CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 15
- Seu Cassimiro
é conhecido, Aurélio? Sim, sim. Dormi ontem na casa dele. Hum! E a neta dele, a
Eunice ficou te confortando? Hein. E depois, perguntou João Alberto. É verdade
que ele conta várias estórias de Barras do tempo antigo? Sim! Para quê?
- Ora para
conhecermos nossa terra. Ah ah ah , eu acredito que ele vai é te capar. Ai, ai,
meu amigo nem me fale isso. A vida é um horror sem o saco! Não, não nunca
queira ser capado, Deus me livre. Mas cuidado com a vida, sim, ou melhor, com a
neta dele, já dizem aqui pela rua que ela mexe com drogas. Acredito nisso não,
João Alberto! É mentira do povo, só porque ela se veste de preto, é gótica. É mais
disseram que pegaram ela com pedras de crack lá na praça da matriz.
O senhor Cassimiro
é um homem das letras, um boêmio das antigas e metido a elegante. Acredita João
Alberto que ele na tamanha velhice ainda escreve poemas. Poemas? Sim! Nunca
soube disso não. Ele tem é riso esquisito. É um sujeito meio estranho, talvez,
mas na justa medida de um homem que preza muito pelo lado cultural da cidade, é
humilde. Quando ele passava por todos no mercado público, as pessoas o
reconhecem e falam com ele. Sabia que ele fez parte da Epicuréia Barrense. Da
Epicuréia Barrense?! Nossa! Que legal.
Contou-me
muitas estórias, depois que Eunice disse-lhe que eu escrevia poemas. Ele conta
que todos os membros vestiam-se de preto e cada um levava garrafa de vinho para
os encontros da Epicuréia Barrense. Os epicuristas barrenses eram amantes da
boemia, reis das noites barrenses. Aprontava de tudo no Centro Operário São
José, Barras Clube na rua grande, Clube de jovens na Boa vista e Clube de Ouro.
Eles tinham
sempre boas maneiras, educação de base e não eram vândalos. Não como esses que
picham as paredes com nome de morcego, Batman e outros. Namoravam as moças da
elite barrense, as mais ricas, claro, as filhas dos latifundiários e
fazendeiros barrenses. E os membros sempre se vestiam de acordo com a última
moda vinda da capital Teresina.
Quando um
jovem barrense formava-se, este era convidado a integrar a sociedade Epicuréia
depois do ritual de iniciação. O que
mais ele contou? Ah muita coisa João Alberto. Oh, oh, tá espantado? Oh, oh, oh,
senhor Cassimiro é homem sabido, homem vivido, combateu os ciganos do famoso grupo
de Zé de Lauro quando invadiram uma Fazenda no interior. De repente, seu
Cassimiro vendo os rapazes conversarem de longa na calçada chama-os para perto.
- Aurélio aproxime-se rapaz! Chame
seu colega para cá, dizia seu Cassimiro balançando-se na cadeira. Eu vou
contar-te uma história que pouca gente aqui em Barras sabe.
- Que estória seu Cassimiro? A
história dos ciganos de 1979, um bando que saqueou Fazendas em Barras e meteu
medo nos coronéis de terra no interior barrense.
- O senhor participou dessa missão?
- Sim! Fui um dos combatentes até
eles se entregarem. Vi muita desgraça naquela ocorrência. Companheiros tombaram
no campo de batalha. Principalmente na batalha do Pontião no Mocambo.
Estavam sentados na porta de casa
na rua 10 de novembro, o velho senhor Cassimiro, Aurélio e João Alberto. Sempre
que podia, os rapazes iam até a casa do vizinho só para ouvir as longas
histórias sobre uma Barras do passado. Senhor Cassimiro contava a estória dos
ciganos quando passaram no interior barrense.
...É mais ou menos assim...
Contam o povo do Mocambo que a Fazenda
Córrego D’água no interior de Barras, na noite de 23 de outubro de 1979 estava
lotada de jagunços por todos os lados. Eles faziam a segurança do local sob um
céu estrelado, com uma linda lua suspensa no alto dos céus.
Iluminado pelo cenário lunar, a cigana
Teodora nos pés de reza balbuciados dos lábios trêmulos, ela pedia apenas para
que horas depois que os homens invadissem a Fazenda, não viesse a ver muita
desolação ou mortes.
- Que Deus proteja vocês nessa missão.
Duzentos metros dali, os ciganos do
grupo “Justos do Norte” preparavam-se para invadir a Fazenda do senhor de
terra, o coronel Hilário e saquear todos os produtos do armazém e distribuir
para o povo. No escuro da noite, o canto da rasga mortalha no alto dos céus
ritmava, com a narrativa dos lábios trêmulos do cigano Damião. O cigano também
conhecido por Volta Seca, o homem de grande cabeça em forma de lua cheia, mas
tinha a inteligência das letras.
Ele havia morado na casa de senhorzinho
Fernandes, um sujeito dos bons quando de passagem por Barras e antes de parti para
o Ceará, lá para as terras do Crato. Ele fez o jovem cigano Damião fazer seus estudos
no Ginásio Noturno Nossa Senhora da Conceição. Claro que naquele tempo fazendo
parte do Ginásio era somente para os filhos da elite barrense, mas senhorzinho
Fernandes teve influência de colocar o rapaz no Ginásio.
Damião antes de entrar para o bando de
ciganos liderados pelo amigo de infância e coirmão Zé de Lauro fazia da platéia
formada pelos temidos homens do bando Justos do Norte, no interior de Barras a
quem os moradores do Mocambo chamavam-nos de os justiceiros do Norte, os homens
delirar ouvindo suas prosas.
