CHÃO
DE FOGO, CAPÍTULO 07
De manhã, ele ouvia da estrada para Porto, o ônibus da Princesa do
Sul passar. E espichou o corpo de preguiça. E ali de cima da cama, ele se
lembrou que devia rezar no gado. Levantou ás pressas. Escovou os dentes. Nem
tomou café. E já tinha uma oração balbuciada dos lábios trêmulos que era o
mesmo que uma ladainha. E assim ele foi rezando, rezando, de vez enquanto
jogando sal grosso pelos cantos do curral.
O gado do coronel Hilário estava a cada ano mais pouco. A seca
matara muitas cabeças. Mestre Zé de Lauro pensava que o coronel do Mocambo
merecia que ele fizesse tudo por aquele homem. Aquele que era um homem! Coronel que não
comparava o serviço dele com reza de padre. Ele iria dar ao seu protetor, tudo
o que pudesse fazer com a força espiritual das rezas. E assim pensando, saiu
para a quinta com matos secos, deixando o coronel e o vaqueiro Garcia da Donana no
trabalho de vacinar o gado.
Quando mestre Zé de Lauro chegou ao meio da quinta, ele tirou uma
oração do livro de são Cipriano do bolso e começou a rezar. E começaram a soprar
ventos fortes pelo capim seco do lugar. E quando já tinha terminado os últimos
pés de rezas, mestre Zé de Lauro uniu as mãos postas e de joelhos no chão para
que todo o mau olhado se desterrasse dali. Os bichos que estavam por perto ficaram
encantados atrás do homem, os passarinhos no alto dos babaçuais embebidos, de
ouvidos abertos e outros cantando uma canção alegre de chuva.
Mestre Zé de Lauro foi andando de volta para a Fazenda. E quando o coronel viu o nascente, uma
pancada de trovão reboou nos céus. Ele ficou besta de ver o nascente naquela
manhã, depois de uma linda aurora ficar com névoas e mais névoas, e o céu cada
vez mais céu acinzentado. De repente pesadas nuvens invadiam o céu.
- Coronel, coronel, hoje chove no Mocambo. Disse Garcia.
O coronel Hilário olhando para o céu, não teve palavras para
agradecer a Deus pelo envio daquela chuva. Assim o capim da quinta iria
esverdear e as ramas subir as cercas. Mandou chamar a esposa Princesinha que
lavava uns trens na cozinha. Dona Princesinha vinha com umas panelas nas mãos
lá da cozinha:
- Eita, Princesinha que o inverno desponta no nascente. Graças a
Deus, homem. Deus se valeu de nós.
O coronel deu saltos de alegria. Uns caboclos do Barreiro do Otávio
chegavam para comprar coisas no armazém. Eles tinham tanta alegria em ver o
mormaço que ficavam sem saber o que falar, de tão espantado. Coronel Hilário estava tão contente com os
trabalhos de mestre Zé de Lauro que mandava o vaqueiro separar a melhor cria do
curral. O homem deu graças a Deus pela lembrança do coronel e foi logo querendo
dar ao patrão uma oração para colocar debaixo do travesseiro quando fosse
dormir.
- Para que serve, mestre Zé de Lauro? Perguntou o coronel Hilário.
Tendo o mestre para rezar não carece que eu faça nada. O mestre
fica aqui na Fazenda por mais dois dias nos trabalhos espirituais. Quero que
faça uns benzimentos em Rute, pois ela anda com espíritos ruins aperreando o
juízo dela de noite.
Quando foi á tarde, o mestre Zé de Lauro saiu para a mata dos
cocais, perto da entrada do Barreiro do Otávio. E chegando lá tirou seu livro
de são Cipriano da bolsa preta que levava e de joelhos começou a rezar. E
vieram logo espíritos se chegando para ouvir o mestre desterrá-los naquela
encruzilhada. Nunca ali naquela encruzilhada na mata dentro dos cocais, nenhum
cristão tinha rezado tão convictamente.
Moisés do Paruá fazia trabalhos também, mas nem chegava perto do
poder de mestre Zé de Lauro. Nem o Jovita do longá, rezava assim; nem o Mário
da Chichica que fugiu com a Joaninha do Mané Peba, rezava daquele jeito. Quando
voltou pelo caminho de areia para o lado da Fazenda, mestre Zé de Lauro olhou
para o outro lado da estrada, perto do Pontião.
