quinta-feira, 7 de junho de 2012



CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 06


Há muitos anos, uma linda cigana que morava nas terras de coronel Hilário, chamava-se Irene e tinha morrido de parto quando deu a luz ao filho. O menino José tinha sido criado pelos ciganos Teodora e Lauro. O pai do menino era um homem casado e bastante conhecido da região do Mocambo. Este rejeitara o filho fora do casamento. Teodora e Lauro mandaram o menino e os filhos Cosme e Damião para o Maranhão morar na casa de parentes.

Depois de dezoito anos longe do lugar do nascimento, chegava a Fazenda Córrego D’água no Mocambo, o jovem cigano Zé de Lauro arrastando as chinelas pelo caminho de areia que dava para a casa grande. No alpendre da Fazenda, Coronel Hilário tomando café e proseando com uns caboclos das bandas da Boca da Mata.

— Boa tarde, coronel Hilário, disse o jovem cigano Zé de Lauro. Venho de longe, de muito longe, debaixo desse sol que não desce mais no poente. Que tempo seco, coronel Hilário! Já passei na casa de muita gente e fiz uns trabalhos, umas rezas, até de parteiro trabalhei hoje.

- Recebeu o filho de quem, mestre Zé? Da Benedita do Bacurau! Então me lembrei do senhor, que o coronel gosta de umas, umas rezas lá pelo curral, pro mode os olhos grandes não esmorecer o gadinho. Verdade, mestre Zé de Lauro.

- Pois não, mestre Zé de Lauro, respondeu o coronel, se chegue mais, vamos tomar um cafezinho da Princesinha. A casa é sua. Daqui a pouco anoitece, o curral fica escuro, mas o jovem mestre pode dormir hoje por aqui, afinal está longe de casa e a noite por estes caminhos é perigoso. Princesinha prepara um destes quartos, o amigo dorme por aqui, até amanhã cedo irmos ao curral.

E conversaram até alta noite. O jovem mestre Zé de Lauro contou a sua vida. Dizia que quando mais moço foi abandonado pela família. Da estória do senhorzinho Luis lá do São Francisco, pois não queria que o vaqueiro Raimundinho do João Tomaz não casasse com a filha mais velha deles.
O jovem cigano Zé de Lauro agora vivia de fazer rezas de graças pelo povo, não cobrava nada, davam porque queriam. As mãos vinham bambas de tanto rezar em menino com mau olhado, espinhela caída, lá da Fazenda São Francisco.

— Ah, coronel, que vida triste é a minha! O pessoal quer que reze de graça e pensa que também não tenho precisão, que não como e nem pensam no que eu faço. Pedi até ao senhorzinho Luiz para rezar na frente do curral dele, mas o senhorzinho diz ser crente e nem abriu os lábios trêmulos para falar.

Ele não acredita coronel Hilário na coisa não. Experimentei todos os argumentos meus conhecidos e nada. - Mas qual? - O da assombração que ronda a casa grande da Fazenda, aquele que espanta os bois. Disse que não existe alma penada. E quando ficou com raiva, deu murros por cima da mesa de jantar, querendo brigar com todo o mundo, só melhorou a ira quando eu fui embora.

E não pense o senhor que ele me deu alguma coisa. Crente quer tudo é de graça. Nunca me deu uma saca de farinha, um quilo de feijão. E eu que tenho que andar por aí a fora fazendo o diabo para me sustentar! Outro dia, eu estava tirando o espírito de uma mulher no são Domingos, e apareceu o padre das Barras naquela Toyota verde da paróquia.

Falava para senhora que minhas rezas não serviam e quando eu vi, foi o marido dela, o Felipe com a espingarda atrás de mim, pois tinha ciúmes da infeliz, Lúcia. Saltei a cancela da porteira num pé, pulei no outro, e o Felipe desistiu da loucura.

O padre Gregório lá das Barras podia é me arranjar um emprego, afinal ele é padre e é empregado dos fieis da igreja. – Porém lhe digo coronel! O povo nessa região só quer de mim é a reza de graça. Isto é demais. O jovem mestre Zé de Lauro continuou a falar da sua vida:

— Passo o dia no trabalho das rezas, das mandingas, dos feitiços. Toda arte de magia é difícil coronel. Reza para mim é coisa séria. E o que a arte me dá nem chega para eu comer bem. Isto não é nada, coronel Hilário.

O dia inteiro no terreiro da cigana mãe Teodora recebendo gente do Barro Preto, Caiçara, Bomfim, vem até do Barreiro do Otávio e quando chega a noite só tenho mesmo coragem de dormir. Por aí anda gente que não faz nada e vive na fartura como o padre Gregório da igreja de nossa senhora da Conceição. Eu não me lastimo, não. Tudo é como Deus quer. Respeito às vontades de Deus.

A vida é isto mesmo, mestre Zé de Lauro. Pode o senhor ficar por aqui até amanhã e rezar como quiser. É uma boa companhia para mim, Rute e Princesinha. O sol desceu no poente. Os lampiões acessos na sala grande. Rute deitara mais cedo. O silêncio da casa grande cada vez mais intenso. Até o pessoal da Fazenda foram dormir. O jovem mestre Zé de Lauro, muito feliz, porque há muito tempo que não encontrava um lugar tão bom para dormir. 

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