O povo do Mocambo vivia um período que
a terra de marataoã era tomada por grandes latifundiários, estes afugentavam
famílias inteiras das propriedades. Queimavam casas, expulsavam moradores,
batiam nos homens e escravizavam nos grandes campos de roçados.
Para os grandes latifundiários a justiça
correta era a deles, juiz, promotor e delegado só existiam mesmo nas
investiduras dos cargos, nos exorbitantes salários, subsídios e soldos no fim
do mês porque na parte prática quem mandava era os coronéis de terra barrense.
- Fiquem quietos e calados para ouvir
a história do romance Terra de Marataoan. Dizia Damião.
Os homens acampados no mato, à beira
da estrada esperavam o momento certo de invadir a Fazenda Córrego D’água pelo
lado da casa de fornos. Cada um deles sentados em círculo e a seus pés, os
fuzis papo amarelo armados com bastante munição faziam um arco fechado. No
centro do círculo o cigano Volta Seca inclinava-se um pouco, começou a falar da
história do livro de literatura barrense, com sua voz retumbante e
profunda.
O líder, o cigano mestre Zé de Lauro
se mexia inquieto e aproximava-se do fiel amigo Volta Seca que jamais se
aquietava, quando lia alguma prosa. O cigano Boi na Brasa, com o fuzil nas mãos
alisava-o como se fosse a própria extensão do corpo. Os ciganos Negro Loiro e
Sabiá olhava o companheiro que lia atentamente a leitura dos capítulos finais
do livro, quase que hipnotizado pelo enredo do romance.
O curandeiro do grupo, a cigana
Teodora, uma preta velha que era mãe dos ciganos Volta Seca e de Ventania, os
irmãos gêmeos Cosme e Damião que foram criado com Zé de Lauro. Uma velha de
cara bondosa, embora de feições toscas, rudes, mas com o rosto que traduzia as
intempéries do tempo. A mulher não largava o terço das pequenas mãos magras. Nunca
se esquecera do dia em que o coronel Hilário tocou fogo na casa dela e expulsou
o filho adotivo Zé de Lauro da propriedade por causa de Rute.
Ela tinha o hábito de sempre nas
noites que antecediam as missões rezar e pedia proteção a seus deuses wiccanos ,
principalmente a Deusa mãe. Integrava o grupo Adonias, um jovem de dezenove
anos recém saído do 25 BC em Teresina. Ele fazia ás vezes de armeiro do grupo e
tido como um feroz soldado, por sua juventude e força nos braços. Adonias apaixonou-se
pela cigana Dara e assim passou a viver uma vida nômade.
Adonias adorava sempre ouvir história
de lutas, e principalmente de polícia versus bandidos. Ele já tinha ouvido
incontáveis vezes, e sempre ficava com ânimo de voltar a escutar a história de
Lampião e os cangaceiros. A lenda trazia a dolorosa lembrança de um homem de
coragem, que na sua morte bárbara arrancaram-lhe a cabeça e expusera-a numa
feira lá pelas bandas da Bahia, Pernambuco, Alagoas como se aquele tal ato
provasse que o lendário Lampião era humano e não indestrutível, como pensavam o
povo do sertão no nordeste brasileiro.
Continuava Damião:
....Rosa Clarice era dona do bar da
rua do Brega...
O cigano Sete Léguas suspirou e apoiou
no queixo a ponta do fuzil ao segurar na massa do mosquetão Mauser 765.
- Muito bem, Sete Léguas, durma e mate
a gente com esse fuzil, viu. Gritava Volta Seca.
Sete Léguas sonolento despertava. Ele então
queria que Volta Seca contasse novamente a história do Lampião, Maria Bonita e
dos cangaceiros. Seria mal educado protestar, de modo que ele fechou os olhos
para escutar a voz retumbante do cigano Volta Seca que se empolgava na leitura
do outro romance. Contava que o grupo de Lampião assim com eles combatia as
injustiças sociais.
Os ciganos barrenses lutavam contra a
exploração escravocrata nos engenhos da Boa Hora e pela divisão da terra na
região da mata barrense. Lampião fazia
suas moradas no tempo, nas matas. Dizia também que eles tinham a ciência das
mágicas e orações que usava para se esconder da polícia, a volante na época. O cigano
Boca Negra interrompeu Volta Seca na estória de Lampião e falou abertamente a
todos que desejava pôr fim aos problemas de latifúndio em Barras.
- Só haveria paz e abundância para o
povo barrense do interior, quando as famílias tradicionais do município
dividissem o pedaço de chão, o torrão aos pobres e como não se chegava a um
acordo com os coronéis donos de terra, o jeito era resolver na força, na bala e
no fuzil.
Assim, o cigano mestre Zé de Lauro
partiu em busca de uma solução para os problemas de terras em Barras, mas o
objetivo era mesmo fugir Rute, seu grande amor e assim viverem felizes. Ele um
sujeito alto, forte de aparência bem arrumada, e tratava com cortesia e
amabilidade todas as pessoas com que encontrava. O povo tinha muito apreço pelo
homem quando era mestre das ciências ocultas, das rezas e mandingas. Quando
tinha o poder pelas rezas e feitiços.
Deixara as rezas pelas armas, depois
que fora humilhado na frente de todos da fazenda por ser cigano e não poder
casar-se com Rute. Ele revoltara-se com o coronel Hilário que negou-lhe a mão
da filha em casamento . Mas ao perguntar o que podia fazer para pôr fim à
guerra, todos davam de ombros, um após o outro, pois sabiam que o homem não
descansaria, enquanto não fizesse justiça na terra de marataoã e conquistasse a
força o seu grande amor.
AGUARDE CAPÍTULO 16
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