro disse que para entrar na academia de Letras, não bastaria produzir
arte literária, mas era preciso ter influência e dinheiro, pois assim os amigos
imortais votariam em você. Pobre poeta louco!
Gaspar passou
a vida inteira esperando a oportunidade. Foi um dos mais brilhantes poetas da Epicuréia
Barrense, mas morreu na merda literalmente! Morreu só. Abandonado por todos que
apreciavam seus lindos versos. Sei! Lembro-me de que na Epicuréia Barrense era
assim, cada homem tinha o livre arbítrio para decidir o seu rumo. Gaspar decidiu
o dele.
A Epicuréia Barrense, uma sociedade da qual se podia dizer que democrática. Quem detinha o
poder de escrever algo poderia fazer parte, bastava produzir alguma coisa para
a literatura barrense. Do pior escritor para o melhor, não havia discriminação.
- Nenhuma
discriminação?
- Nada, nada,
tudo o que produziam, espalhavam pelo centro de Barras. Nos bares, mercado,
praças e os grandes folhetos eram pregados também nas paredes e portes
elétricos. O tablado do cine teatro na rua 10 de novembro, ali perto de hoje é
a Academia de Letras, o espaços para os saraus literários e declamação de
poesias ao ar livre. As damas da sociedade
barrense do ano de 1980 divertiam-se com as novelas produzidas em folhetins
pela Epicuréia Barrense.
- E onde se
reuniam esses homens das letras barrenses para fazer suas produções?
- Ninguém
nunca sabia o lugar, ás vezes de improviso qualquer lugar estava bom.
- Produziam
literatura barrense em segredo?
- Nem sempre,
mas ocultamente. Foi, o que eu disse. Escreviam e antes de publicar, os
epicuristas barrenses tinham que contar a estória até o fim, uma espécie de revisão
textual. Pois era assim, tão certo que era. E não paravam de produzir
literatura.
Às vezes eles sumiam,
quando criticavam o prefeito da época. Nós éramos temidos pelo poder ideológico
que tínhamos. Gostávamos de orgias e bebedeiras pelos bordeis da rua do brega, da
casa da Maria Joana, raramente alguma menina dessas da vida fácil, caboclinha
nova do interior, perdida da família ou outras de passagem pelo cabaré, não se
encantava com o poeta louco, o Gaspar.
- Ah ah ah ah... poeta louco.
A poesia de
Gaspar era capaz de encantar e hipnotizar aquelas mulheres da rua do brega,
principalmente as do lugar onde hoje é o bar do Zezinho. Todos ali, o amavam, o
idolatravam. Agora ás vezes, Gaspar tornava-se um homem calado, introspectivo e
mergulhava no silêncio, dizia que adorava viver na terra de marataoã, pois aqui
tudo era tranqüilo, tudo inspiração poética.
O sol
levantava-se pelo telhado de amianto do Centro Comercial. Os dois amigos
terminavam a prosa. O barulho acalmava-se mais. Uns vendiam rapadura dos
engenhos da Boa Hora, outros cortavam os ossos das carnes e fazia um barulho
infernal. E eram um entra e sai de gente que nem formiga no formigueiro pelas
portas do mercado.
- Oh te
levanta boi de pano que já vou me retirando. Tu lembra Honório dessa música do
boi do Dodó?
- Sim, eita
tempo bom aquele, quando era mês de junho na praça do cemitério, com a morte do
boi de pano. É acabou-se aquela tradição barrense. Pois é, tudo aqui em Barras
se acaba. O festival de quadrilhas da prefeitura parece mais coreografias de dançarinas
de banda de forró do que realmente passes de quadrilha junina.
Tchau
compadre! Tchau compadre. Mundoca está aguardando-me para levar o quilo de
carne.
AGUARDE CAPÍTULO 27
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