sexta-feira, 8 de junho de 2012


CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 07

De manhã, ele ouvia da estrada para Porto, o ônibus da Princesa do Sul passar. E espichou o corpo de preguiça. E ali de cima da cama, ele se lembrou que devia rezar no gado. Levantou ás pressas. Escovou os dentes. Nem tomou café. E já tinha uma oração balbuciada dos lábios trêmulos que era o mesmo que uma ladainha. E assim ele foi rezando, rezando, de vez enquanto jogando sal grosso pelos cantos do curral.

O gado do coronel Hilário estava a cada ano mais pouco. A seca matara muitas cabeças. Mestre Zé de Lauro pensava que o coronel do Mocambo merecia que ele fizesse tudo por aquele homem. Aquele que era um homem! Coronel que não comparava o serviço dele com reza de padre. Ele iria dar ao seu protetor, tudo o que pudesse fazer com a força espiritual das rezas. E assim pensando, saiu para a quinta com matos secos, deixando o coronel e o vaqueiro Garcia da Donana no trabalho de vacinar o gado.


Quando mestre Zé de Lauro chegou ao meio da quinta, ele tirou uma oração do livro de são Cipriano do bolso e começou a rezar. E começaram a soprar ventos fortes pelo capim seco do lugar. E quando já tinha terminado os últimos pés de rezas, mestre Zé de Lauro uniu as mãos postas e de joelhos no chão para que todo o mau olhado se desterrasse dali.  Os bichos que estavam por perto ficaram encantados atrás do homem, os passarinhos no alto dos babaçuais embebidos, de ouvidos abertos e outros cantando uma canção alegre de chuva.

Mestre Zé de Lauro foi andando de volta para a Fazenda.  E quando o coronel viu o nascente, uma pancada de trovão reboou nos céus. Ele ficou besta de ver o nascente naquela manhã, depois de uma linda aurora ficar com névoas e mais névoas, e o céu cada vez mais céu acinzentado. De repente pesadas nuvens invadiam o céu.

- Coronel, coronel, hoje chove no Mocambo. Disse Garcia.

O coronel Hilário olhando para o céu, não teve palavras para agradecer a Deus pelo envio daquela chuva. Assim o capim da quinta iria esverdear e as ramas subir as cercas. Mandou chamar a esposa Princesinha que lavava uns trens na cozinha. Dona Princesinha vinha com umas panelas nas mãos lá da cozinha:

- Eita, Princesinha que o inverno desponta no nascente. Graças a Deus, homem. Deus se valeu de nós.

O coronel deu saltos de alegria. Uns caboclos do Barreiro do Otávio chegavam para comprar coisas no armazém. Eles tinham tanta alegria em ver o mormaço que ficavam sem saber o que falar, de tão espantado.  Coronel Hilário estava tão contente com os trabalhos de mestre Zé de Lauro que mandava o vaqueiro separar a melhor cria do curral. O homem deu graças a Deus pela lembrança do coronel e foi logo querendo dar ao patrão uma oração para colocar debaixo do travesseiro quando fosse dormir.

- Para que serve, mestre Zé de Lauro? Perguntou o coronel Hilário.

Tendo o mestre para rezar não carece que eu faça nada. O mestre fica aqui na Fazenda por mais dois dias nos trabalhos espirituais. Quero que faça uns benzimentos em Rute, pois ela anda com espíritos ruins aperreando o juízo dela de noite.

Quando foi á tarde, o mestre Zé de Lauro saiu para a mata dos cocais, perto da entrada do Barreiro do Otávio. E chegando lá tirou seu livro de são Cipriano da bolsa preta que levava e de joelhos começou a rezar. E vieram logo espíritos se chegando para ouvir o mestre desterrá-los naquela encruzilhada. Nunca ali naquela encruzilhada na mata dentro dos cocais, nenhum cristão tinha rezado tão convictamente.

Moisés do Paruá fazia trabalhos também, mas nem chegava perto do poder de mestre Zé de Lauro. Nem o Jovita do longá, rezava assim; nem o Mário da Chichica que fugiu com a Joaninha do Mané Peba, rezava daquele jeito. Quando voltou pelo caminho de areia para o lado da Fazenda, mestre Zé de Lauro olhou para o outro lado da estrada, perto do Pontião. 

