sábado, 9 de junho de 2012


CHÃO DE FOGO, CAPÍTULO 08


Todo o mundo no Mocambo ficou sabendo que o mestre Zé de Lauro estava fazendo serviços na Fazenda do coronel Hilário. E os pobres arrecadavam umas esmolas para em troca dos serviços do homem. Muitos saíram comentando pelo interior, contentes, dizendo pelas casas em redor da Fazenda que mestre Zé de Lauro era o melhor benzedor da região, um santo, um amigo de Deus.

E outra vez, mestre Zé de Lauro dentro do quarto, a fim de terminar o serviço do fechamento da croa de Rute. Depois de uma hora, Rute saia a andar cheia de amores, dócil e educada com todos da Fazenda. Depois da primeira sessão do serviço, Rute quando não via o mestre Zé de Lauro em lugar nenhum lugar da Fazenda, já ficava eufórica, inquieta, nervosa. Por fim, coronel Hilário falou:

- O que acha que Rute tem?

- Quem? Rute! Respondeu o mestre. Encosto ruim.

É coisa de espírito ruim. Essas coisas perseguem a gente. E começou a correr pela Fazenda na boca dos invejosos que mestre Zé de Lauro estava se aproveitando da pobre moça. E rezou no armazém uma oração tão bonita que os caboclos começaram a ficarem mansos, fala baixa, entristecidos e cabisbaixos. Outra vez o coronel temeu o mestre, chamou- o para um lugar detrás do balcão do armazém.

O coronel Hilário ajeitou cruzeiro por cruzeiro. E os dois saiam de dentro abraçados. Dona Princesinha tinha acabado de almoçar com toda a casa, quando chamou os dois homens para também almoçarem. E Rute estava muito feliz, palitando os dentes com um palito de talo da palha do babaçu, quando ouviu a voz que vinha do armazém com o pai do lado. E disse logo para a mãe, dona Princesinha:

- Mestre Zé de Lauro tão jovem e já sabe as artes ocultas!

Dona Princesinha disse, vem coisa por aí. E era mesmo o que a mulher pensou. Quando Rute sentou no alpendre de seus lábios tremulava cânticos românticos. A moça estava apaixonada.

- Ei Hilário, meu esposo, já reparou que Rute depois das rezas de mestre Zé de Lauro está mais alegre. Sim! O encosto saiu graças a Deus e mestre Zé.

O mestre Zé de Lauro ficou num pé e noutro com o dinheiro recebido.

- Não carecia, coronel esta dinheirama toda, disse ele.

O coronel Hilário chamou Rute e deu ordem para que entrasse para o quarto que o mestre terminaria o serviço. O mestre já não podia mais enganar o coração. Estava apaixonado pela filha do coronel e Rute por ele. O coronel Hilário quando viu o amigo chegando do quarto, ficou espantado. Mas o mestre das orações foi-lhe dizendo que tudo aquilo precisava de mais um dia de rezas, que os dois dias que teve ali, ele expulsou apenas dois dos espíritos que acompanhavam a moça.

Rute ficou contente, quando o pai disse ao homem que ficasse mais um dia para terminar o serviço. Naquele dia, era dia de sábado na Fazenda. E o coronel foi para Barras com o vaqueiro Garcia comprar uns sacos de ração para o gado. Só voltaria no domingo á noite. A casa ficou por conta de dona Princesinha e Rute.

De noite, dentro do quarto de Rute, dona Princesinha ouviu um rebuliço, uns gemidos, uns gritinhos abafados entre risos. Bateu na porta para saber o que era. E de lá mestre Zé de Lauro disse que era um espírito ruim que saia do corpo da moça. Ele pediu para dona Princesinha segurar firme o terço e voltar para o oratório rezar.

A mulher saiu cambaleando com as pernas tortas que passavam um jumento com cangalha e tudo, a fim de rezar no oratório. Pensou na bondade de mestre Zé de Lauro àquela hora perdendo o sono dos justos em troca da gratidão pelo próximo. Era um sujeito rogado aos seus serviços espirituais. Ele tinha que fazer muito mais coisas pela filha.

Era nisto que a mulher pensava quando se espichava na cama de manhã. O coronel tinha uma filha que valia mais que todo o gado e suas propriedades. Era uma bela moça, com aqueles cabelos louros que batiam na cintura e os olhos azuis. Quando mais nova, com os treze anos cantava para Hilário dormir deitado na rede no alpendre da Fazenda.

O coronel queria casar a filha, com o filho de Barnabé da Fazenda Santa Fé no Lameirão. E com essa idéia na cabeça, ele chegou de Barras a noitinha. Rute saiu no terreiro e ela ficou louca de alegria vendo o pai chegar.

- Fez boa viagem, pai?

- Sim, Rute! E o que correu por aqui?

- Nada! Só mestre Zé de Lauro que está arrumando as coisas dele!

E o coronel Hilário mandou Garcia desamarrar os sacos de rações do jipe. Convidou a filha para entrar. E saíram os dois muito satisfeitos. O coronel Hilário conversando.

- Sabe aquela Fazenda Santa Fé? Perguntava o homem.

- Não é a de Barnabé, o senhor comprou?

- Melhor que isso, pode ser sua!

E foram andando, até a escada da entrada da casa grande. Mais adiante o coronel Hilário viu mestre Zé de Lauro olhando o roçado.

- Não, mas vai ser sua, caso se case com o Mathias?

- Com o Mathias, pai? Ele não é gente, não.

E foram andando. O coronel, muito ambicioso da riqueza de Barnabé. Tudo que falava era na Fazenda de gado. Ninguém nem via o verde dos altos e das várzeas, era só gado pastando, uma beleza. Rute ficou besta, escutando a proposta do pai:

- E esse interesse todo?

- Ah, minha filha, serás dona de uma das maiores Fazenda da região do Mocambo!

 - Prefiro esta que é menor!

E o pai ainda mais ambicioso foi dizendo para Rute que o Mathias, filho de Barnabé era moço formado, alcançara a bacharelice, um doutor formado na capital Teresina:

- Esse que o senhor quer por genro, um advogado? Ah, um metido isso sim!

O coronel olhou para mestre Zé de Lauro e disse:

- Vai ser convidado mestre para o casamento de Rute! Eu quero que ela se case com o filho do Barnabé.

E mestre Zé de Lauro a escutar aquilo, arrumou tristemente as coisas. Quando se despediu de todos na Fazenda saiu a passos lentos pela estrada. Rute o acompanhou e pediu para ele lhe ajudar. O homem sugeriu que ela fugisse da Fazenda, mas faria um trabalho dos mais difíceis para o filho de Barnabé.

Passado uma semana, o coronel com a ambição de trazer mais terras e mais dinheiro foi acertar os detalhes do casamento. Quando chegou à casa do fazendeiro Barnabé, viu o amigo de terra todo insatisfeito, um pranto só:

- Amigo Hilário, disse ele, meu filho Mathias, eu não posso mais oferecê-lo para sua filha em casamento.

O coronel quase caiu das nuvens de espanto.

- O que fiz eu ao meu amigo Barnabé para merecer tamanha zombaria?

- Não é zombaria, amigo Hilário! Querer eu quero,mas Mathias acabo de saber que suicidara-se em Teresina.

- Meu Deus! Como foi isso, amigo Barnabé?

- Envolveu-se com gente que não presta na capital.Ninguém sabe mesmo o que aconteceu, se mataram a polícia não descobri, é uma confusão danada.

- Meus pêsames!

Pela manhã cedo, Barnabé partiria na Princesa do Sul rumo a Teresina pegar o corpo do filho no IML. O coronel Hilário nem dormiu naquela noite.  Levantou-se de madrugada. E não ouviu os roncos de Rute no quarto. Era a única vez que ele não ouvia os roncos da filha querida. Rute sumira do quarto. Estava ele com os pensamentos desconexos, quando chegou Garcia, lhe gritando do corredor da casa grande. Assim que abriu a porta o coronel falou:

- Que cara triste é essa?

- Desculpe incomodá-lo coronel, mas Rute fugiu no jipe.

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