Com vergonha ele acelerou o passo, pois Rute a filha do coronel
Hilário banhava-se no riacho que cortava aquelas matas. Sentiu o coração bateu
descompassado com tamanha beleza juvenil. E mestre Zé de Lauro foi olhando para
todos os lados, com medo do coronel Hilário. Foi quando apareceu o vaqueiro Garcia da
Donana que era um moço trabalhador e andava louco para casar.
Ele era um sujeito muito feio. Era aquilo que as mulheres do lugar
não via nele, beleza.Teve chamego com a jovem Judite que trabalhava na Fazenda
com a mãe, mas não engatou. Namoro de meninos. E ele daria tudo para possuir
uma mulher. E falou com mestre Zé de Lauro que puxou por uma oração para atrair
a mulher que quiser.
E começou a ensinar a Garcia. Garcia de pernas cinzentas, sujas de lama e
um chapéu de couro na cabeça, observava o mestre amarrar um cordão vermelho nele por baixo da camisa. Passou um dia, o vaqueiro tinha a mulher que muito
desejava. Creusa do Chico Rosa, uma linda mulher que enviuvou duas vezes,
chamavam-na de viúva negra no Mocambo.
Na mesma noite, Garcia findava o trabalho na Fazenda e se foi de
mata adentro a puxar pela a oração que mestre Zé de Lauro lhe deu. Quando rezou
os pés da oração parecia que estava acompanhado de vários encostos. E deu mil graças
a Deus quando chegou à porta da casa grande. Depois da janta, sentia-se
aperreado pela força da oração, do encanto que fizera. Criava expectativa de
aquela loucura dar certo mesmo.
Garcia estava deitado numa rede, bem deitado, tomando um pouco de ar
fresco. Depois da janta vinha cada rajada de vento frio e depois de um sereno
rápido, que os pingos molhavam o peitoril do alpendre da Fazenda, chegava na
escuridão, uma mulher toda de vestido preto. Parecia uma princesa quando subiu os degraus da casa grande. Com aquele rebolado que deixava os caboclos da roça
loucos.
Quando Creusa do Chico Rosa foi se aproximando, o mundo de Garcia
sentado no tamborete de couro parava. Os olhos do homem pareciam querer saltar
das órbitas oculares. O coração batia
acelerado no peito emagrecido. Creusa foi chegando e foi logo procurando por
Garcia. E tinha muitos caboclos tomando cachaça no armazém.
- Quem é Garcia?
Sou eu falou um homem franzino perto da rede de mestre Zé de Lauro.
E era ele mesmo. O vaqueiro não pensava que aquela linda mulher, de olhos tão
bonito que era, procurara por ele. Foi-se levantado e chegando para perto dela.
Os olhos dos caboclos sentados pelo banco de angico no alpendre da Fazenda se
desviavam para ela e a cabeça de Rute enfiada na janela, só comentando que
assunto Creusa queria com Garcia.
Os dois desceram o morro para o lado da estrada de piçarra. Lá no
terreiro da Fazenda, a uma boa distância, o vaqueiro ficou babando de gozo pela
amada. O que era aquilo que ele nunca tinha visto. A mulher declarou o amor por
ele e andavam os dois de mãos dadas pelos pés de cerca da Fazenda. Aí Rute
parou de olhar. E falou para o pai, coronel Hilário dentro do armazém:
- Saiba papai que o Garcia anda com graça com aquela
desavergonhada da Creusa.
O coronel Hilário teve prazer de ver o vaqueiro Garcia de amor pelo
seu quintal.
- Que homem de sorte é este Garcia, disse Domingo do Barro Preto,
para conquistar o amor de Creusa.
- Tem coisa que a gente não sabe do amor. Disse mestre Zé de Lauro.
Então o coronel falou para mestre Zé de Lauro:
- Tem que fechar a croa de Rute que ela anda aperreada demais.
O mestre deu um salto da rede de tucum todo contente, encheu os seus olhos e
entrou para a casa do amigo. E lá chegando, foi logo dizendo a Rute:
- Rute, o vosso pai mandou fazer uns serviços.
Ela não gostou. No entanto, sentou numa cadeira de palhinha para que
ele fizesse o trabalho. Porém, perguntou se um pagamento ele recebia para
desmanchar o amor de Garcia e Creusa. O mestre Zé de Lauro nem sabia o que dizer
de tanto dinheiro que a moça ofereceu.
- Rute já começo, a me incomodar com tanto dinheiro, respondeu o
mestre. Mas não aceitou a oferta.
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