Com vergonha ele acelerou o passo, pois Rute a filha do coronel Hilário banhava-se no riacho que cortava aquelas matas. Sentiu o coração bateu descompassado com tamanha beleza juvenil. E mestre Zé de Lauro foi olhando para todos os lados, com medo do coronel Hilário.  Foi quando apareceu o vaqueiro Garcia da Donana que era um moço trabalhador e andava louco para casar.

Ele era um sujeito muito feio. Era aquilo que as mulheres do lugar não via nele, beleza.Teve chamego com a jovem Judite que trabalhava na Fazenda com a mãe, mas não engatou. Namoro de meninos. E ele daria tudo para possuir uma mulher. E falou com mestre Zé de Lauro que puxou por uma oração para atrair a mulher que quiser.

E começou a ensinar a Garcia. Garcia de pernas cinzentas, sujas de lama e um chapéu de couro na cabeça, observava o mestre amarrar um cordão vermelho nele por baixo da camisa. Passou um dia, o vaqueiro tinha a mulher que muito desejava. Creusa do Chico Rosa, uma linda mulher que enviuvou duas vezes, chamavam-na de viúva negra no Mocambo.

Na mesma noite, Garcia findava o trabalho na Fazenda e se foi de mata adentro a puxar pela a oração que mestre Zé de Lauro lhe deu. Quando rezou os pés da oração parecia que estava acompanhado de vários encostos. E deu mil graças a Deus quando chegou à porta da casa grande. Depois da janta, sentia-se aperreado pela força da oração, do encanto que fizera. Criava expectativa de aquela loucura dar certo mesmo.

Garcia estava deitado numa rede, bem deitado, tomando um pouco de ar fresco. Depois da janta vinha cada rajada de vento frio e depois de um sereno rápido, que os pingos molhavam o peitoril do alpendre da Fazenda, chegava na escuridão, uma mulher toda de vestido preto. Parecia uma princesa quando subiu os degraus da casa grande. Com aquele rebolado que deixava os caboclos da roça loucos.

Quando Creusa do Chico Rosa foi se aproximando, o mundo de Garcia sentado no tamborete de couro parava. Os olhos do homem pareciam querer saltar das órbitas oculares.  O coração batia acelerado no peito emagrecido. Creusa foi chegando e foi logo procurando por Garcia. E tinha muitos caboclos tomando cachaça no armazém.

- Quem é Garcia?

Sou eu falou um homem franzino perto da rede de mestre Zé de Lauro. E era ele mesmo. O vaqueiro não pensava que aquela linda mulher, de olhos tão bonito que era, procurara por ele. Foi-se levantado e chegando para perto dela. Os olhos dos caboclos sentados pelo banco de angico no alpendre da Fazenda se desviavam para ela e a cabeça de Rute enfiada na janela, só comentando que assunto Creusa queria com Garcia.

Os dois desceram o morro para o lado da estrada de piçarra. Lá no terreiro da Fazenda, a uma boa distância, o vaqueiro ficou babando de gozo pela amada. O que era aquilo que ele nunca tinha visto. A mulher declarou o amor por ele e andavam os dois de mãos dadas pelos pés de cerca da Fazenda.   Aí Rute parou de olhar. E falou para o pai, coronel Hilário dentro do armazém:

- Saiba papai que o Garcia anda com graça com aquela desavergonhada da Creusa.

O coronel Hilário teve prazer de ver o vaqueiro Garcia de amor pelo seu quintal.

- Que homem de sorte é este Garcia, disse Domingo do Barro Preto, para conquistar o amor de Creusa.

- Tem coisa que a gente não sabe do amor. Disse mestre Zé de Lauro.

Então o coronel falou para mestre Zé de Lauro:

- Tem que fechar a croa de Rute que ela anda aperreada demais.

O mestre deu um salto da rede de tucum todo contente, encheu os seus olhos e entrou para a casa do amigo. E lá chegando, foi logo dizendo a Rute:

- Rute, o vosso pai mandou fazer uns serviços.

Ela não gostou. No entanto, sentou numa cadeira de palhinha para que ele fizesse o trabalho. Porém, perguntou se um pagamento ele recebia para desmanchar o amor de Garcia e Creusa. O mestre Zé de Lauro nem sabia o que dizer de tanto dinheiro que a moça ofereceu.

- Rute já começo, a me incomodar com tanto dinheiro, respondeu o mestre. Mas não aceitou a oferta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário